Ativista socioambiental, o cineasta paulista André D’Elia dedicou três anos à preparação do filme O amigo do rei, que aborda o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. Com estreia nesta quinta-feira (8), o longa tem um formato híbrido entre o documentário e a ficção. Em sua porção documental, o título tenta se aprofundar nas causas e consequências do acidente, intercalando entrevistas e registros factuais. A ficção fica por conta de uma trama satírica em torno do personagem que dá nome ao filme – o deputado Rey Naldo (Luciano Chirolli), que, de forma caricata, se relaciona com lobistas e outros políticos para favorecer os “amigos” das mineradoras nas estruturas de poder e fiscalização.
saiba mais
Fabrício Boliveira vive a glória e a decadência de 'Simonal' na telona
Chris Hemsworth anuncia pausa na carreira para cuidar da esposa e filhos
Festa do Cinema Italiano traz para BH filmes clássicos e inéditos
Jovem profissional enfrenta o assédio do chefe em longa israelense
Amigos na vida real se tornaram pai e filha em 'No coração do mundo'
O diretor ouve especialistas na indústria da mineração para apontar fatores técnicos que levaram ao rompimento da barragem, assim como falhas de fiscalização por parte do estado e a irresponsabilidade das mineradoras no intuito de intensificar sua atividade para alargar o lucro. “Tentamos mostrar os impactos e falar sobre uma legislação que pudesse melhorar a forma como o governo faz essa mediação da atividade mineradora”, diz D'Elia.
TESTEMUNHOS Com imagens registradas por ele e por colaboradores, a edição inclui testemunhos comoventes de moradores da região de Mariana atingidos pela lama, relatando a dor, os prejuízos e também preconceitos e ataques sofridos em razão do processo indenizatório. O roteiro ainda segue pelo Rio Doce, mostrando danos irreversíveis para comunidades que dependiam do manancial, como tribos indígenas e agricultores, além de populações desabastecidas em Governador Valadares, chegando até o litoral capixaba, onde a destruição também afetou muitas comunidades.
“Minha primeira preocupação foi que todas as pessoas que participaram tivessem sua voz registrada. Tive um respeito, justamente para honrar a participação dos atingidos. Eram muitas histórias; eu não poderia julgar quais eram as mais importantes. Claro que a montagem tenta tornar isso mais instigante para o público, mas eu mantive (todas), por acreditar que não poderia descartar determinadas falas”, afirma. Uma primeira versão do filme tinha quatro horas de duração. O corte que chega hoje às salas tem 2h20min, duração incomumente longa para um documentário.
A inclusão da figura do deputado Rey Naldo, segundo D’Elia, veio “da necessidade de representar o sujeito responsável pelo que aconteceu”. Ele afirma que, desde que começou a seguir de perto a história do desastre, “sempre aparecia uma desculpa. Como o próprio filme mostra, a pessoa jurídica é uma ficção. Senti a necessidade de representar num personagem, que é o sujeito empresarial político e corrupto diluído na sociedade brasileira, que está aí desde o tempo colonial. Queria dar uma cara para isso”. O diretor conta ter baseado diversas cenas do personagem ficcional em situações que testemunhou em Brasília, como conselheiro da Fundação Mais Cerrado.
O amigo do rei alerta para a possibilidade da repetição da tragédia, tanto em sua vertente documental, por meio da fala dos especialistas, quanto na ficcional, que encena o rompimento de mais uma grande barragem, em consequência da atividade irresponsável e ilícita do personagem. O filme ficou pronto antes de 25 de janeiro deste ano, quando ocorreu a tragédia de Brumadinho. André D'Elia conseguiu incluir menções à catástrofe na cena final. “O povo tem que saber que o que ocorre em Minas é muito grave. Têm informação, mas não se atentam. Meu objetivo era mostrar isso. Rompeu Mariana e o que aprendemos?”, indaga o cineasta.