Filme sobre Elton John vai do desvario kitsch a sessão de terapia

Dirigido por Dexter Fletcher, 'Rocketman' foge do formato cinebiografia para entrelaçar vida e obra do astro do rock. Longa não repete a fórmula de Bohemian rhapsody, dedicado a Freddie Mercury

por Mariana Peixoto 30/05/2019 08:40
Um astro do rock britânico homossexual, que dominou as paradas nos anos 1970 e 1980, com sérios problemas de relacionamento e abuso de álcool e drogas. Esse é o resumo, curto e grosso, de Freddie Mercury. Mas cai como uma luva para Elton John.

Não vá aos cinema tentando encontrar em Rocketman, que estreia nesta quinta-feira (30), uma versão com mais plumas de Bohemian rhapsody. O novo filme, lançado com estardalhaço no Festival de Cannes, não é nem de longe uma cinebiografia. É um musical sobre a trajetória de Elton John, com costura para lá de inteligente da série de hits que o cantor, compositor e pianista lançou em 50 anos de carreira.

Mas, vá lá: se quiser insistir, o “filme do Elton John” tem outros pontos em comum com o “filme do Queen”. Diretor de Rocketman, foi Dexter Fletcher quem terminou Bohemian rhapsody depois da demissão do cineasta Bryan Singer.

Os longas têm um personagem em comum: John Reid, o antagonista de Rocketman (ex-amante e empresário de Elton John), aparece num pequeno papel em Bohemian rhapsody (chegou a empresariar o Queen). Os dois atores que interpretaram os astros tiveram que fazer arranjos na arcada dentária: Rami Malek colocou implantes para ficar com tantos dentes quanto Mercury; Taron Egerton sofreu uma “maquiagem dental” para exibir o diastema à la Elton John.

Fora isso, esqueça. Sente-se na poltrona e se prepare para duas horas de desvario kitsch, uma deliciosa sessão de terapia para lá de barroca. Rocketman muito bem poderia ter sido dirigido por Baz Luhrmann (de Moulin Rouge).

“Quando você vai me abraçar?”, pergunta o garoto Reginald Dwight ao pai ausente que nunca foi capaz de amá-lo. A pergunta, logo no início da narrativa, vai nortear todo o filme. Reggie, filho de um casamento sem amor, torna-se Elton John e, a todo tempo, parece nos dizer que sua história é mais simples do que parece, a de alguém que sempre quis ser amado.

Com uma fantasia ridícula de diabo, Elton John, já adulto, aparece numa sessão dos alcoólicos anônimos. A partir do momento em que se apresenta para o grupo, o flashback dispara. Acompanhamos a história do menino com talento muito acima de média que conhece um letrista e com ele compõe várias pérolas do cancioneiro pop.

Inteligentemente, Dexter Fletcher não construiu o filme de forma linear – Rocketman é uma fantasia de cunho biográfico em que as situações vão se sucedendo sem obedecer à ordem cronológica (e não há problema algum nisso). Dessa maneira, as canções de dupla Elton John/Bernie Taupin aparecem descoladas da época original. As letras caem como uma luva para as situações espelhadas na tela – e não a seu tempo real.

Resolvida (e muito bem) essa questão, acompanhamos a trajetória de Elton, seu crescimento na música, seu envolvimento amoroso e profissional com um empresário mau caráter, sua amizade com Bernie Taupin. E todos os excessos que cometeu.

É um ponto de vista interessante, pois o filme deixa de lado a imagem mais recente do cantor. Desde que ficou sóbrio, em 1991, Elton John se tornou benfeitor mundial, amigo de estrelas (Lady Di a maior delas). Pois a produção só menciona isso nos minutos finais. Ao longo de duas horas frenéticas, o longa constrói a imagem do homem cheio de problemas que se tornou astro da música.

Taron Egerton apresenta uma performance arrebatadora (inclusive cantando, vale dizer). Com elenco bem dividido – a egocêntrica mãe de Elton é defendida com brilho por Bryce Dallas Howard, assim o Bernie Taupin de Jamie Bell –, o filme conquista pela costura eficiente de uma trajetória interessante com músicas brilhantes.

Elton John, que acompanhou toda a produção (é produtor-executivo do longa), afirmou que “os baixos foram bem baixos, mas os altos também foram bem altos” em sua trajetória. Rocketman explora exatamente isso, mas com muita liberdade para ir além dos fatos.

PARAMOUNT PICTURES/DIVULGAÇÃO
Taron Egerton interpreta Elton John, o astro kitsch do Rock britânico (foto: PARAMOUNT PICTURES/DIVULGAÇÃO)

VIDA E FILME

ROCKET MAN
>> Neil Armstrong pisou na Lua em 1969. Rocket man foi lançada três anos mais tarde, ainda em plena corrida espacial. No entanto, a inspiração maior veio do conto sci-fi The rocket man, de Ray Bradbury. A canção foi produzida por Gus Dudgeon, que trabalhou com David Bowie em Space oddity. Não faltou gente dizendo que Elton tentava copiar Bowie. Quando Elton se apresentou na então União Soviética, em 1979, ela foi nomeada Cosmonaut.
>> No filme, Elton John tenta se matar durante uma festa em sua casa, em Los Angeles. Chapado de álcool e drogas, ele se joga na piscina e se encontra, no fundo, com sua versão criança vestida como astronauta.

TINY DANCER
>> Em 1970, Bernie Taupin acompanhou Elton John em sua primeira turnê pelos EUA. Ficou impressionado com as garotas da Califórnia. Conheceu Maxine Feibelmann, que se tornou sua primeira mulher. Incluída na trilha do filme Quase famosos (2000), a canção renasceu quase 30 anos depois de lançada.
>> No filme, logo depois da estreia no Troubadour, em Los Angeles, Elton e Bernie vão parar numa festa. O letrista, que havia combinado de explorar a cidade com o amigo no dia seguinte, conhece uma garota e desmarca o encontro.

THE BITCH IS BACK
>> Num dia em que Elton John estava de péssimo humor, Maxine, mulher de Taupin, teria dito: “The bitch is back” (a cadela está de volta). O termo, por sinal, fez com que as rádios demorassem a tocá-la. Mas quando a música vingou, todas tiveram que fazê-lo – algumas emissoras introduziram efeitos sonoros no momento da palavra bitch, repetida inúmeras vezes.
>> No filme, é o primeiro número musical. Elton, ainda criança, canta a música na rua com os vizinhos.

DON’T LET THE SUN GO DOWN ON ME
>> Fortemente influenciada pelos Beach Boys (Brian Wilson é um dos ídolos de Elton John), tanto que Carl Wilson e Bruce Johnston fizeram vocais junto da cantora Toni Tennille. A balada passa a ideia de perdão, pois o narrador implora, melodramático, pela volta do amor perdido. Típica canção que cresce em apresentações ao vivo, foi quase surrupiada por George Michael depois
de seus duetos com Elton em 1985 (no Live aid) e em 1991.
>> No filme, Elton está no estúdio e faz dueto com a engenheira de som Renate Blauel. Na cena seguinte, os dois aparecem casados.

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