Filme de diretora mineira sobre maconha no Uruguai é tema de debate

'Xeque-Mate', de Bruna Piantino, está em cartaz na Mostra de SP, que promove discussão sobre o uso medicinal da erva 

Pedro Galvão 30/10/2020 04:00
Bruna Piantino/Divulgação
Cena de Xeque-mate, documentário da mineira Bruna Piantino sobre a legalização do comércio de maconha no Uruguai. Filme está em cartaz na Mostra de SP (foto: Bruna Piantino/Divulgação)

Desde 2013, a produção, a venda e o consumo da Cannabis sativa e seus derivados são legais e regulamentados pelo governo no Uruguai. O pioneirismo do país platino na América Latina – já visto em outras questões sociais históricas, como o voto feminino –, desperta olhares curiosos nos países vizinhos, onde o enfrentamento policial às drogas gera graves consequências há décadas. 

Atraída pelo assunto, a cineasta mineira Bruna Piantino aproveitou sua estada em Montevidéu no ano passado para filmar o documentário Xeque-mate, que procura abordar a complexidade da nova legislação relacionada à maconha, traçando um comparativo com um jogo de xadrez.

O filme estreou na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na competição Novos Diretores, e pode ser visto na plataforma do evento, realizado em formato virtual neste mês de outubro.

“Há muita complexidade na implantação de uma lei desse tipo. Primeiro, por causa da opinião pública, da forma que uma sociedade se comporta. Depois, pelas lideranças, por como um governo pode proporcionar esse tipo de abertura e usar isso estrategicamente, amparado por aspectos científicos e sociológicos. O Uruguai deu um ‘xeque-mate’ na América Latina e no mundo ao mostrar que isso pode ser feito em muitos países. É uma discussão que vem desde os anos 2000. No Brasil, por exemplo, estamos 20 anos atrasados”, diz a diretora, estreante em documentários, depois de lançar os curtas ficcionais 44 e Moths anteriormente. 

Xeque-mate nasceu em uma oficina de realização audiovisual da qual Bruna Piantino participou na capital uruguaia. Inicialmente, também seria um curta-metragem, mas o volume de informações resultou em um filme de pouco mais de uma hora de duração. 

A diretora fez entrevistas com diversas pessoas envolvidas na criação da nova legislação, com produtores e outros envolvidos com a indústria canábica. O filme também aborda a relação milenar da humanidade com a planta e suas possibilidades medicinais, recreativas e também as proibições e restrições ao seu consumo. 

EFEITOS

"A ideia é contar como essa regulamentação foi implantada, quais os efeitos para a população, as dificuldades, e como isso aconteceu, para usar o Uruguai como um estudo de caso", diz Piantino.

Figuras estratégicas como Edu- ardo Blasina, investidor canábico e diretor do Museo del Cannabis Montevideo; Christian Scaffo, diretor do clube canábico Golden Leaf; Julio Calzada, ex-diretor da Junta Nacional de Drogas; Martín Rodriguez, diretor-executivo IRCCA (Instituto de Regulación y Control de Cannabis); além de profissionais da medicina, ciências sociais, agricultura e farmacêutica oferecem seu ponto de vista. No entendimento da cineasta, eles são agentes que atuaram no processo da regulamentação do consumo da droga em seu país como peças de um jogo de xadrez. 

“Além de gostar de jogos e preferir um formato de documentário que não seja muito fixado numa realidade, pensei que o xadrez teria uma grande relação com esse universo da Cannabis e das drogas em geral. O tabuleiro representa bem esse simulacro de uma guerra, com jogos de poder implícitos. No xadrez, o mais importante é o que você não vê; os interesses por trás de cada movimento. O mesmo acontece com as forças no tabuleiro geopolítico relacionado às drogas”, argumenta Bruna Piantino.

Dos depoimentos que ouviu, surgem aspectos como as dificuldades no cultivo da planta, as relações empresariais, o controle do governo uruguaio sobre os preços, o viés ligado ao canabidiol e outros medicamentos e ainda críticas que ativistas da cultura canábica têm sobre a legislação do país, considerada elitista e ineficaz contra o narcotráfico por alguns.

A variedade de perspectivas também jogou luz em questões até então desconhecidas pela diretora. “Existe muita desinformação, mesmo com milhares de ONGs, empresas, mães e crianças que sofrem de dor crônica e conseguiram uma cura (com o uso do canabidiol). São muitas conquistas, mas o que falta, às vezes, é mais atenção da mídia.”

Ela cita a mudança da opinião pública uruguaia em relação ao tema. “Assim como outros casos ligados à liberdade individual, o projeto surgiu no Parlamento, com a população inicialmente contra em sua maioria. Mas depois houve uma mudança. Hoje é algo naturalizado no país.” Sobre um eventual paralelo com a situação brasileira, ela diz: “São países muito diferentes, incomparáveis em dimensão, em mentalidade e em governança”.


DEBATE ABERTO

A Mostra de SP promove nesta sexta-feira (30), às 18h, o debate “A maconha e seu uso medicinal”, com a participação de Bruna Piantino, do cineasta Beto Brant, diretor de La planta, e da médica Carolina Nocetti. A transmissão será pelo canal da Mostra no YouTube (www.youtube.com/user/mostrasp/videos). Já o filme Xeque-mate pode ser assistido na plataforma de exibição do evento (www.44.mostra.org/filmes/xeque-mate) até o próximo dia 4. O ingresso custa R$ 6.

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