Depois do Oscar, 'Parasita' conquista as salas de cinema no Brasil

Longa de Bong Joon-ho multiplica sua presença no circuito de exibição e coloca a cinematografia da Coreia do Sul no radar dos frequentadores de cinema

Mariana Peixoto 13/02/2020 06:00
Zeta Filmes/Divulgação
A atriz Kim Minhee no filme Na praia à noite sozinha, de Hong Sang-soo. Com seu novo filme, diretor representa a Coreia do Sul na disputa pelo Urso de Ouro em Berlim (foto: Zeta Filmes/Divulgação )
A partir desta quinta-feira (13), Parasita passa a ser exibido em 247 salas de cinema no Brasil. A consagração do longa-metragem sul-coreano no Oscar, no último domingo (9), do qual saiu como o maior vencedor (quatro estatuetas), incluindo a de melhor filme, aumentou em quatro vezes o circuito de exibição do filme de Bong Joon-ho, que foi lançado no país em apenas 60 salas. Em Belo Horizonte, Parasita estreou em 7 de novembro passado, ocupando apenas dois horários de uma única sala no Cine Belas Artes. Agora, passa a ter 17 sessões diárias, em seis salas.
Em sua vitoriosa trajetória desde a unânime Palma de Ouro, em Cannes, em maio de 2019, Parasita vem lançando luzes não somente na produção de Joon-ho, como também na cinematografia sul-coreana. Títulos de diretores identificados com o chamado cinema de autor, como Hong Sang-soo (considerado o Woody Allen daquele país), Lee Chan-dong (diretor de Em chamas, de 2018, um dos grandes filmes recentes da Coreia do Sul) e Park Chan-wook (de Oldboy, de 2003, até então o mais internacional dos realizadores sul-coreanos), vêm sendo destacados em mostras.

“Parasita não é, de forma alguma, um filme isolado, uma produção ‘perdida’ que vem da Coreia do Sul. Ele é parte de uma verdadeira indústria – da ‘Hallyuwood’ – que tem produzido muita coisa, e que é recorrente em premiações”, comenta o crítico e cineasta Leonardo Ferreira, que fez a curadoria da mostra K-Movies, exibida em dezembro passado no Cineclube Vila das Artes, em Fortaleza.


Hallyu é a chamada onda coreana, termo cunhado em 1999, que se refere a um “movimento de expansão cultural, incluindo arquitetura, música, produtos tecnológicos, moda, TV etc., além de influência política (o chamado soft power, poder através da cultura)”, diz Ferreira.

De acordo com ele, um marco foi o lançamento do filme Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros (1993, de Steven Spielberg). “O filme norte-americano dominou as salas de exibição da Coreia do Sul de tal forma que acabou dando um impulso para a criação de políticas de incentivo e cotas para produções nacionais.”

REPERCUSSÃO 

Radicado há seis anos em Seul, onde é doutorando em cultura visual pela Universidade da Coreia, o jornalista baiano Tiago Canario afirma que a produção cinematográfica coreana é muito forte, tanto em filmes comerciais quanto no circuito de arte. “Ação, comédia, romance, ficção científica, são sempre muitos filmes coreanos em cartaz, num cenário um pouco diferente do Brasil”, diz ele, comentando que os coreanos ficaram impressionados com a repercussão internacional de Parasita.

“Ninguém botava fé em que Parasita levaria os maiores prêmios do Oscar (diretor e filme). As pessoas gostaram muito do filme, tanto pela qualidade técnica quanto pela discussão. O grande tema é a desigualdade, que os coreanos veem de modo mais intenso por conhecer bem sua sociedade. Para as audiências internacionais é que este tópico foi uma novidade”, afirma Canario. Parasita, por sinal, continua em cartaz em seu país – na Coreia do Sul, o longa estreou no final de maio do ano passado.

O crítico Cássio Starling Carlos (Folha de S.Paulo) vê com algum ceticismo a perspectiva de o fenômeno Parasita trazer novos adeptos da produção sul-coreana para além do público que frequenta o circuito de arte. “É um fenômeno típico de Oscar. Neste momento, o circuito (de exibição) já se expandiu, foi para além do circuito cinéfilo, já que o Oscar cria uma curiosidade. Agora, acho que vai se ater a Parasita. Daqui a duas semanas,  voltaremos à nossa tradicional forma residual de assistir ao cinema autoral”, opina.

Mesmo que seja restrito a este momento, não há como negar que o sucesso de Joon-ho tem levado o público a buscar outros filmes. Teve início na terça (11), no Centro Cultural São Paulo, a mostra Made in Korea, com 19 títulos da produção contemporânea. “Todos eles haviam sido exibidos no Brasil, mas ninguém havia visto, já que não havia um elemento catalisador”, aponta Starling Carlos. As primeiras sessões da mostra estavam esgotadas.

Da seleção da mostra paulistana, o crítico destaca a produção de Park Chan-wook. “Oldboy foi um fenômeno em 2003, teve uma versão americana (10 anos mais tarde, com direção de Spike Lee). Naquele momento, o Park Chan-wook liderou uma visibilidade da produção sul-coreana no mercado brasileiro.” Um título do cineasta que chegou ao circuito comercial nacional foi A criada (2016), eleito pelo Bafta (o Oscar britânico) melhor filme de língua não inglesa.

Pandora Filmes/Divulgação
O chefe do clã Kim (Song Kang-ho) inspeciona a %u201Cpedra da riqueza%u201D em Parasita (foto: Pandora Filmes/Divulgação)


IMPECÁVEL 

Para Starling Carlos, o grande cineasta da Coreia do Sul da atualidade é Lee Chan-dong, cujo filme mais recente é Em chamas (2018). “Sua obra é muito curta, tem sete longas, mas é impecável. Seu primeiro O oásis (2002), dialoga com a cisão das Coreias do Norte e do Sul. É um grande cineasta, o Glauber deles. Já foi ministro da Cultura, mas está oculto das massas, pois seu perfil está um pouco à parte do cinema comercial.”

Já Hong Sang-soo, cuja filmografia foi tema de mostra no Sesc Palladium, em BH, de 17 de janeiro ao último dia 2, é, na opinião do crítico, um misto de Woody Allen e Eric Rohmer. “É um fenômeno de festivais, mas você começa a ver um, dois, três, quatro filmes dele e achar que é sempre o mesmo.” A distribuidora Zeta Filmes já lançou dois títulos de Sang-soo no Brasil, o mais recente deles é Na praia à noite sozinha (2017). Seu novo longa, Domangchin yeoja, foi selecionado para a disputa pelo Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, que começa no próximo dia 20 – na história, uma mulher, cujo marido está em uma viagem de negócios, se encontra com três amigos nos arredores de Seul.

“Ele tem uma receptividade grande nos festivais, inclusive no Brasil. Mas, na exibição nas salas de cinema, poderia fazer mais sucesso aqui, como acontece em outras partes do mundo, já que é reconhecido internacionalmente”, comenta Francesca Azzi, da Zeta. Para ela, o Oscar de Bong Joon-ho chama a atenção para uma outra cinematografia. “Mas não sei se as pessoas vão começar a procurar o cinema sul-coreano. Agora, o mercado precisa disso (desta abertura do olhar). As pessoas estão começando a se cansar do padrão Netflix e tentam buscar um conteúdo que as leve para um lugar diferenciado. Ir ao cinema para ver um filme fora do padrão é um luxo de consumo”, conclui.


ANTES DA FAMA
Conheça filmes de Bong Joon Ho anteriores a Parasita disponíveis no Brasil

Netflix/Divulgação
(foto: Netflix/Divulgação)

. Okja (2017)
Segunda produção em inglês do diretor, foi lançada no Festival de Cannes. Porcos gigantes são distribuídos, mundo afora, numa experiência que pretende revolucionar a alimentação em escala global.
Onde assistir: Netflix

PlayArte/Divulgação
(foto: PlayArte/Divulgação)

. Expresso do amanhã (2013)
Primeiro filme em inglês do diretor, parte do fiasco de um experimento climático que fez desaparecer toda a vida na Terra. A exceção são aqueles que estão a bordo do trem do título, no qual se forja uma nova divisão de classe.
Onde assistir: Amazon Prime Video

Comme des cinemas/Divulgação
(foto: Comme des cinemas/Divulgação)

. Tokyo (2008)
Filme com três segmentos, cada um dirigido por um realizador (além de Boon Ho, também participaram do projeto os franceses Leos Carax e Michel Gondry). As três narrativas são ambientadas na capital japonesa.
Onde assistir: Claro Vídeo

chungeorahm film/Divulgação
(foto: chungeorahm film/Divulgação)

. O hospedeiro (2006)
O terror finca morada quando um monstro de proporções agigantadas, às margens do Rio Han, coloca em risco a vida de uma menina que tem familiares dispostos a resgatá-la a qualquer custo.
Onde assistir: Netflix

MAIS SOBRE CINEMA