Festival Indie de volta a BH após cortes no orçamento

Com dificuldades de captação, festival, considerado vitrine para produções independentes, começa hoje com programação exibida em 2018, em São Paulo

por Mariana Peixoto 27/03/2019 08:10
Indie Festival/Divulgação
Ayka, de Sergey Dvortsevoy, abre a programação. Protagonista Samal Yeslyamova recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes (foto: Indie Festival/Divulgação)

Criado em 2001 em Belo Horizonte, o Indie Festival foi, durante sua primeira década, a principal vitrine para o cinema independente mundial na cidade. Com uma mostra intensa (em qualidade e quantidade), o evento encolheu nos últimos anos. Sofreu sucessivos cortes de orçamento, e teve dificuldades de captação pelas leis de isenção fiscal. A situação se complicou a tal ponto que no ano passado foi realizado somente em São Paulo.

Pois mesmo reduzido e com sessões em somente uma sala – o Cine Humberto Mauro –, o Indie volta a ser realizado em BH. Retorna nesta semana, com a programação exibida em São Paulo, em setembro de 2018. Desta maneira, é o Indie 18 em 2019 – se tudo der certo, a edição deste ano na capital paulista pode ser realizada também em BH no segundo semestre.

De quarta a quarta, o evento exibe 13 longas, a maior parte inédita na cidade. A grande maioria deve continuar inédita no circuito comercial, vale dizer. “Antes, os festivais faziam um movimento de exibir antes o que iria depois para as salas de cinema. Agora, eles têm importância de exibir o que não vai entrar em cartaz, já que não há espaço”, afirma Francesca Azzi, curadora e fundadora do Indie.

E é com um filme nunca exibido em cinemas brasileiros (nem mesmo na edição paulistana do Indie) que a mostra tem início. Em sessão única nesta quarta (27), Ayka, do diretor cazaque Sergey Dvortsevoy, deu a Samal Yeslyamova o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes. Ela interpreta a personagem-título, uma imigrante do Quirguistão que vive ilegalmente em Moscou. Acabou de dar à luz, e foge do hospital, abandonando o bebê. O filme acompanha Ayka pelas ruas da capital russa em busca do filho e da própria vida, em risco depois de complicações pós-parto.

A seleção da mostra reúne muitas produções experimentais. “Mas tem muita coisa acessível e, ao mesmo tempo, desafiadora para o público”, comenta Francesca. Um bom exemplo é o filme Longa jornada noite adentro, do chinês Bi Gan. Na história, um homem retorna à sua cidade natal, de onde havia fugido, e busca a mulher que sempre amou. “É um filme que tem parte em 3D e parte em 2D. Quando o personagem começa a voltar à sua memória, há um voo muito bonito, e o filme passa a ser em 3D”, conta a curadora. Há um aviso no filme para que o público passe a utilizar os óculos na passagem determinada.

Duas outras produções de realizadores chineses integram a seleção. Um elefante sentado quieto é o primeiro e último longa-metragem de Hu Bo. Isto porque pouco depois de finalizar o filme, com quatro horas de duração, o realizador se matou, aos 29 anos. No longa, incensado pela crítica (saiu premiado do Festival de Berlim), Bo acompanhou um dia na vida de quatro moradores do Norte da China. Já Liang Ying assina a direção de A viagem da família, uma história com nuances autobiográficas.

“A viagem da família tem uma conexão com o fato de Liang Ying ter sido obrigado a sair da China. Muitos diretores de sua geração sofrem com a repressão. Então, ele foi morar em Hong Kong”, conta Francesca. No filme, o diretor acompanha a separação de uma mãe e sua filha.



PRODUÇÕES MINEIRAS

“Já o Hu Bo e o Bi Gan fizeram dois filmes fundamentais, que são representativos de uma geração. Longa jornada noite adentro é mais surrealista, enquanto Um elefante sentado quieto é realista, trata desta angústia de uma geração que está num lugar em transição.” Outra produção asiática que o Indie destaca é Estação do diabo, do filipino Lav Diaz. É também um filme longo (quase quatro horas) que reflete os tempos sombrios das Filipinas.

“Estação do diabo, que estreou no Festival de Berlim, é um filme em preto e branco todo cantado. É um musical não convencional, pois não há dança. É como uma ópera, com canções que o próprio diretor compôs. Mostra a ocupação pelas milícias do interior do país e moradores que vão sendo abatidos pela ditadura de um homem de (literalmente) duas caras, que seria um pouco o (ditador) Ferdinand Marcos”, comenta Francesca.

Chegando agora perto de nós, o Indie exibe duas produções mineiras inéditas no circuito comercial: Os sonâmbulos, de Tiago Mata Machado (que foi apresentado no fim de 2018 no Fórum.doc), e Espera, de Cao Guimarães (visto também no Fórum.doc e na Mostra Cine BH).



INDIE
De quarta (27) a quarta (3), no Cine Humberto Mauro – Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca. Senhas serão distribuídas na bilheteria meia hora antes de cada sessão. Veja a programação completa em www.indiefestival.com.br

Hoje
20h – Ayka, de Sergey Dvortsevoy (Rússia/Alemanha/Polônia/Cazaquistão/China)

Amanhã
15h – Rei sol, de Albert Serra (Espanha/Portugal)
16h30 – A viagem da família, de Liang Ying (Taiwan/Hong Kong/ Cingapura/Malásia)
18h30 – Um elefante sentado quieto, de Hu Bo (China)

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