Diversidade é a marca dos melhores filmes desta década

Profissionais do audiovisual listam longas de destaque nos últimos 10 anos. Entre eles estão Parasita, Bacurau e os mineiros Baronesa e A vizinhança do tigre

Pedro Galvão 14/12/2020 04:00
CJ Entertainment/divulgação
O sul-coreano Parasita, que fez história no Oscar 2020, denuncia o abismo da desigualdade social (foto: CJ Entertainment/divulgação)


O ano termina em meio à angústia causada pela pandemia, encerrando uma década em que o cinema expressou as transformações vivenciadas no Brasil e no mundo. Desde 2011, a indústria cinematográfica mudou, sobretudo com a chegada dos bilionários serviços de streaming, que reconfiguraram o mercado exibidor. Olhares por trás das câmeras se tornaram  diversos e atentos às injustiças sociais. Nos últimos 10 anos, o cinema se abriu a mais idiomas, cores e perspectivas. Nesse contexto, o Brasil obteve indicações e premiações nos principais eventos do mundo, como o Oscar e o Festival de Cannes, por exemplo. A pedido do Estado de Minas, profissionais ligados ao setor listaram os 10 melhores filmes da década – um deles preferiu ampliar a seleção.  As escolhas refletem a força do audiovisual brasileiro.

Ventura/divulgação
O mineiro Baronesa aborda o universo feminino nas periferias brasileiras (foto: Ventura/divulgação)
 

O menino e o mundo, indicado ao Oscar de Melhor Longa em animação, em 2016, aparece em mais de uma lista. Este filme marcou a volta do Brasil à premiação  hollywoodiana depois de 12 anos, hiato desde as indicações de Cidade de Deus, em 2004. O documentário Democracia em vertigem, que representou o país na edição do Oscar de 2020, também foi lembrado. Bacurau, premiado pelo júri do Festival de Cannes em 2019, compareceu mais de uma vez. Assim como A vida invisível, que levou o prêmio Un Certain Regard neste festival francês. Ano passado, a Palma de Ouro de Cannes foi para o sul-coreano Parasita, também o grande vencedor do Oscar 2020, com quatro estatuetas.

Victor Jucá/divulgação
Premiado no Festival de Cannes, Bacurau chamou a atenção do mundo ao usar elementos do terror e do western (foto: Victor Jucá/divulgação)
 

Com seu olhar agudo sobre a desigualdade social, este longa está presente nas listas, assim como o suspense Corra!, de temática antirracista. O cinema documental é destacado, caso de Martírio, sobre a violência sofrida pela etnia guarani-kaiowá, e Branco sai, preto fica, que aborda a violência contra a população negra. A seleção contempla o trabalho de cineastas de Minas, que têm chamado a atenção em mostras e festivais no Brasil e no exterior. É o caso de Baronesa e A vizinhança do tigre, vencedores da Mostra de Tiradentes; Arábia e Temporada, destaques no Festival de Brasília; e do curta NoirBLUE – Deslocamentos de uma dança. 

Vitrine Filmes/divulgação
Branco sai, preto fica mescla documentário e ficção científica (foto: Vitrine Filmes/divulgação)
 

»  ANNA KARINA DE CARVALHO
Diretora do BIFF – Brasilia International Film Festival

. Relatos selvagens (Argentina, 2014) 
De Damián Szifron

“Meu primeiro lugar fica para Relatos selvagens. Fui exibidora, tive salas do Cine Cultura em Brasília durante sete anos. Em 2014, ele foi lançado e ficou em cartaz até o fim de 2015. Foi o recorde de público da sala e momento histórico no Cine Cultura, por ser a última película antes da transição para o digital. Tem valor sentimental, mas é uma obra-prima, em vários episódios, que relata a realidade crua e imprevisível em que personagens estão colocados. Um filme que não esquecerei na minha vida. Para mim, ele é o melhor da década.”

. Parasita (Coreia do Sul, 2019) 
De Bong Joon-ho
. O clã (Argentina, 2015) 
De Pablo Trapero
. A separação (Irã, 2011) 
De Asghar Farhadi
. Meia-noite em Paris (EUA, 2011) 
De Woody Allen
. Eu, Daniel Blake (Reino Unido, 2016) 
De Ken Loach
. Mulher Maravilha (EUA, 2017) 
De Patty Jenkins
. Infiltrado na Klan (EUA, 2018) 
De Spike Lee
. Intocáveis (França, 2011)
De Olivier Nakache e Éric Toledano
. A vida invisível (Brasil, 2019) 
Direção: Karim Aïnouz

»  BRUNO HILÁRIO
Gestor e programador do Cine Humberto Mauro e coordenador-geral do
FestCurtasBH

. A vizinhança do tigre (Brasil, 2014) 
De Affonso Uchoa

“A vizinhança do tigre trouxe para o cenário nacional as formas de vida de uma juventude periférica, inquieta, inventiva e sobrevivente de tantas violências do Estado brasileiro. Revelou grandes atores, como o grande Aristides de Souza (Junin) e Wenderson Patrício (Neguin), que, a partir de suas vivências, relatos e performances, são a base fundamental para o trabalho do diretor. Este foi um dos filmes que mais brilharam na tela do Cine Humberto Mauro na década! Até hoje me emociono em lembrar tantas sessões e o impacto que estas narrativas tiveram em nossa audiência, nos relembrando de que o cinema é esse lugar em que se evidencia que algo não está justo em nossa sociedade. O filme nos convoca à ação!”

. O menino e o mundo (Brasil, 2013) 
De Alê Abreu
. Branco sai, preto fica (Brasil, 2015) 
De Adirley Queirós
. Que horas ela volta? (Brasil, 2015) 
De Anna Muylaert
. Baronesa (Brasil, 2017) 
De Juliana Antunes
. Corra! (EUA, 2017) 
De Jordan Peele
. Bacurau (Brasil, 2019) 
De Kleber Mendonça Filho 
e Juliano Dornelles
. Temporada (Brasil, 2018) 
De André Novais Oliveira
. Parasita (Coreia do Sul, 2019) 
De Bong Joon-ho
. Indianara (Brasil, 2019) 
De Marcelo Barbosa e 
Aude Chevalier-Beaumel

»  CARLA ITALIANO
Pesquisadora de cinema, programadora de mostras e festivais, uma das organizadoras do forumdoc.bh

. NoirBLUE – Deslocamentos de uma 
dança (Brasil/França, 2018) 
De Ana Pi
“O número 1 da lista vai para o curta da mineira Ana Pi e sua viagem ancestral rumo ao continente africano, afirmando a potência da dança em reconfigurar espaços e tempos, instituindo outras formas de olhar para o mundo à nossa volta e apostando no cinema como possibilidade de desfazer as voltas feitas à força na árvore do esquecimento.”

. Martírio (Brasil, 2016) 
De Vincent Carelli
. Zama (Argentina, 2017) 
De Lucrecia Martel
. A imagem que falta (Camboja, 2013) 
De Rithy Panh
. No home movie (Bélgica, 2015) 
De Chantal Akerman
. Pariah (EUA, 2011) 
De Dees Rees
. Bicicletas de Nhanderu (Brasil, 2011) 
De Ariel Ortega e Patrícia Ferreira
. A cidade é uma só? (Brasil, 2011) 
De Adirley Queirós
. Retrato de uma jovem em chamas (França, 2019)
De Céline Sciamma
. O cavalo de Turim (Hungria, 2011) 
De Béla Tarr e Ágnes Hranitzky

»  CARLA MAIA
Curadora, pesquisadora e professora de cinema da UNA

“A lista não é classificatória: destaquei filmes que com seus recursos expressivos exercitam a imaginação política e a intervenção no real pelo cinema, de modo a dar visibilidade às lutas que precisam ser travadas no mundo contemporâneo.”

. NoirBLUE – Deslocamentos de uma dança (Brasil/França, 2018) 
De Ana Pi
. Baronesa (Brasil, 2017) 
De Juliana Antunes
. Arábia (Brasil, 2017) 
De João Dumans e Afonso Uchôa
. Martírio (Brasil, 2016) 
De Vincent Carelli
. Bacurau (Brasil, 2019) 
De Kleber Mendonça Filho e 
Juliano Dornelles
. Parasita (Coreia do Sul, 2019) 
De Bong Joo-hoo
. Retrato de uma jovem em chamas (França, 2019) 
De Céline Sciamma
. Lembro mais dos corvos (Brasil, 2019) 
De Gustavo Vinagre
. A cidade é uma só (Brasil, 2011) 
De Adirley Queiroz
. O processo (Brasil, 2018) 
De Maria Augusta Ramos

» GABRIEL MARTINS
Cineasta e um dos fundadores da produtora Filmes de Plástico

. Crazy world (Uganda, 2020) 
De Nabwana I.G.G.

“Crazy world representa um cinema fortalecido na década que dialoga fortemente com a internet, com o formato digital e com várias referências que se cruzam sem pudor. É um filme que nega todos os outros e ao mesmo tempo os abraça. É um cinema do presente, mas também do futuro, e especula sobre um sonho negro. Acho que esse filme não vai aparecer em nenhuma lista e permanece o desejo de lembrá-lo. Não seria o melhor filme da década, pois isso não existe e, portanto, encabeça minha lista completamente afetiva e pessoal. São filmes que ficaram na memória menos por uma perfeição ou impecabilidade, mas pela experiência de assisti-los e no que acho que representam para a minha vida e mesmo carreira profissional. Daqui a um mês, a lista seria provavelmente diferente.”

. Corra! (EUA, 2017) 
De Jordan Peele
. Terra natal: Iraque ano zero
(Iraque e França, 2015)
De Abbas Fahdel
. Um dia na vida (Brasil, 2010) 
De Eduardo Coutinho
. 24 frames (Irã, 2017) 
De Abbas Kiarostami
. Vitalina Varela (Portugal, 2020) 
De Pedro Costa
. Certas mulheres (EUA, 2016) 
De Kelly Reichardt
. Inside Llewyn Davis (EUA, 2013) 
De Irmãos Coen
. Na vertical (França, 2017) 
De Allain Guiraudie
. Ela volta na quinta (Brasil, 2015) 
De André Novais Oliveira

»  JUNIA TORRES
Documentarista e coordenadora 
do forumdoc.bh

. Martírio (Brasil, 2016). 
De Vincent Carelli, Ernesto Carvalho e Tita

“Entre tantos filmes relevantes, a obra mais importante da década, em nossa concepção, é Martírio, de Vincent Carelli, finalizado em 2016. A produção é o resultado de vários anos de relação e de acompanhamento documental do diretor junto aos indígenas das etnias guarani e kaiowa, do Mato Grosso do Sul. O filme é, a um só tempo, resultado de inovações formais na linguagem do documentário, associando material de arquivo, tanto trazendo uma pesquisa de imagens históricas importantíssimas que levam o espectador a conhecer profundamente a trajetória de expulsão da população originária de seus territórios tradicionais quanto traz imagens gravadas pelo próprio diretor em décadas anteriores e muito material contemporâneo, investigativo e extremamente afetuoso.”

. Branco sai, preto fica (Brasil, 2015) 
De Adirley Queirós
. Yamiyhex, as mulheres espírito
(Brasil, 2020) 
De Isael Maxakali e Sueli Maxakali
. A morte branca do feiticeiro negro
(Brasil, 2020) 
De Rodrigo Ribeiro
. Piripkura (Brasil, 2017) 
De Mariana Oliva, Renata 
Terra e Bruno Jorge
. Sertânia (Brasil, 2018) 
De Geraldo Sarno
. Temporada (Brasil, 2018) 
De André Novais Oliveira
. A vizinhança do tigre (Brasil, 2016) 
De Affonso Uchoa
. Baronesa (Brasil, 2017) 
De Juliana Antunes
. Cadê Edson? (Brasil, 2019) 
De Dácia Ibiapina

»  MARCELO MIRANDA
Crítico e pesquisador de cinema

. O cavalo de Turim (Hungria, 2011) 
De Béla Tarr e Ágnes Hranitzky

“A paralisia e a solidão do fim do mundo.
O descolorimento do apocalipse, a apatia do relógio, a lida bruta com a batata. O réquiem musical, o vento e a poeira, o poço como janela do cosmos. Béla Tarr e Ágnes Hranitzky documentam, com exuberância ficcional ultraelaborada, o limite do corpo e da mente, o ciclo interminável do que está para acabar, a crueza do desconhecido. Assistir a O cavalo de Turim é sentir o tempo e o espaço te esmagando.” 

. Cavalo dinheiro (Portugal, 2014) 
De Pedro Costa,
. O outro lado do vento (EUA, 2018) 
De Orson Welles
. Zama (Argentina, 2017) 
De Lucrecia Martel
. A pele que habito (Espanha, 2011) 
De Pedro Almodóvar,
. Parasita (Coreia do Sul, 2019) 
De Bong Joon-ho,
. Corra! (EUA, 2017) 
De Jordan Peele
. Bacurau (Brasil, 2019) 
De Kleber Mendonça Filho 
e Juliano Dornelles
. Adeus à linguagem (França, 2014) 
De Jean-Luc Godard,
. Educação sentimental (Brasil, 2013) 
De Júlio Bressane 

» PEDRO BUTCHER
Jornalista, pesquisador e crítico de cinema

. Não é um filme caseiro (França e Bélgica, 2015) 
De Chantal Akerman

“Como toda lista, essa é profundamente pessoal e o retrato de um instante. Ontem teria outra forma, amanhã seria diferente. Era para ser uma lista de 10, mas ficou com 15 títulos de diferentes durações e formatos – não consigo pensar uma lista diferente no momento. As escolhas recaíram sobre trabalhos que me comoveram e/ou me moveram com diferentes graus de intensidade. Pensando em muitos deles hoje, acredito que, de alguma forma, traziam uma sensação do que estava por vir. De todos esses, Não é um filme caseiro, a despedida de Chantal Akerman, talvez seja o que persiste com mais força na memória. Eu me lembro especificamente do momento em que a realizadora faz uma videochamada para sua mãe, que pergunta: ‘Mas por que me filmar por aqui?’. E Chantal responde algo como: ‘Porque eu queria mostrar como as distâncias acabaram’. Desse mesmo filme, ficou também o som do vento que raspa o microfone das câmeras caseiras, um elemento sonoro explorado por outro realizador fundamental, Jean-Luc Godard, que ficou de fora desse instantâneo. Então, de alguma forma, Não é um filme caseiro traz um pouco de Godard para essa lista também.”

. Um alguém apaixonado (França e Japão, 2012) De Abbas Kiarostami
. Bacurau (Brasil, 2019)
De Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
. Certo agora, errado antes (Coreia do Sul, 2015)
De Hong Sang-soo
. Corra! (EUA, 2017) 
De Jordan Peele
. Ears, nose and throat (EUA, 2016) 
De Kevin Jerome Everson
. High life (França, 2018) 
De Claire Denis
. Terra natal: Iraque ano zero
(Iraque e França, 2015) 
De Abbas Fahdel
. O lobo de Wall Street (EUA, 2013) 
De Martin Scorsese
. A morte branca do feiticeiro 
negro (Brasil, 2020) 
De Rodrigo Ribeiro
. Mundo incrível remix (Brasil, 2014) 
De Gabriel Martins
. Nova Dubai (Brasil, 2014) 
De Gustavo Vinagre
. O que se move (Brasil, 2012) 
De Caetano Gotardo
. Os sonâmbulos (Brasil, 2018) 
De Tiago Mata Machado
. É o fim, direção (EUA, 2013)
 De Evan Goldberg e Seth Rogen

» RAQUEL HALLAK
Realizadora da Mostra de Cinema de Tiradentes, da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto e da Mostra CineBH

. Branco sai, preto fica (Brasil, 2015) 
De Adirley Queirós
“Uma história contemporânea. Um filme extraordinário.
Um diretor de destaque em seu processo de criação. Coloca a Ceilândia negra em ação de revanche com a branca Brasília.
O diferencial do filme também está no formato, que mistura ficção científica com documentário. É um dos raros filmes que propõem reação extrema à situação de desconforto. 
A originalidade da obra conecta o espectador com a realidade violenta e injusta do país, pautada no preconceito.”

. O menino e o mundo (Brasil, 2013) 
De Alê Abreu
. A vizinhança do tigre (Brasil, 2016) 
De Affonso Uchoa
. Ela volta na quinta (Brasil, 2014) 
De André Novais Oliveira
. A vida invisível (Brasil, 2019) 
De Karim Aïnouz
. Bacurau (Brasil, 2019) 
De Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
. Democracia em vertigem (Brasil, 2019) 
De Petra Costa
. Até o fim (Brasil, 2019)
 De Ary Rosa e Glenda Nicácio
. Pacarrete (Brasil, 2019) 
De Allan Deberton
. Cabeça de nêgo (Brasil, 2020) 
De Déo Cardoso

» RODRIGO TEIXEIRA
Produtor e proprietário da RT Features

. Mad Max: Estrada da fúria (EUA, 2015) 
De George Miller
“Uma ópera futurista. Um desfile maluco da violência e de um futuro da condição humana. Achei incrível.”

. Parasita (Coreia do Sul, 2019) 
De Bong Joon-ho
. O lobo de Wall Street (EUA, 2013) 
De Martin Scorsese
. Me chame pelo seu nome (EUA/Itália/Brasil, 2018) De Luca Guadagnino
. Shame (Reino Unido, 2011) 
De Steve McQueen
. Foxcatcher (EUA, 2014) 
De Bennett Miller
. Mank (EUA, 2020)
 De David Fincher
. Grande Hotel Budapeste (Alemanha/EUA, 2014) 
De Wes Anderson
. Trama fantasma (EUA, 2017) 
De Paul Thomas Anderson
. Roma (México, 2018) 
De Alfonso Cuarón

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