'Tenet' estreia em salas de vários países e divide a crítica

Filme de Christopher Nolan é estrelado por John David Washington e Robert Pattinson. The New York Times aponta qualidades e ressalvas

Pedro Galvão 26/08/2020 08:09
Warner Bros./divulgação
John David Washington e Robert Pattinson protagonizam a trama que mostra o mundo à beira da destruição (foto: Warner Bros./divulgação)
Depois de longos meses, as salas de cinema de 70 países voltarão a ter uma grande estreia nesta semana. A responsável pelo reencontro entre o público e a telona é a ficção Tenet, do inglês Christopher Nolan.

Estrelado por John David Washington e Robert Pattinson, o novo longa do diretor da trilogia Batman: O cavaleiro das trevas e de Dunkirk figurava na lista dos mais aguardados do ano, mesmo antes da pandemia. Contudo, as primeiras impressões da crítica internacional esfriaram um pouco a euforia com a reabertura do circuito comercial.

O título, que em inglês quer dizer “Princípio”, ainda guarda outro significado. O palíndromo, palavra que pode ser lida da mesma forma de trás para a frente, remete à ideia de ir e voltar no tempo. Nesse contexto ficcional, John David Washington é O Protagonista (chamado exatamente assim), que viaja pelo tempo na função de agente secreto com a missão de evitar a Terceira Guerra Mundial e a consequente destruição planetária.

Temáticas envolvendo possibilidades mirabolantes do uso do tempo e do espaço são comuns na filmografia de Nolan. Roteirista e diretor também de A origem (2010) e Interestelar (2014).

Com orçamento robusto, estimado em US$ 200 milhões, e a lacuna de grandes lançamentos no mercado, a expectativa resultou em opiniões divididas. O portal Metacritic, que mensura avaliações da imprensa internacional, aponta que até agora o filme tem 70% de aprovação, em média.

RESSALVA 

O jornal americano The New York Times apontou qualidades na nova aposta de Nolan, mas fez grandes ressalvas. Depois de elogiar aspectos da filmagem exibida em Imax 70 milímetros, “proporção de aspecto elevada, preferida de Nolan, alinhada com as faces telegênicas de um elenco de superestrelas incipientes, maravilhosamente filmada em vários locais globais e girando em um conceito elástico e flexível”, a crítica Jessica Kiang considerou o filme “inegavelmente divertido”. Mas ponderou: “Sua grandiosidade serve apenas para destacar a fragilidade de sua suposta inteligência”.

Kiang destacou que “isso não seria uma crítica para qualquer outro blockbuster, mas para Nolan é”, afirmando que ele “combina uma engenhosidade visual de cair o queixo com todas as satisfações de um grau médio de Sudoku”. Para ela, “dentro do contexto dessa marca autocriada de entretenimento cerebral, Tenet deslumbra os sentidos, mas não move o coração, uma crítica comum a todos os filmes originais do diretor”.

Para a crítica do NYT, não apenas a “falta de coração” prejudica o diretor inglês. “Nolan imagina tecnologias impossíveis, mas não explora suas implicações mais profundas. Na verdade, tire o truque sobre o tempo, e Tenet se torna uma série de sequências timidamente genéricas: roubos, perseguições de carro, desarmamento de bombas, mais roubos.”

Jessica Kiang apontou o que chama de “a grande mentira” sobre a carreira de Nolan: “Ele faz o tradicional ‘filme de ação voltado para garotos’ mais inteligente e adulto, quando o que realmente faz é enobrecer fixações de adolescentes que muitos de nós, adultos, ainda prezamos, criando vastas paisagens conceituais fervilhantes onde o que os personagens realmente fazem é abrir cofres e explodir coisas. Mas, nossa, como ele explode bem.”

CAOS 

A Variety classificou Tenet como “uma cornucópia concreta de caos global e ameaça, em que a sobrevivência da humanidade depende de uma questão menor de remodelar tempo e espaço”. O longa, de acordo com o crítico Guy Lodge, “é adequado para uma época de ansiedade, mas também é apenas um filme: um grande, impetuosamente bonito e grandiosamente agradável filme, que vai socorrer o público sedento por escapismo em sua escala robusta feita para Imax”.

Lodge afirma que a nova produção de Christopher Nolan “não tem muito a dizer sobre o mundo real em que está entrando, ou, na verdade, sobre o mundo elaboradamente reorganizado e prestes a ser destruído que é mostrado em tela”.

Observando que isso não é algo contra o filme, ele pondera “que Tenet, durante a maior parte de 2020, chegou praticamente como um projeto abstrato, com fãs se debruçando sobre as implicações palindrômicas de seu título e reunindo as poucas informações divulgadas, que alimentaram um quebra-cabeças afastado do próprio filme.”

HERÉTICO 

Na imprensa britânica, os aspectos negativos tiveram ainda mais peso. “Tenet não é um filme pelo qual vale enfrentar a viagem corajosa e tensa para ver na grande tela, não importa o quão seguro seja. Não tenho nem certeza de que, em cinco anos, valerá a pena ficar acordado para ver na TV. Dizer isso é triste, talvez herético. Mas para o público deixar sua sala de estar a longo prazo, é melhor que a primeira experiência não deixe um gosto ruim”, afirma Catherine Shoard, que assina a crítica publicada no The Guardian.

De acordo com ela, o motor do novo longa são as sequências de ação, “uma em particular envolvendo um avião de carga e outra perseguição com vários carros. Elas são boas, precisam ser. Como os olhos mais atentos notaram, Tenet é um palíndromo, o que significa que é possível você ver a mesma cena duas vezes. No entanto, apesar de todos os detalhes sobre cronologia reversa, há pouco que fique na imaginação da mesma forma que em A origem ou Interestelar”.

A jornalista critica a performance de John David Washington, “um artista naturalmente carismático, que está estranhamente mudo e amordaçado”. Assim como outros críticos, Shoard considera a trama confusa. “Há algo irritante sobre um filme que insiste em detalhar sua pseudociência, ao mesmo tempo em que reconhece que você provavelmente não está acompanhando nada. Somos atingidos por uma trama, depois confortados com homilias de panos de prato sobre como o que aconteceu realmente aconteceu”, observa.

A BBC foi menos rigorosa. O crítico Will Gompertz define o longa como “confuso no começo, mas no meio começa a fazer sentido narrativo, a tal ponto que as reviravoltas no final são bem previsíveis – ou talvez seja algum dispositivo de metanarrativa superinteligente que valida o argumento conceitual do filme”.

De acordo com Gompertz, vale a ida ao cinema. “Tenet não vai te deixar mexido, mas sua mente ficará agitada”, observa.


Lançamento provoca polêmica

Depois de três três adiamentos, os estúdios Warner decidiram bancar a data de estreia de Tenet nesta quarta-feira (26) em vários países do Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, algumas cidades receberão o filme na semana que vem. No Brasil, a previsão otimista é 24 de setembro.

O diretor Christopher Nolan defendeu a estreia nas salas de exibição, mesmo com possíveis prejuízos, já que em muitos locais elas vêm operando com capacidade reduzida e a população tem medo de voltar a frequentar espaços dessa natureza.

De acordo com o cineasta, trata-se de uma chance de as redes exibidoras se reerguerem na crise. Tanto Nolan, que revelou à IGC Magazine que este foi o seu filme mais difícil de ser editado, quanto representantes da Warner chamam a atenção para o fato de que a qualidade gráfica da produção demanda a tela grande.

Ainda assim, a volta do público às salas para assistir a grandes lançamentos é um tema delicado. Scott Derrickson, diretor de Doutor Estranho, é contra. “Não vejam Tenet ou qualquer outro filme no cinema. Pronto, falei”, comentou o americano no Twitter. O motivo é a preocupação com a COVID-19, que já matou 177, 5 mil pessoas nos EUA.  

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