'Zombi child' traz novo olhar sobre filmes de zumbi

Dirigido por Bertrand Bonello, longa dispensa sustos fáceis para contar história inspirada em fatos ocorridos no Haiti. Produção francesa está disponível nas plataformas digitais

Mariana Peixoto 30/04/2020 07:35
CALIFÓRNIA FILMES/DIVULGAÇÃO
Louise Labèque e Wislanda Louimat interpretam garotas de um internato às voltas com vodu e mortos-vivos (foto: CALIFÓRNIA FILMES/DIVULGAÇÃO)

Em tempos de coronavírus, quando as produções de zumbis estão na ordem do dia, um filme francês aborda a temática de maneira absolutamente original. Zombi child, dirigido por Bertrand Bonello (de Saint Laurent e O pornógrafo), não é indicado para adeptos dos sustos fáceis e narrativas distópicas.

Disponível nas plataformas de streaming, o longa intercala dois momentos temporais: o Haiti de 1962 e a França da atualidade. Ele parte de uma história real, que nunca foi devidamente esclarecida. Em abril de 1962, o haitiano Clairvius Narcisse chegou a um hospital de seu país reclamando de febre. Morreu pouco depois e foi enterrado como de costume.

Porém, alguns dias mais tarde, o caixão foi violado e um feiticeiro o levou embora, transformando-o em escravo numa plantação de açúcar. Assim como outros colegas, era sustentado por uma bebida misteriosa que o colocava em estado zumbi.

Essa é a história descrita em livros. Com esse mote, Bonello construiu a narrativa que vai e volta no tempo, do Haiti à França. Mélissa (Wislanda Louimat) é uma das novas alunas de um internato de elite, fundado por Napoleão Bonaparte para educar descendentes de homens e mulheres que receberam a Legião de Honra.

Mélissa é uma das poucas negras daquele local. Quieta e fã de uma música original, pouco comum ao universo das colegas, a garota logo suscita o interesse de Fanny (Louise Labèque), que vive com a cabeça no namorado distante.

Fanny quer que Mélissa se junte à sua irmandade. Para tal, deve conseguir aprovação unânime do pequeno grupo, que não demora a se interessar pela haitiana, órfã do terremoto de 2010. A garota só tem uma parente na França: a tia Katy (Katiana Milfort), sacerdotisa de vodu.

Essa narrativa é revelada pouco a pouco na primeira metade da trama. Nas sequências na França e no Haiti, ex-colônia francesa, Bonello vai explorando as diferenças entre os dois países. Na sala de aula, um professor francês explica os pecados do imperialismo e a diferença entre liberdade e liberalismo. Em solo haitiano, escravos zumbis passam fome e não podem parar de trabalhar, a despeito das condições mais do que precárias impostas a eles.

CONEXÃO 

Fanny é fascinada por vodu, mas por razões totalmente egoístas. Mélissa, mesmo distante de sua terra natal, não perde a conexão com os antepassados, mesmo depois de interagir com o mundo pequeno-burguês das colegas.

Na segunda metade do filme, a trama ganha corpo e a morosidade da parte inicial dá lugar a uma sucessão de acontecimentos intensos e fora do comum.

Buscando sair do óbvio, Bonello trata de várias questões em seu novo longa. Escravidão, subserviência, liberdade, hipocrisia, religião, identidade. A costura final do filme traz até um toque otimista. Estranho do início ao fim, Zombi child tem lá seus encantos. E é o filme de zumbis mais real que você vai encontrar.

ZOMBI CHILD
l Direção: Bertand Bonello
l Disponível nas plataformas iTunes, Google Play, YouTube, Vivo Play e Now

MAIS SOBRE CINEMA