Aposta da Netflix para o Oscar, 'Mank' é o raio-x de Hollywood

Estrelado por Gary Oldman, filme faz do clássico Cidadão Kane a metáfora do jogo de poder que move a indústria do cinema nos EUA

Estado de Minas 13/12/2020 04:00
Netflix/divulgação
Gary Oldman é Herman J. Mankiewicz, roteirista que brigou com Orson Welles pela autoria de Cidadão Kane (foto: Netflix/divulgação)

Aposta da Netflix para a temporada de premiações que se aproxima com o início de 2021, Mank chegou à plataforma de streaming em 19 de novembro. Desde então, o filme dirigido por David Fincher tem chamado a atenção não só pela reconstrução de época – a produção se passa na década de 1930 –, mas também pelo enredo, que remonta a um dos maiores clássicos do cinema.

Porém, Mank não pode ser definido simplesmente como um filme sobre a controversa criação de Cidadão Kane (1941), dirigido por Orson Welles. O longa de 131 minutos aborda também a política em Hollywood e como diversos jogos de poder ajudaram a forjar a indústria cinematográfica norte-americana em suas primeiras décadas.

INTERESSE

Para isso, conta a história do roteirista Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman) – o Mank do título –, que percebe o quanto a sétima arte foi pervertida por pessoas poderosas que a usam por interesse próprio. Ele decide se vingar ao fazer um longa inspirado em William Randolph Hearst (Charles Dance), o poderoso magnata da mídia.

Mank lida com a questão sobre quem é o verdadeiro responsável pelo filme: Mankiewicz ou Orson Welles, personagem interpretado por Tom Burke? Oficialmente, o primeiro é creditado como corroteirista, enquanto o outro é corroteirista, diretor, produtor e ator.

Como já deixa claro o título, o filme tende para o lado de Mank. Na verdade, ninguém questiona o envolvimento do roteirista na obra, mas o quanto da genialidade do filme é fruto da mente de Mankiewicz. Uma cena põe uma espécie de “ponto final” nesta questão. Nela, o roteirista diz que a mágica do filme é a combinação do que ele escreveu com o que Welles fez a partir disso.

Entre as décadas de 1920 e 1930, Herman J. Mankiewicz era um dos roteiristas mais benquistos de Hollywood. Quando a indústria cinematográfica iniciou a transição do filme mudo para o filme falado, ele se estabeleceu como um dos profissionais mais procurados pelos estúdios.

No auge da carreira, Mank conheceu Charles Lederer, integrante do seleto grupo de produtores da indústria do cinema. Por intermédio dele, o roteirista estabeleceu relações próximas com a atriz Marion Davies (no filme de Fincher, vivida por Amanda Seyfried) e Hearst.

Nos jantares e festas que passou a frequentar em Hollywood, Mank se tornou amigo de Orson Welles. Depois disso, os dois rapidamente começaram a planejar a história que deu origem a Cidadão Kane.

Como o filme da Netflix mostra, o período entre a conclusão do roteiro e a estreia do longa, que chegou aos cinemas em 1941, foi marcado por conflitos criativos entre as duas mentes por trás da obra.

A princípio, Mank concordou em não receber os créditos pelo filme. Com o passar do tempo, mudou de ideia, insistiu para que seu nome fosse associado ao projeto. Por fim, Welles atendeu ao pedido e creditou o roteirista pela trama do longa.

Em 1942, Cidadão Kane foi indicado a nove categorias do Oscar, vencendo como Melhor roteiro. Apesar do sucesso, a experiência azedou o relacionamento de Mankiewicz e Welles – os dois nunca mais voltaram a trabalhar juntos.

Considerando o histórico de David Fincher, Mank pode ter trajetória de sucesso na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em 2021. O diretor norte-americano, de 58 anos, foi indicado duas vezes ao principal prêmio do Oscar, por O curioso caso de Benjamin Button (2009) e A rede social (2011).

Ainda que a carreira do cineasta seja marcada por sucessos como Garota exemplar (2015), Millennium – Os homens que não amavam as mulheres (2011), Zodíaco (2007) e Clube da luta (1999), esses elogiados longas nunca passaram de indicados à estatueta dourada.

RKO Pictures
Orson Welles dirigiu e estrelou Cidadão Kane, clássico do cinema (foto: RKO Pictures)

TRUNFO

Com Mank, Fincher tem o trunfo de apresentar um filme sobre Hollywood, contando a história de uma das produções mais importantes da história do cinema. Ainda que não seja um longa repleto dos maneirismos que o diretor já provou ter, Mank é zona segura para quem almeja colocar um Oscar na estante.

Isso também revela o quanto a Netflix está empenhada em conquistar a estatueta de Melhor filme. Depois de bater na trave com Roma (2018), de Alfonso Cuarón, e fracassar com O irlandês (2019), de Martin Scorsese, e História de um casamento (2019), de Noah Baumbach, pode ser que em 2021 esta história mude.

MANK
l Direção: David Fincher
l Com Gary Oldman, Charles Dance, Amanda Seyfried e Tom Burke
l Em cartaz na Netflix


QUEM É QUEM


HERMAN J. MANKIEWICZ

O roteirista Herman J. Mankiewicz, em parceria com Orson Welles, escreveu o roteiro de Cidadão Kane (1941). Apesar de ter participado da produção de vários filmes da Era de Ouro de Hollywood, não recebeu o devido crédito por esses trabalhos, como no  caso de O mágico de Oz (1939), de Victor Fleming, e Os homens preferem as louras (1953), de Howard Hawks. Nascido em 1897, em Nova York, onde atuou como jornalista e crítico de teatro, Mankiewicz era descrito como um alcoólatra autodestrutivo. Morreu aos 55 anos, em 1953. Gary Oldman faz o papel do roteirista em Mank.


ORSON WELLES

Um dos nomes mais influentes da história do cinema, Orson Welles ficou conhecido ao narrar, no rádio, a história de Guerra dos mundos (1898), de H. G. Wells, provocando uma onda de pânico entre aqueles que acreditavam ouvir um boletim informativo. Depois disso, chamou a atenção com o clássico Cidadão Kane, um dos filmes mais importantes do século 20. Sempre destacado por sua forte independência, deixou muitos projetos inacabados antes de morrer, em 1985. Um deles é O outro lado do vento, lançado pela Netflix em 2018. Tom Burke interpreta Orson Welles em Mank.


WILLIAM RANDOLPH HEARST

Empresário americano do ramo de editoras, William Randolph Hearst criou poderosa rede de jornais – entre eles, o The San Francisco Examiner e o The New York Journal. Na década de 1920, construiu o enorme Castelo Hearst, onde morava com Marion Davies, sua amante. Antes da Grande Depressão, em 1929, que o fez perder o controle e admirar o nazismo, tinha pouco menos de 50 títulos na imprensa, estações de rádio e empresas de cinema. Sua história foi a inspiração de Herman J. Mankiewicz para criar o personagem de Charles Foster Kane em Cidadão Kane. Morreu em 1951, aos 88 anos. Charles Dance interpreta Hearst em Mank.


MARION DAVIES

A atriz americana Marion Davies  foi amante, por 30 anos, do magnata da imprensa William Randolph Hearst. O encontro dela com Mankiewicz foi fundamental para ele escrever o roteiro do filme de Orson Welles. Muito promovida nos jornais de Hearst, Davies foi a estrela número um de bilheteria nos Estados Unidos durante a década de 1920. Após a Grande Depressão, sua carreira decaiu e ela se dedicou à caridade, enquanto lutava contra o alcoolismo. Morreu com 64 anos, em 1961. Em Mank, Amanda Seyfried faz o papel de Marion Davies.


LOUIS B. MAYER

Louis B. Mayer foi o produtor de cinema que, em 1924, uniu a Goldwyn Pictures Corporation à Metro Pictures Corporation, criando a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Até a Segunda Guerra Mundial, o estúdio era um dos mais rentáveis de Hollywood. Considerado um dos grandes magnatas do cinema norte-americano, era figura respeitada e temida. Entre seus feitos está a descoberta de Judy Garland (1922-1969) e Shirley Temple (1928-2014), entre outras estrelas. Morreu em 1957, de leucemia. Arliss Howard é Louis B. Mayer em Mank.


JOSEPH L. MANKIEWICZ 

Irmão de Herman J. Mankiewicz, Joseph era diretor, roteirista e produtor de cinema. Apesar da curta filmografia, teve alguns sucessos importantes, como Fúria (1936), Júlio César (1953) e Cleópatra (1963). Trabalhou para os estúdios MGM e Fox ao lado de grandes nomes das telas, como Marlon Brando. Vencedor de dois prêmios Oscar, faleceu em 1993. A Calçada da Fama exibe uma estrela com o nome dele. Tom Pelphrey é Joseph Mankiewicz em Mank.


IRVING G. THALBERG

Irving Thalberg começou sua trajetória como produtor na Universal Pictures e foi notado pelo fundador do estúdio. Sua carreira mudou quando se juntou a Louis B. Mayer e passou a integrar a Metro-Goldwyn-Mayer. O sucesso e o poder fizeram com que ajudasse a criar a imagem de estrelas como Greta Garbo (1905-1990) e Norma Shearer (1902-1983), com quem se casou. Com saúde frágil, foi substituído  no cargo que desempenhava no estúdio e morreu de pneumonia aos 37 anos, em 1936. 
Ferdinand Kingsley faz o papel de Thalberg em Mank.

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