Longa 'Rua Guaicurus' tem pré-estreia on-line gratuita com debate

Filme de João Borges sobre a mais antiga zona de prostituição de BH fica disponível até domingo (23). Neste sábado (22), diretor participa de live

Estado de Minas 22/08/2020 10:30
Cine104/divulgação
Com linguagem na fronteira entre o documentário e a ficção, longa teve cenas ensaiadas e também improvisadas (foto: Cine104/divulgação)
Os bastidores da maior e mais antiga zona de prostituição de Belo Horizonte são o tema do filme Rua Guaicurus, um dos títulos selecionados pelo projeto Cine 104 Em Casa. Dirigido por João Borges, o longa, que costura trechos de histórias reais em um roteiro fictício, ficará disponível gratuitamente até as 20h deste domingo (23).

O filme foi concebido após uma residência artística feita pelo diretor nos hotéis de prostituição, em 2016. Dessa experiência resultou uma série de fotografias, tiradas com uma câmera infravermelha, e o projeto do longa, escrito em parceria com a pesquisadora Marina França e o fotógrafo e artista plástico Francilins Castilho.

DESAFIO 

“Durante a pesquisa, foi um grande desafio encontrar pessoas que estivessem dispostas a participar do filme. No início, as mulheres e os clientes não tinham abertura nem para conversar. Então, comecei a passar horas andando pelos corredores dos hotéis, almoçava na Dona Nice, que funciona no último andar do Hotel Stylus, tomava cerveja no Zero Hora e comecei a pagar pelos programas de 15 a 20 minutos, que eu aproveitava para entrevistá-las, me aproximar e conquistar a confiança delas”, conta.

O roteiro narra a história de três mulheres. Uma delas, a mais jovem e inexperiente, acaba de chegar à Rua Guaicurus para iniciar a vida na prostituição. A segunda, mais experiente, recebe, acolhe e dá conselhos à novata. E a última, mais velha, decide voltar para sua cidade de origem, no interior. Duas dessas mulheres não são atrizes, fazem programas na Guaicurus e foram convidadas pelo diretor a participar do filme ao lado da atriz Ariadne Paulino.

Dessa forma, o longa se coloca na fronteira entre documentário e ficção, estratégia de produção mais adequada para lidar com seu baixo orçamento. A partir disso, João concluiu que precisaria envolver atores e não atores em cenas ensaiadas e outras improvisadas. O resultado é um filme híbrido que se passa entre quatro paredes.

“As trabalhadoras do sexo são objetificadas em sua profissão e, nesse sentido, o filme supera este olhar, entrando em seus cotidianos, revelando camadas afetivas que estão para além das relações prostitutivas. Romantizar a prostituição é algo comum e esse olhar pode ser um alento para lidar com um contexto que, no cotidiano, é muito desafiador, permeado por sexo, violência e desamparo social. Essas mulheres são obrigadas a usar um ‘nome de guerra’, por exemplo, e constantemente afirmam que, para ser uma boa profissional, precisam ser um pouco atriz e um pouco psicóloga”, diz ele.

Rua Guaicurus também presta homenagem à rua que lhe dá nome, localizada no Centro de Belo Horizonte e zona de prostituição desde os anos 1950. Atualmente, funcionam mais de 25 hotéis na região, com aproximadamente 3 mil trabalhadoras do sexo.

“O conjunto de prédios antigos, em estilo art déco, é um verdadeiro patrimônio da cidade e se mantém de pé graças à atividade sexual intensa da região. Os restaurantes, os bares, as farmácias, as ONGs, as igrejas, o Cine Caribe: tudo gira em torno da economia local. E isso é invisível aos olhos  de um transeunte desavisado, que, ao passar pelas calçadas da rua, pode não perceber que no segundo andar dos prédios se estende um dos maiores complexos de prostituição do Brasil”, comenta o diretor.

João Borges considera que seu filme, assim como outros trabalhos que têm como inspiração a Rua Guaicurus, desempenha um papel político e social. “Ele supera uma visão estereotipada da prostituição e nos aproxima de forma afetiva daquele universo, ajudando a combater o preconceito que põe aquelas mulheres à margem, gerando um ambiente de grande vulnerabilidade.”

Ainda em contato com amigas que fez durante a residência e a produção do filme, ele conta que a pandemia mantém muitos dos hotéis fechados, o que levou algumas mulheres a voltar para o interior.

“Algumas estão tentando obter renda de outras formas ou se prostituindo fora dos hotéis, o que pode tornar sua condição ainda mais vulnerável. A Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) está realizando ações que buscam arrecadar alimentos e recursos para ajudar as prostitutas a atravessar esse momento de pandemia”, afirma. 

Cine104/divulgação
Trio de protagonistas do filme é formado por uma atriz profissional e duas trabalhadoras da Rua Guaicurus (foto: Cine104/divulgação)

NOVO NORMAL  

Também em virtude da epidemia da COVID-19, Rua Guaicurus, que foi exibido em festivais, teve sua estreia no cinema adiada por tempo indeterminado. “Exibir o filme on-line faz parte desse ‘novo normal’ e é a forma que temos de compartilhar com o público, conversar sobre o tema e buscar na arte uma forma de sobreviver a tempos tão sombrios, onde o cenário de pandemia é agravado por um governo fascista”, diz o diretor.

João Borges participa neste sábado (22), às 19h, de um debate virtual com participação de Jade, do Clã das Lobas, e da atriz Elizabeth Miguel. A conversa será mediada por Carla Italiano e exibida, ao vivo, por meio do canal no YouTube da distribuidora Embaúba Filmes

RUA GUAICURUS

Filme de João Borges

Pré-estreia disponível no projeto Cine 104 Em Casa até domingo (23), às 20h
Mais informações: centoequatro.org/cinema
 
UMA CONVERSA SOBRE O FILME RUA GUAICURUS 

Com João Borges, Elizabeth Miguel, Jade (Clã das Lobas), com mediação de Carla Italiano
Neste sábado (22), às 19h, no canal do YouTube da Embaúba Filmes (youtube.com/embaubafilmes)

MAIS SOBRE CINEMA