Cineasta Lucia Murat defende a liberdade dos índios

Diretora do filme 'A nação que não esperou por Deus' afirma que os povos indígenas têm direito à tecnologia e à universidade. 'Índio não é só arco e flecha', avisa

Fernanda Gomes* 10/06/2020 04:00
vitrine filmes
Cena de A nação que não esperou por Deus, sobre o povo kadiwéu (foto: vitrine filmes)

A chegada da tecnologia à tribo prejudica a cultura dos povos indígenas? Essa é uma das perguntas que o documentário A nação que não esperou por Deus (2015), de Rodrigo Hinrichsen e Lucia Murat, tenta responder.

Integrante da programação do projeto Cine104 em casa, o filme conta a história do povo kadiwéu, que vive na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Ele pode ser conferido gratuitamente, a partir das 12h desta quarta-feira (10), pelo link disponível no Facebook (centoequatro), Instagram (@centoequatrobh) e no site do 104. Ficará disponível por 48 horas.



“Índio não é só arco e flecha. É preconceito achar que ele não pode ter moto e televisão porque isso significa o fim da cultura indígena. O fato de a nova geração ter contato com o homem branco e ir para a universidade não é ruim”, afirma a cineasta Lucia Murat.

Nesta quarta-feira (10), às 19h30, a diretora participa de bate-papo/live no Instagram promovido pelo Cine104 em casa. Lucia conta que, durante muito tempo, a língua nativa do povo kadiwéu ficou perdida. Foi resgatada graças a jovens que a estudaram na universidade. “É muito positivo para a juventude ter esse contato. Os indígenas devem ter autonomia para fazer o que quiserem da vida deles”, defende a diretora.

O primeiro contato de Lucia com o povo kadiwéu ocorreu em 1996, quando ela visitou a aldeia. “Queria subverter a imagem dos indígenas, sempre apresentados com aquela história de colonização pacífica. Queria muito fazer um filme com eles, mas com a contribuição deles.” Esses encontros deram origem ao documentário Brava gente brasileira, lançado em 1999.

“Dali para a frente, nunca perdi o contato com eles. Voltei depois de 10 anos e pensei em fazer um filme sobre a chegada da tecnologia. Os kadiwéu viviam o processo de retomada de parte da terra deles, que havia sido ocupada por fazendeiros. O cacique, que conheci bem jovem, com 15 anos, liderava a retomada”, lembra. Essa história está em A nação que não esperou por Deus.

Durante as filmagens, descobriu-se que autoridades locais haviam permitido que fazendeiros ocupassem ilegalmente parte da reserva, ao contrário da orientação do governo federal. “Hoje, você tem praticamente todos os governos dando abertura total para a extinção de terras e da cultura indígena”, adverte Murat.

De acordo com ela, apesar de tudo, a cultura indígena continua forte. “Um amigo dizia que não existia mais cultura indígena, pois, com a colonização, os portugueses acabaram com tudo. Vista de fora, a comunidade kadiwéu parece pobre. Mas quando você começa a se aproximar, percebe o quanto são ricas a cultura e a história deles”, diz Lucia.

O contato com o povo kadiwéu foi importante para pôr fim a preconceitos da própria cineasta. “Você se depara com outra cabeça. Tínhamos medo de algumas coisas que eles faziam, mas, na verdade, eram gestos extremamentes delicados direcionados para a gente”, conta.

FAZENDA

Lucia Murat passa a quarentena ao lado da família em uma fazenda no interior de São Paulo. “Tenho trabalhado bastante”, diz, revelando que já está finalizado o filme Ana. Sem título, sobre as artes plásticas latino-americanas, rodado em vários países – Cuba, México, Brasil, Argentina e Chile.

A diretora também trabalha no roteiro de O mensageiro, sobre as relações humanas em situações limite, como a ditadura militar. Lucia se diz empenhada em lutar pelo cinema brasileiro, boicotado pelo governo federal. Também defende a Cinemateca Brasileira, ameaçada de extinção.

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

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