Perfil: o olhar moderno de Wilson Baptista

Aos 98 anos, pioneiro da fotografia em BH é destaque na exposição Segue-se ver o que quisesse

27/05/2012 07:29
“O melhor é hoje”, afirma Wilson Baptista, de 98 anos – ele faz 99 anos em 15 de julho. Ele se refere às alegrias que teve em mais de oito décadas dedicadas à fotografia. E a frase não é retórica. Wilson é quase o homenageado da mostra Segue-se ver o que quisesse – Fragmentos da vida cotidiana em Minas Gerais, que ocupa todos os espaços do Palácio das Artes e o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, em Belo Horizonte (neste espaço estão vários trabalhos do fotógrafo). Ganhou, inclusive, elogio do curador, o suíço Joerg Bard, diretor do Centro de Fotografia de Genebra: “Considero as obras dele como uma das mais importantes do modernismo brasileiro, no mesmo patamar do realizado por Thomas Farkas”.

Leandro Curi/DA PRESS
(foto: Leandro Curi/DA PRESS)
Wilson Baptista observa com satisfação o rumor em torno de fotos feitas por diversão, como ele gosta de dizer. A atividade de fotógrafo sempre existiu paralela a outras empregos – nos Correios, na prefeitura, em cartórios de registro civil. E até a outros hobbies – esgrima, tiro olímpico, confecção de objetos em madeira e metal. E é exatamente por isso que ele vê as reverências com alguma surpresa. “Imaginava que já tinha encerrado carreira, que estava na prateleira. E, quando chego à exposição, vejo minhas fotos ganhando relevo que nunca imaginei que tivessem. Trouxe sensação de maravilhamento. Acostumado a vê-las no computador, levei um susto. Fiquei pensando: fui eu mesmo que fiz?”, brinca.

Ao longo do tempo, Wilson construir acervo com cerca de 10 mil imagens. Faz fotos digitais, mas sente falta da “magia da química fotográfica”. Credita as belas fotos a estar no lugar certo, na hora certa, com equipamento fotográfico à mão. A imagem de bonde que caiu do viaduto de Santa Tereza foi feita quando ele trabalhava nos Correios e, por isso, teve de pedir licença ao chefe para ir ao local. Foi fazer foto de um general em visita a Belo Horizonte e, como estava com teleobjetiva, buscou o amolador do outro lado da rua. O jornaleiro lendo jornal estava no meio do caminho, quando foi fazer casamento na Igreja da Boa Viagem. Essas imagens são algumas das que integram a mostra em cartaz na cidade.

A história de Wilson Baptista com a fotografia começa aos 13 anos, quando um parente fez foto dele, “com caixinha preta”. E emprestou a máquina a ele. Vaidoso, recorda, começou a fotografar “com o caixote”. Até tomar coragem – “o dinheiro era sempre muito curto” – de comprar máquina melhor. E foi aprimorando os equipamentos. Na metade dos anos 1940, já tinha uma Contax, “o Rolls Royce das máquinas da época”. Que custou oito salários que recebia na prefeitura, valor pago com o dinheiro recebido por um dos dois únicos trabalhos fotográficos que Wilson Baptista fez profissionalmente: um álbum com imagens de Belo Horizonte, para ser apresentado em encontro de municípios.

Wilson Baptista/EM/DA PRESS
O jornaleiro foi clicado quando o fotógrafo se dirigia a um casamento (foto: Wilson Baptista/EM/DA PRESS)
Os primeiros estímulos para que se dedicasse à fotografia vieram de amigos e conhecidos, admirados com o que ele conseguia. Como José Oswaldo Araújo, chefe de Wilson, na prefeitura, “homem entusiasmado com manifestações artísticas”. Ou o escritor Marques Rebelo, que deu para Wilson coleção de livros de fotografia do pai. Momento especial veio com o primeiro prêmio, na recém-criada seção de fotografia do Salão de Belas Artes, em 1953. E com série que confrontava imagens de Ouro Preto e de Belo Horizonte, em tamanhos maiores do que o usual. “Tinha uma visão diferente da fotografia”, observa. Mais tarde, recebeu três prêmios em concurso de fotografia em Rosário, na Argentina.

“Fui então me entusiasmando com a fotografia”, conta Wilson Baptista. Ele esteve entre os fundadores Fotoclube de Minas Gerais – com José Borges, José Pinheiro Silva e Levi Cunha –, que começou a reunir fotógrafos para trocar experiências, conhecimentos e organizar exposições. Wilson tem livro inédito, ilustrado com fotos, feito para os filhos, sobre a vida como fotógrafo. “Tive vida de muita luta, algumas facilidades, alguns dissabores e muitas alegrias”, conta. Fica feliz com o fato de os oito filhos, além da mulher, Helta Yedda Alves Torres da Silva, fotografarem bem. “Paulo Baptista é fotógrafo com letra maiúscula”, afirma elogiando o filho, professor de fotografia, que também está na exposição Segue-se ver o que quisesse – Fragmentos da vida cotidiana em Minas Gerais.

Memórias de Wilson Baptista


•  Infância
“Nasci de sete meses. Disseram que não ia sobreviver. Minha avó decidiu que sobreviveria. E tomou conta de mim. Passei mais tempo na casa dos avós, em Santa Luzia, do que na de meus pais. Era quintal com 20 metros de frente e 200 de profundidade, e a oficina de carpintaria de meu avô perto. E liberdade total para brincar. Fui criado com rédea curta. Meu avô era linha-dura, como meus pais.”


•  Natureza
“Fui criado perto da natureza e aprendi a gostar da forma das coisas. Meu avô era carpinteiro, tive bom professor de desenho no colégio e desenvolvi vontade de fazer coisas. Tive, mais tarde, influência da Bauhaus, que fazia coisas com alma e simplicidade. Quando ia a uma igreja barroca me sentia oprimido. Sempre preferi a Igreja de Lourdes, pseudogótica, limpa, sem maiores complicações.”


•  Obra
“Nunca me considerei fotógrafo. Fotografar, para mim, era prazer, hobby, divertimento. A maior alegria com a atividade está acontecendo agora, no fim da vida. Estou sendo chamado a aparecer. Achava que o trabalho não valia a pena, que não tinha bala na agulha. Um bom fotógrafo, na minha opinião, domina a técnica, tem senso artístico e olhar de oportunidade. É o que me proponho a fazer.”


•  Momento
“Raramente fiz foto planejada. De modo geral ajo como Cartier Bresson: valorizo o momento. Mexendo com fotografia a gente aprende a enxergar o que, para quem não é fotógrafo, não é nada, mas a gente vê significado naquilo. Valorizo mais a composição, quase sempre geométrica, do que o assunto. E prefiro a luz natural. Acho que expressa mais a realidade da coisa.”


•  Belo Horizonte
“A Belo Horizonte de que gosto é a de 1940 até quase 1970. Era cidade com movimento, mas tranquila. Tinha alegria simples, que não era movida a anfetaminas, a dona de casa que podia sentar à porta de casa e conversar com a vizinha. Quando, num baile, um rapaz se excedia e ficava inconveniente, o diretor pedia que ele se retirasse. E ele saía. Isso acabou.”

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