'Parasita' vence filme, diretor, roteiro e filme internacional; Brasil perde

Longa sul-coreano fez história no Oscar, acumulando quatro estatuetas, inclusive a principal

Estado de Minas 09/02/2020 21:05

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Jane Fonda abraça Bong Joon Ho (foto: AFP)

A 92ª edição do Oscar, realizada na noite deste domingo (9), teve um resultado histórico, com um filme estrangeiro – o sul-coreano "Parasita", de Bong Joon Ho, vencendo o prêmio principal (melhor filme) e três outras estatuetas – diretor, roteiro original e melhor filme internacional.

 

Centrado nas tensões de classe, a partir da história de uma família pobre que desenvolve estratagemas para se empregar na casa de um clã rico, "Parasita" se tornou um sucesso mundial e obteve seis indicações ao Oscar. 

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A equipe de 'Parasita' sobe ao palco para receber o Oscar de melhor filme (foto: AFP)

Confira como foi a cerimônia:

 

A abertura teve um poderoso número musical conduzido por Janelle Monae, que interagiu com a plateia de astros e estrelas e deu um tom de fato festivo à cerimônia, sem deixar de ser político.

 

Ao interromper momentaneamente o canto para se dirigir à plateia, Janelle disse que "nesta noite celebramos os fabulosos talentos" e fez questão de destacar o talento das mulheres, dos negros e da comunidade queer.  

 

O número de abertura, literalmente, levantou a plateia, que aplaudiu entusiasticamente. Chris Rock tomou o palco em seguida, junto com Steve Martin, para apresentar a primeira categoria da noite.

 

Chris elogiou a performance de Janelle. Em seguida, ele e Steve Martin engataram uma série de piadas. Martin disse que, para os dois, que já apresentaram a cerimônia, estar ali só por um momento "é um rebaixamento". 

 

Rock ironizou Jeff Bezos, o dono da Amazon, que estava na plateia: "Ele assistiu a 'História de um casamento' e achou que era uma comédia". Em seguida, mirou nas três horas e meia de duração de O Irlandês, dirigindo-se a Martin Scorsese: "Marty, tenho que te dizer que adorei a primeira temporada de 'O Irlandês'". 

 

Sempre em tom cômico, eles criticaram duramente a ausência de negros entre os indicados, com a única exceção da atriz Cynthia Erivo, que interpreta uma escrava. Rock disse: “(O ator) Mahershala Ali ("Green Book", "Moonlight") está aqui. Ele já ganhou um Oscar, mas sabe o que vai significar se for parado pela polícia? Nada”.

 

Em seguida, Martin e Rock entregaram o palco para a atriz Regina King apresentar a categoria de melhor ator coadjuvante, na qual Brad Pitt era o favorito, concorrendo com Anthony Hopkins, de "Dois papas", do diretor brasileiro Fernando Meirelles, entre outros. 

 

E Pitt confirmou seu favoritismo vencendo pelo papel do dublê do ator interpretado por Leonardo DiCaprio em "Era uma vez... em Hollywood", de Quentin Tarantino, a quem ele agradeceu e citou em seus discurso: "Espere o pior das pessoas, mas busque o melhor". Ele também agradeceu Leonardo DiCaprio e dedicou o prêmio aos filhos, "a quem adoro".

 

 

Pitt tem seis filhos com Angelina Jolie. Sua vitória no Oscar é uma espécie de volta por cima de um divórcio rumoroso, período no qual ele se afastou dos holofotes, para preservar a imagem. 

A segunda categoria, de melhor animação, tampouco surpreendeu. Deu "Toy Story 4", sempre apontado como favorito. O melhor curta de animação, vencedor anunciado na sequência, tem o orgulho racial como tema. "Hair love" aborda a afirmação da raça negra e o preconceito que os negros, por meio da história da relação de uma garota negra com seu cabelo natural. uma garota e seu cabelo. A direção é compartilhada por Matthew A. Cherry, Everett Downing Jr. e Bruce W. Smit.

 

Diane Keaton e Keanu Reaves, que dividiram o set de "Alguém tem que ceder", no qual ele briga pelo coração dela com Jack Nicholson, foram a dupla seguinte de apresentadores. Eles anunciaram os concorrentes de Melhor Roteiro.

 

Com essa categoria, "Parasita" venceu seu primeiro Oscar. O roteiro é assinado pelo diretor Bong Joon Ho, que disse: "Obrigado. É uma grande honra", em inglês. Em seguida, em sua língua natal, ele afirmou: "Este é o primeiro Oscar da Coreia do Sul. Obrigado".

 

Numa indicação da grande popularidade do filme, Keaton lançou um grito de entusiasmo após ler no envelope o nome de Ho.  

 

Natalie Portman e Timothée Chalamet foram os apresentadores da categoria seguinte, Melhor Roteiro Adaptado. "Jojo Rabbit", a sátira em que um garoto de 10 anos sonha em se juntar à Juventude Nazista e tem em Hitler seu amigo imaginário, foi o vencedor.

 

O roteiro foi adaptado por Taika Waititi, diretor do filme e também intérprete de Hitler. Ele agradeceu à mãe, que lhe apresentou o livro no qual o filme se baseia.  

 

A categoria de curta-metragem foi apresentada por Shia LaBeouf e o ator Zack Gottsagen, que tem Síndrome de Down. Eles anunciaram o prêmio para "The Neighbors Window".

 

A categoria seguinte, direção de arte, deu o segundo prêmio da noite para "Era uma vez em... Hollywood", que recebeu 10 indicações. "Adoráveis mulheres", o longa de Greta Gerwig que se tornou muito falado pela ausência de Gerwig na disputa de melhor direção, embora seu filme esteja na competição pela estatueta principal, venceu melhor figurino. "Adoráveis mulheres" tem seis indicações.  

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Taika Waititi com seu Oscar de melhor roteiro adaptado (foto: AFP)

Mark Ruffalo foi o responsável por apresentar a categoria de melhor documentário, no qual competia o brasileiro "Democracia em vertigem", da cineasta mineira Petra Costa . Ruffalo observou que quatro dos concorrentes foram dirigidos ou codirigidos por mulheres. E afirmou que os filmes concorrentes "têm um impacto que permanecerá conosco por muitos anos". 

 

Nos trechos exibidos de cada produção, viu-se em "Democracia em vertigem" o momento em que o ex-presidente Lula deixa o Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo para ir à prisão. 

 

Petra Costa, no entanto, viu o Oscar ir para "Indústria americana", primeiro resultado da parceria do casal Michelle e Barack Obama com a Netflix. Eles assinam a produção do filme que a cineasta Julia Reichert dirigiu com seu parceiro profissional e de vida Steven Bognar. Julia homenageou seus concorrentes, citando o filme que "fala sobre o Brasil". 

 

Ela explicou que "Indústria americana" trata da condição de vida dos trabalhadores, que hoje é pior do que já foi, e disse: "Acreditamos que as coisas vão melhorar, quando os trabalhadores se unirem". 

 

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Mark Ruffalo anunciou a vitória de 'Indústria americana' (foto: AFP)

Um dos aspectos mostrados no filme é a redução da sindicalização nos Estados Unidos e o aumento do dinheiro investido por empresas em consultorias que convencem os trabalhadores a não se sindicalizar. 

 

Barack Obama foi ao Twitter cumprimentar os diretores pela vitória:

 

 

Em seu Twitter, Petra Costa ecoou as palavras de Julia Reichert e postou (em inglês): "Que os trabalhadores do mundo possam se unir, como disseram Karl (SIC) e Julia Reichert, de 'Indústria americana'".

 

 

Citado no início da cerimônia por Chris Rock, Mahershala Ali apresentou a categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, vencida por Laura Dern, por "História de um casamento". Dern interpreta no filme de Noah Baumbach a advogada que representa a personagem de Scarlett Johansson em seu processo de divórcio.

 

"Compartilho esse prêmio com meus pais", disse Dern. No Oscar ela não mencionou, como o fez no discurso de agradecimento de um dos muitos prêmios que ganhou por esse papel, que seus pais são divorciados. 

 

Lin Manuel Miranda, o astro do musical "Hamilton", subiu ao palco para falar sobre a importância da música nos filmes. Logo em seguida, o rapper Eminem fez uma apresentação que não havia sido anunciada no roteiro da festa.

 

No bloco de prêmios técnicos, "Ford vs Ferrari" levou a estatueta de Melhor Edição de Som. O longa sobre a histórica corrida de Les Mans em que a Ford derrotou pela primeira vez a Ferrari é protagonizado por Matt Damon e Christian Bale.  

 

"1917", que teve 10 indicações, venceu seu primeiro prêmio da noite, por Mixagem de Som, e teve sua segunda vitória na sequência, com o prêmio de Melhor Fotografia sendo destinado a Roger Deakins.

 

"Ford vs Ferrari" levou sua segunda estatueta pela Montagem, que alterna as corridas e os bastidores do desenvolvimento do carro, das disputas internas na equipe e também entre as duas montadoras. 

 

A categoria de Efeitos Visuais foi apresentada por James Corden e uma colega de elenco do imensamente criticado "Cats".  "Como integrantes do elenco de 'Cats', nós sabemos a importância dos efeitos visuais", disse Corden. Um dos embaraços em torno do lançamento de "Cats" foi o fato de uma versão inicial do filme lançada nos cinemas apresentar alguns dos personagens com maõs humanas, ou seja, sem os efeitos visuais completos.

 

"1917" levou seu terceiro Oscar ao vencer por efeitos visuais. O Oscar de maquiagem foi para "O escândalo", no qual Charlize Theron se tornou uma cópia quase perfeita da apresentadora de TV Megyn Kelly, uma celebridade nos Estados Unidos. 

 

A atriz espanhola Penélope Cruz apresentou a categoria Melhor Filme Internacional, na qual Pedro Almodóvar, de quem ela é musa, competia com "Dor e Glória". Mas "Parasita" confirmou seu favoritismo e levou o prêmio. 

 

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Brie Larson, Sigourney Weaver e Gal Gadot no palco (foto: AFP)

Bong Joon Ho foi aplaudido de pé pelo auditório. Ele se disse feliz por ter sido o primeiro a vencer a categoria com seu novo nome (antes era Melhor Filme Estrangeiro). Quando mencionou que todo o elenco estava na plateia, os atores se levantaram e aplaudiram. Ho fez um discurso como se não acreditasse que iria voltar ao palco para mais um Oscar. E deixou o palco dizendo: "Obrigado, já estou pronto para beber alguma coisa nesta noite".  

 

Entrando na reta final, a cerimônia entregou o palco ao artista retratado em "Rocketman". Elton John cantou e tocou piano, numa perfomance enérgica de "(I'm gonna) love me again", concorrente a melhor canção. 

 

Sigourney Weaver, Brie Larson e Gal Gadot tomaram o palco para apresentar a categoria de trilha sonora e fizeram uma defesa do papel das mulheres em Hollywood. Elas, que interpretam super-heroínas, afirmaram que "Toda muher é uma super-heroína". 

 

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Elton John levou o Oscar de melhor canção (foto: AFP)

A categoria de trilha sonora premiou o trabalho de Hildur Gudnadottir em "Coringa. É a primeira vez que uma mulher vence essa categoria. "As meninas, as mulheres que escutam a música dentro de si mesmas, por favor, façam-se ouvir. Precisamos ouvir suas vozes", disse ela. 

 

Spike Lee, que se vestiu em homenagem ao astro do basquete Kobe Bryant, morto tragicamente no mês passado num acidente de helicóptero, apresentou a categoria de melhor direção.

 

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Bong Joon Ho (centro) e parte do elenco de 'Parasita" (foto: AFP)

Bong Joon Ho venceu e parecia atordoado quando subiu ao palco. "Quando ganhei Melhor Filme Internacional achei que já tivesse acabado e queria relaxar", disse. Ele voltou a uma memória de juventude para agradecer a um mestre que dizia "Se você escutar o seu coração, será mais criativo". 

 

O mestre, revelou, era Martin Scorsese, que concorria com "O Irlandês". O auditório inteiro se pôs de pé para aplaudir a homenagem. O sul-coreano declarou-se fã também de Quentin Tarantino. Depois, citou os demais e afirmou: "Se a Academia permitir, eu gostaria de pegar uma serra e dividir com todos vocês esta estatueta". Ele se despediu dizendo: "Obrigado, agora vou beber até amanhã". 

 

Steven Spielberg foi o apresentador do segmento que homenageou os artistas falecidos no último ano. As imagens daqueles que se despediram se sucederam no telão enquanto a Billie Eilish, de 18 anos, que venceu cinco Grammys neste ano, fez uma tocande interpretação de "Yesterday", acompanhada apenas pelo piano.

 

A lista de homenagens começou com a lenda do basquete Kobe Bryant,que venceu o Oscar de melhor curta em animação em 2018, com "Dear basketball", cujo roteiro é sua carta de despedida da profissão.

 

Também foram mencionados no tributo a cineasta Agnes Varda, o animador Richard Williams, o ator Peter Mayhew, conhecido como o intérprete do Chewbacca na saga "Star wars", entre outros tantos, finalizando com o ator Kirk Douglas, morto na semana passada, aos 103 anos.

 

Olivia Colman, que venceu no ano passado com "A Favorita", apresentou o Oscar de Melhor Ator. Com sua veia de comediante, afirmou: "Obrigada por me receber aqui novamente. No ano passado foi a melhor noite da vida do meu marido. Ele é quem diz isso".   

 

Joaquin Phoenix, "O Coringa", confirmou seu favoritismo."Não me sinto acima de nenhum dos colegas indicados nem de ninguém aqui neste auditório. Compartilhamos o mesmo amor pelo cinema. Acho que o maior presente foi a oportunidade de usar a nossa voz no lugar de quem não tem voz".

Phoenix, que é vegano, fez um discurso contrário à ideia de que "somos uma raça, uma espécie que tem o direito de dominar" e disse: "Acho que a gente se desligou do mundo natural e nós só buscamos recursos nele". Exemplificou: "Nós nos sentimos merecedores de ter uma vaca artificialmente inseminada e, quando ela tem o filhote, nós o roubamos".

 

"A vida inteira eu fui egoísta, cruel, difícil no trabalho e estou grato porque pessoas aqui me deram uma segunda chance. Assim nos tornamos melhores, nos ajudando a crescer e nos guiando em direção à redenção. Isso é o melhor da humanidade", afirmou.

 

Muito emocionado, terminou citando uma letra que, aos 17 anos, recebeu do irmão (o ator River Phoenix, que era um astro e morreu tragicamente de uma overdose, na saída de uma boate, onde Joaquin, seu irmão mais novo, estava como seu convidado), na qual ele dizia "Corra atrás do seu coração que a paz virá". 

 

O Oscar de melhor atriz, apresentado por Rami Makek, também confirmou o favoritismo de Renée Zellweger, que interpreta a personagem-título de "Judy", sobre os últimos meses da vida de Judy Garland (1922-1969).

 

Com a vitória de Phoenix e Zellweger, o Oscar 2020 reconheceu nas principais categorias de interpretações dois personagens destroçados e carentes de compreensão e amor. Uma toma a via da autodestruição e o outro, da violência.

 

Renée fez um discurso exaltando o papel dos heróis e os modelos em nos "unir e nos definir".

 

Jane Fonda apresentou o Oscar de melhor filme, que foi para "Parasita", num resultado histórico. 

 

A Netflix chegou ao Oscar com oito filmes originais somando um total de 24 indicações. No entanto, a plataforma de streaming saiu da cerimônia com apenas duas estatuetas para suas produções. Uma para melhor documentário, com"Indústria americana", e outra com melhor atriz coadjuvante, para Laura Dern, de "História de um casamento". 


 

 

 

 

 

 

 

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