Em seu novo livro, Julián Fuks faz paralelo entre ficção e realidade

Procura do romance é o trabalho mais recente do autor, que já foi indicado ao prêmio Jabuti por Histórias de literatura e cegueira

por Ricardo Daehn 07/02/2012 16:04

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Fernanda Sucupira / Divulgação
(foto: Fernanda Sucupira / Divulgação)

“Existe uma história?” é a inquietação que se repete em muitas das linhas do livro Procura do romance, escrito pelo paulistano Julián Fuks. Aos 30 anos, o autor, que já esteve cotado para o prêmio Jabuti (com Histórias de literatura e cegueira), explora as voltas em um apartamento (numa providência, projetado em círculo) dadas por um aspirante aos encargos da literatura. Sebastián, emparedado em edifício no qual viveu, por dois anos, na infância, cata no meio da temporada em Buenos Aires o fiapo de criatividade que fez a mestra prever, nele, a “imaginação de escrevedor” de narrativas.

O desejado livro de que se emprenha Sebastián, porém, “não progride”. Num paralelo com a ficção, o autor (filho de argentinos acomodados no Brasil) entrega a “parcial” nacionalidade argentina. E, dado à racionalização, Fuks adota uma vertente metalinguística, do romance “que se volta sobre si mesmo”. A elaboração artística fica patente em Procura do romance. Mais do que isso: passada a imersão pouco cativante da ressaca interior a qual Sebastián se submete, logo nos dois primeiros capítulos, muito da problemática do candidato a escritor reside no exame dele para aquilo que venha a valer a pena contar.

Contra convenções, Julián Fuks — que é mestrando em literatura hispano-americana, na Universidade de São Paulo — pende para expor uma narrativa de work in progress, a partir do registro de um pretenso artista (Sebastián) que forja o atendimento ao próprio senso crítico, em filtro anterior ao da mera satisfação dos leitores. Num recurso lispectoriano, o personagem central — “solitário, mutável e inacabado por necessidade” — alcança uma identificação com um casulo. Páginas adiante, novo encontro com um inseto, mas a fragilidade, incrivelmente, se projeta no homem, comovido pela condição do animal. “No escuro, entreguei-me à dor do outro, me concentrando para dividir sua tristeza, me compadecendo para aliviá-lo de seu fardo”, observa.

A pequenez alheia — como a dos piolhos que colocaram em calamidade a escola do, à época, infante Sebastián — deflagra dolorosas lembranças para o protagonista do antienredo de Procura do romance, que sofre com a situação de uma mãe agonizante. Distanciado da narração, Sebastián é o centro da trama: “Não era sua culpa se agora lhe apareciam piolhos, a mãe estava adoentada, já não lhe dava banho todas as noites, ele tentava, mas não conseguia se lavar como ela o lavava (…)”.

Com ecos do passado, em que “desabitara, por completo, a mãe, tudo na casa que não fosse o próprio quarto”, Sebastián tem pela frente, nos tempos atuais, o descompromisso inerente da geração à qual pertence — “o mundo não mexe com ela e ela não mexe com o mundo”. Daí, certo lucro com a desestabilidade e o sufoco convulsivo enfrentados pelos hermanos. “O desespero do outro lhe dá a esperança de que também sua existência possa ser tocada, interferida, possa se misturar com a dos demais, com o assim chamado destino de la nación”, sublinha a narrativa.

IMPASSE LITERÁRIO

Na prosa que rodeia Sebastián, sobressai o caráter de intenção. O planejamento efusivo da lida com as palavras parece fadado a sucessivos abortos. Como espectador, testemunha, com viço, os “lamentos firmes” das mães da Praça de Maio, as ousadias estéticas impressas por Picasso (numa exposição visitada) e as criações amadoras de um velho pintor vizinho, bem-sucedido no “adeus aos colegas mofinos”, e, aposentado, credenciado a se esbaldar “numa infinitude de papéis, pincéis, panoramas e vultos acrílicos”.

No campo prático, de avolumar as experiências a povoarem o futuro livro, Sebastián empaca. Descrente do aprendizado com as letras, aparenta abatimento, frente a tantas adversidades. Exigente no “rigor crítico” proposto aos leitores, Julián Fuks comparece, para embaralhar ainda mais uma trama urdida por dor e “frases imprevistas”. Abnegado, ao extremo, desde a fase terminal da mãe — “fazia tudo para controlar seus pesares e não complicar ainda mais a vida deles, não sobrepesá-los com suas mesquinhas carências” —, talvez, por natureza, Sebastián tenha crises anteriores ao do desacordo com a escrita, ainda pendentes. Só o expressivo final de Procura do romance para responder se serão sanadas.

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