Cinemas preveem ficar fechados até julho no Brasil

Setor aguarda socorro de R$ 180 milhões para evitar quebradeira no Brasil e teme que público continue arredio, após o fim da quarentena

Pedro Galvão 09/04/2020 04:00
Galeria Distribuidora/Divulgação
Filme baseado no caso Richthofen foi adiado (foto: Galeria Distribuidora/Divulgação)

“Filmes de Wes Anderson ou Paul Verhoeven em um computador? Descobrir Top gun 2 (Top gun: Maverick) ou Soul (nova animação da Pixar) em qualquer lugar que não seja em uma sala de cinema? Esses filmes foram feitos para passar em uma tela grande. Por que os mostraríamos antes em um aparelho digital?”

Com essa argumentação, em entrevista à revista norte-americana Variety na última terça-feira (7), o diretor do Festival de Cannes, Thierry Fremaux, descartou definitivamente a hipótese de a mostra francesa, regularmente realizada no mês de maio, ter neste 2020 uma edição virtual, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

Essa é também a decisão já tomada pelo Festival de Veneza, que costuma ocorrer em setembro. No polo oposto, a mostra nova-iorquina de Tribeca e o megafestival de cultura texano South By Southwest anunciaram acordos para levar suas programações para a internet, diante da impossibilidade de reunir o público para assistir às suas atrações.

Mais do que alterar ou até mesmo cancelar os maiores e mais glamourosos eventos cinematográficos do mundo, a emergência sanitária mundial tem impacto direto em todos os elos da cadeia cinematográfica, desestabilizando uma indústria que movimenta de modo expressivo a economia.

O Festival de Cannes, até o momento, trabalha com a hipótese de um adiamento, possivelmente para o fim de junho ou começo de julho. Mas está claro que a evolução do quadro na França e nos outros países – que  enviam suas comitivas para a Côte d'Azur a cada ano – pode tornar esse plano inviável.

Veneza mantém sua 77ª edição prevista para setembro, mas compartilha da mesma incerteza. Em 2019, alguns dos filmes mais importantes do ano estrearam nesses festivais, como Parasita, Era uma vez em… Hollywood (Cannes) e Coringa (Veneza).

Neste ano, havia a expectativa de que Cannes fosse a plataforma de lançamento da sequência do blockbuster de 1986, novamente com Tom Cruise encabeçando o elenco, e também da nova aventura animada do estúdio Pixar, desta vez com uma trama sobre as almas – os dois títulos citados por Fremaux.


LANÇAMENTOS

Além dos festivais, diversos lançamentos superaguardados e que envolvem grandes apostas de bilheteria já tiveram seu calendário revisto. A lista inclui, por exemplo, o novo 007 –  Sem tempo para morrer, inicialmente previsto para 4 de abril e reagendado para novembro, e Um lugar silencioso: Parte II, que também já teria entrado em cartaz e aguarda nova data.

A versão em live action de Mulan e o nono filme da série Velozes & furiosos, além da dupla produção nacional A menina que o matou os pais e O menino que matou meus pais, sobre o caso Suzane von Richthofen, também estreariam neste primeiro semestre e estão indefinidamente postergados.

A quarentena e as restrições de aglomerações impactam ainda as filmagens, pré e pós produções em curso. O compasso de espera de estúdios e distribuidoras atinge de forma ainda mais angustiante outra parte essencial da cadeia mercadológica cinematográfica, as empresas exibidoras.

Com as salas fechadas, além de soluções emergenciais para pagamento de funcionários, aluguéis de espaços e demais despesas, fica a preocupação com um futuro incerto em relação à reabertura, com o calendário de estreias totalmente desorganizado.

“Imagine quantos títulos estão adiados e como será o novo calendário. Será um primeiro momento de falta de filmes em cartaz e um seguinte de acúmulo. Além disso, a angústia de não saber quando exatamente será o reinício, já que será posterior ao fim da quarentena”, afirma Adhemar Oliveira, diretor de programação da Arteplex, dedicada a produções artísticas e independentes, que tem hoje 57 salas no Brasil, incluindo o Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, todas fechadas.

Segundo ele, o momento é de muitas conversas com outras partes do setor, mas de poucas certezas em relação à retomada das atividades. “O que tenho falado é para durante o dia pagarmos as contas e à noite pensar e imaginar como faremos nossas programações. Estou até criando mostras imaginárias na minha cabeça”, diz, sem perder o bom humor, apesar da gravidade do cenário.


RECURSOS

Nesse sentido, a Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex) busca recursos para garantir a continuidade das atividades de suas associadas. “O cenário otimista é um horror. O pessimista, um horror ao quadrado”, lamenta o diretor-executivo Caio Silva. “Precisamos agora garantir não só o emprego, como os postos de trabalho, porque, se as empresas fecharem, esses empregos deixam de existir”, ele alerta, destacando também a preocupação com o período posterior à paralisação das atividades.

“Estamos discutindo alternativas com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o BNDES. Teve o pacote trabalhista já lançado pelo governo, que ajuda, mas não segura três ou quatro meses sem operações. Sobretudo porque não sabemos como será a reabertura. É possível que o público tenha receio, por ver as salas como ponto de contágio, além dos grandes lançamentos adiados para a partir de novembro e para o ano que vem”, afirma o executivo.

Por enquanto, o grupo que encampa um total de oito marcas, inclusive as maiores do país, como Cinemark, Cineart e Cinepolis, trabalha com uma perspectiva hipotética de reabertura das salas apenas a partir de 30 de julho.
Para as operações urgentes, Caio Silva revela que há um acordo para aporte emergencial de R$ 180 milhões via BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), oriundos do Fundo Setorial do Audiovisual, para garantir capital de giro às empresas. No entanto, segundo ele, a liberação ainda aguarda a convocação de um comitê gestor, a ser feita pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.

“Falta essa formalidade, mas será a tábua de salvação. São recursos já garantidos para o setor anteriormente. Não vai tirar da saúde nem da educação. Essa é uma indústria que tem uma enorme cadeia, desde a produção e distribuição, que desemboca na exibição.”

Em relação à montagem de uma grade de programação quando houver condições de funcionamento, ele diz que “há conversas com distribuidoras e pode ser uma boa oportunidade para o cinema nacional apresentar produtos”.


ALTERNATIVA

Fora da associação, exibidores independentes buscam um caminho alternativo. É o caso da Cine Petra Belas Artes, de São Paulo, cujo proprietário, André Sturm, atua também na distribuição, com o selo Pandora Filmes.

No fim do ano passado, o cinema lançou uma plataforma própria de streaming, colocada em modo de degustação gratuita na quarentena, somando até aqui 40 mil usuários, mas ainda não convertidos em assinantes. “É o lado bom da coisa ruim”, diz Sturm.

Apesar da saída pelo streaming, as dificuldades são sentidas pelo tradicional cinema de rua paulistano, que conta com financiamento coletivo para quitar a folha de funcionários na quarentena. “O prejuízo dessas semanas fechadas é irrecuperável, mas fica a preocupação com os trabalhadores. Temos 60 funcionários. Não queremos demitir ninguém”, diz Sturm, que também teme pela falta de oferta de filmes pelas distribuidoras.

“As distribuidoras também passam por um momento difícil. Tirando as majors do mercado, como Columbia e Warner, as menores podem não conseguir se manter e, com isso, alguns filmes nunca chegarem às salas. É possível que tenhamos que reabrir o cinema sem lançamentos, mas espero que, após a quarentena, as pessoas queiram se encontrar e sair de casa, inclusive ir para o cinema”, diz.

Preocupado com a possibilidade de desaparecimento de salas, Sturm afirma: “As salas de cinema são patrimônios das cidades,  independentemente de serem negócios. Elas oferecem acesso à cultura, convívio, entretenimento, integração, tudo isso é fundamental. Perder um cinema é muito grave”.

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