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Ausência de representatividade feminina marca história do cinema mundial

Apesar de ser questionada, semestralmente, por alunas ávidas pelo mergulho na história do cinema ou na história do cinema brasileiro, sobre a tímida participação e a quase total exclusão do papel das mulheres diretoras no cinema, uma injustiça que vem de longe, percebi que essa questão deve e merece ser elucidada. Por incrível que pareça, essas perguntas ainda ecoam nestes tempos em que qualquer pessoa de bom senso jamais pensaria em discutir essa tola dialética. Para que todos tenham uma ideia, na última pesquisa aferida pela BBC  Culture’s World Cinema, no final de 2018, surgiu um dado absurdo. Foi perguntado para 209 críticos quais eram os seus 10 maiores filmes de língua estrangeira. Entre esses entrevistados, 94 eram mulheres – ou seja, 45%.

 

Mesmo assim, aparecem, incrivelmente, apenas quatro diretoras entre os títulos do Top 100:  Chantal Akerman (Jeanne Dielman, 23 Commerce Quay, 1080 Brussels), Claire Denis (Beau travail), Agnès Varda (Cleo de 5 a 7), e Katia Lund (codiretora do Cidade de Deus). O estranhamento é maior ainda quando constatamos que existe nessa lista mais diretores com o nome de Jean – sete filmes – dos que os dirigidos por mulheres.

 

Apesar do inusitado, se fizermos um flash back na história do cinema, vamos lembrar que os estudos cinematográficos sempre foram abordados pelo viés masculino. E não é difícil entender o porquê. Desde os primórdios do cinema, os homens controlam a maioria dos aspectos do filme.

Principalmente, quando ele se tornou um negócio rentável. O cinema, desde o seu nascimento, é uma indústria nos EUA. Mas para boa parte das cineastas pode ser considerado a realização de um sonho. E por que temos tão poucas mulheres no papel de diretoras?

 

Invisibilidade e escassez

 

Daí podemos voltar para a pergunta acima e respondê-la de uma maneira tão óbvia que nos soa até ingênua. Podemos até deixar o nosso Einstein interior descansar, porque se trata de uma equação bem fácil de resolver. Há menos filmes dirigidos por mulheres e, por isso, há menos filmes dirigidos por mulheres ganhando prêmios, sendo escolhidos ou ovacionados em festivais. E o resultado disso tudo é o quase apagamento da presença feminina na história do cinema.

 

Em uma matéria feita para a BBC, pela jornalista Ana Maria Bahiana, ela nos mostra que essa visão pode ser percebida por meio de números sólidos de vários estudos.

Como exemplo, um relatório de 2017 do Centro para o Estudo das Mulheres na Televisão e Filme mostrou que 23 dos principais festivais no período de 2016-2017 exibiam em média seis longas-metragens dirigidos por mulheres, em comparação com média de 18 filmes dirigidos por homens. Nesse mesmo período, os festivais dos EUA tiveram, em média, 13 documentários dirigidos por homens, contra sete dirigido por mulheres. Aqui no Brasil, pesquisa recente realizada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) com filmes de grande público (mais de 500 mil espectadores), entre os anos de 1970 e 2016, indica que, na direção, entre os anos de 1970 e 2016, apenas 2% eram mulheres.

 

Essa é uma razão sobre a relevância das pesquisas. Não se trata de uma questão de gênero, embora isso não possa ser desconsiderado. Questões de gênero dizem respeito tanto aos homens quanto às mulheres. No entanto, no que tange à presença feminina na direção de filmes, por incrível que pareça, ainda vivemos sob uma névoa de preconceitos, mitos e falácias. Se temos poucas mulheres nessa lista não é à toa. A escassez conduz à invisibilidade e a invisibilidade conduz a mais escassez ainda.

E, com isso, a história do cinema continua a ser escrita e ensinada com muito pouca ou quase nenhuma mulher nela.

 

NEM SEMPRE FOI ASSIM

 

As mulheres povoaram e questionaram as primeiras décadas do cinema. Na França do fim do século 19, Alice Guy-Blaché se tornou não apenas a primeira diretora feminina, mas a primeira diretora e roteirista de um filme de ficção. Foi vista como uma grande visionária que resolveu experimentar o som, as cores, os efeitos especiais, além de ter usado temas considerados complexos em sua narrativa.

 

No Brasil, temos muita honra em citar as pioneiras Cleo de Verberena, Carmen Santos, Gilda de Abreu e Adélia Sampaio. Elas, com muita audácia, irreverência, obstinação e trabalho, abriram caminho para uma miríade de cineastas que estavam por vir. Nos dias atuais, os créditos dos filmes exibem, orgulhosos, os nomes de cineastas da envergadura de Ana Carolina, Anna Muylaert, Daniela Thomas, Denise Moraes, Dácia Ibiapina, Erika Bauer, Helena Ignez, Paloma Rocha, Sinai Sganzerla, Tereza Trautman, Susana Amaral, Lenita Perroy, Tizuka Yamasaki, Maria do Rosário, Vanja Orico, Vera Egito, Vera de Figueiredo, Ana Maria Magalhães, Carla Camuratti, Tata Amaral, Tania Montoro,  Elianne Caffé,  Elisa Capai, Bia Lessa, Petra Costa, Monique Gardenberg, entre tantas outras.

 

A lista é imensa, apesar de não estar em evidência. No ano passado, 70% dos filmes selecionados no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro para a Mostra Competitiva eram encabeçados por mulheres. Pelo visto, a representatividade feminina, nessas listas, começou a mudar o rumo da história das mulheres na direção do cinema.

 

* Rose May é cineasta, fotógrafa e pesquisadora  

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