Roteirista de 'Contágio' diz que Trump é vilão pior que o coronavírus

Scott Z. Burns revela que seu filme antecipou catástrofe. Para ele, o drama que o mundo vive hoje é 'o primeiro ato' do que ainda vai ocorrer

Pedro Galvão 09/04/2020 04:00
Claudette Barius/divulgação
Filme Contágio foi lançado há nove anos (foto: Claudette Barius/divulgação )

Um vírus parecido com o da gripe, mas de sintomas muito mais acentuados, letal e altamente contagioso, surge na China e logo se espalha pelo mundo, alterando todos os mecanismos socioeconômicos do planeta. Em 2011, quando o longa Contágio foi lançado, a trama assustadora podia ter suas doses de exagero apocalíptico hollywoodiano. Porém, nove anos depois, o filme apavora justamente pela grande similaridade com a realidade trazida pelo novo coronavírus. Responsável por vislumbrar tal história, o roteirista norte-americano Scott Z. Burns revela que as coincidências com a realidade não o surpreendem, mas, sim, “a presença de um vilão além do vírus” nos fatos vistos nas reportagens.

Com elenco formado pelas estrelas Jude Law, Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Kate Winslet, sob direção de Steven Soderbergh, o filme teve a 61ª maior bilheteria do mundo no ano de sua estreia. Porém, agora em 2020, alcança outro nível de popularidade. Também um dos roteiristas de O ultimato Bourne (2007), Burns tem explicado, em  entrevistas à imprensa dos Estados Unidos, como conseguiu conceber a trama que mais parece premonição sobre o drama que testemunhamos atualmente.

Ao jornal The Washington Post, ele contou que tudo surgiu a partir de conversas com o pai, um cientista, sobre “a possibilidade de algo como a gripe aviária saltar para a população humana”. Sua grande curiosidade era a respeito do que ocorreria em um mundo em que as pessoas viajam de avião entre cidades, alguém trabalha uma semana em Londres e outra em Nova York, “e como a maneira como vivemos poderia ser usada por qualquer tipo de vírus para obter um ponto de apoio”.

Quando a ideia foi tomando forma de roteiro, ele perguntou ao epidemiologista Larry Brilliant se o filme proposto estava fora dos limites das possibilidades científicas. O especialista respondeu: “Não é nem questão de saber se haverá outra pandemia, é simplesmente uma questão de quando.”



FRUSTRAÇÃO 

Diante do avanço voraz da doença nos Estados Unidos, onde mais de 13 mil pessoas já morreram em decorrência da COVID-19 – a tendência é que o quadro piore, fazendo do país o mais afetado pela pandemia –, Burns se diz triste e frustrado pela semelhança entre a ficção criada por ele e os fatos. “Eu não tinha bola de cristal. Não inventei o termo isolamento social, apenas tive acesso ao conhecimento científico. Então, se as pessoas acham o filme muito preciso, elas devem ter confiança nos especialistas em saúde pública que estão tentando nos guiar”, afirmou.

Indagado sobre se acrescentaria algo ao roteiro de Contágio com base nos acontecimentos atuais, o roteirista não poupou críticas a Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. “Nunca imaginaria que o filme precisaria de um vilão além do próprio vírus. Parece bastante básico que o enredo seja a humanidade unida contra o vírus. Se fosse escrever o roteiro agora, teria de levar em conta os erros de um presidente desonesto e do partido político que o apoia”, respondeu Burns. “Qualquer bom executivo de estúdio, provavelmente, teria nos dito que esse personagem era inacreditável e tornou o roteiro mais uma comédia sombria do que um thriller.”

O roteirista classificou a política adotada por Trump como “ignorante, equivocada e cheia de informações perigosas”. De acordo com ele, o que o mundo vive hoje é “o primeiro ato” do que que poderá ocorrer. E reforça a necessidade de confiar nos especialistas. “Nunca pensei que cientistas e o pessoal da saúde pública seriam alvos de dúvidas, questionamentos, cortes de financiamentos e até demitidos num momento como este. Nunca teria previsto, até porque a ameaça é muito óbvia”, observou.

Por outro lado, Burns destaca que o filme traz mensagens válidas para estes dias de COVID-19. “Há cenas de bondade humana básica diante do pânico. Essa é uma oportunidade para um país tão dividido quanto o nosso encontrar uma causa comum. O epidemiologista Larry Brilliant me disse que o amor é uma grande parte da sobrevivência nessas situações. Você ama alguém o suficiente para cuidar de si mesmo e respeitar sua vulnerabilidade?”, questiona.




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