Juliana (Grace Passô) deixa Itaúna, no interior de Minas Gerais, para tentar vida nova na região metropolitana de Belo Horizonte. Em Contagem, ela consegue emprego na equipe de combate a endemias e se aproxima, primeiramente, do experiente Russão (Russo Apr), designado a ajudá-la. Aos poucos, a novata estreita suas relações com os demais funcionários, compartilhando sentimentos e ouvindo confidências. Enquanto se adapta ao novo cotidiano, a protagonista lida com a morte recente da mãe e uma crise no casamento – o marido ficou em Itaúna e deve chegar a Contagem em breve.
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A fórmula tem conquistado o mundo: em Belfort, na França, Temporada foi premiado pelo júri popular do Festival Entrevues; no Festival de Torino, na Itália, Grace Passô foi eleita a melhor atriz. Por aqui, fez bonito no Festival de Brasília, faturando os troféus de melhor filme, atriz, ator coadjuvante (para Russo Apr), fotografia (Wilssa Esser) e direção de arte (Diogo Hayashi).
PERTENCIMENTO Com Temporada, André Novais Oliveira lança um olhar para o local onde cresceu e vive. “Estão surgindo muitas produções de Contagem e outras também periféricas. Muitos desses novos retratos são feitos por diretores que nasceram ou viveram nesses locais, o que lhes permite visões diferentes e interessantes sobre aquela localidade”, observa o cineasta.
Em 2007, ele trabalhou no combate às endemias no Bairro Amazonas, em Contagem, que serviu de locação para as filmagens.
À premissa o diretor somou a história de uma mulher em fase de transições. Entre elas, a morte da mãe, relatada por Juliana em uma cena tocante. O drama seria compartilhado pelo diretor meses após a gravação. Temporada é dedicado a Maria José Novais Oliveira, a dona Zezé, mãe de André e presença constante em seus filmes. “Acredito que a cena surgiu no roteiro a partir de um medo inconsciente. Ela já enfrentava problemas de saúde e havia sofrido um derrame”, conta Novais Oliveira.
A relação com sua família já havia sido explorada no elogiado Ela volta na quinta (2016), em que mostrou a separação de dona Zezé e Norberto, pai de André, levando esses personagens reais para a dramatização.
RUSSO O longa traça um belo retrato de Contagem. Em uma sequência, que transcorre na laje de uma residência, vemos uma panorâmica da região, enquanto um morador comenta sobre o crescimento populacional e o dia a dia na localidade. Os personagens circulam em ambientes típicos dos bairros de classe média e baixa na Região Metropolitana de BH. Estabelecimentos como Dimas do Espeto e Hot Dog da Tia Vilma fazem parte da rotina de Juliana e seus colegas.
A homenagem ao município é mais evidente na interpretação do novato Russo Apr, que emprestou seu nome ao simpático personagem. Agitador cultural, o ator comanda o coletivo Terra Firme, em Ibirité, em que oferece a jovens carentes oficinas de cinema, fotografia, poesia e rap. Nascido em Nanuque, no interior do estado, ele vive entre a Região Oeste de BH e a cidade de Ibirité, onde cresceu. “Nunca fiz teatro e, nas experiências com filmes, sempre fiquei na direção.
Russo é velho amigo do diretor Maurílio Martins, que integra a produtora Filmes de Plástico – responsável por Temporada. Desde quando se conheceram, há 17 anos, eles desejavam trabalhar juntos em um longa-metragem. “Maurílio é uma referência para o favelado que sonha em fazer cinema, o que, para nós, nunca foi algo real. Víamos como coisa de gente rica”, afirma Russo. O encontro finalmente ocorreu em No coração do mundo, dirigido por Maurílio e Gabriel Martins, ainda inédito – a estreia será na mostra competitiva do Festival de Roterdã, neste mês.
Durante os ensaios, o ator iniciante conheceu André Novais, que o convidou para integrar o elenco de Temporada. “Abracei este personagem, que tem tudo a ver comigo, e tive uma experiência artística e humana riquíssima. O filme fala da minha realidade e dialoga comigo mesmo. Claro que existe ali uma atuação, mas não mudei minha forma de levar a vida para interpretá-lo.”
PATERNIDADE “Quando li o roteiro, parecia que tinha sido escrito para mim”, brinca Russo. O dilema de seu personagem, que descobre ter um filho pequeno, já foi vivido pelo ator há 20 anos. À época, desempregado, precisou trabalhar como porteiro para sustentar a filha, hoje estudante de direito.
“Tenho muitos amigos que também foram pais jovens e, como trabalho com um projeto social, conheço muitos adolescentes que vivem essa realidade. Acompanho de perto o cotidiano de quem ganha pouco, pega vários bicos para pagar pensão e sustentar uma família que já nasce desestruturada, sem perspectivas.”
O ator comemora ao ver a periferia representada na telona e a oportunidade que os artistas da região estão tendo de mostrar o seu talento. “Temporada traz o cuidado e a preocupação de transformar a periferia de Contagem em personagem principal, enquanto a maioria dos filmes produzidos aqui mostra o cotidiano do Centro de BH. Os caras da Filmes de Plástico ajudam a descentralizar o cenário, com outras perspectivas e olhares, o que enriquece o cinema daqui e dá visibilidade a personagens invisíveis. Este trabalho modifica e integra uma comunidade, até então marginalizada.”
Três perguntas para...
GRACE PASSÔ
atriz
Juliana, sua personagem, passa por diversas transformações, que ficam evidentes na metade da história, com a mudança do cabelo da personagem. Essa mudança pode ser considerada uma alegoria do arco dramático da personagem?
Não considero uma alegoria. Diria que é um símbolo, algo mais forte. A mudança de cabelo é um dos símbolos dessa transformação, assim como as mudanças no figurino e no comportamento. Esta é a história de uma mulher no momento em que vai construindo sua independência e liberdade. Ela joga luz a esse momento em que muda de cidade e de relações afetivas.
Temporada apresenta o cotidiano na Região Metropolitana de BH, desde os cenários até o sotaque dos personagens. A identificação com os espectadores daqui tende a ser maior que com outras plateias?
Quem é de Minas conseguirá ter leituras e perspectivas diferenciadas, que talvez o público de outros lugares não tenha, já que se trata da nossa realidade. Os espectadores do estado certamente farão uma leitura “de dentro”, por todas as características e os elementos mineiros presentes no filme.
O longa também tem feito sucesso no exterior, com plateias distantes da realidade retratada. A que você atribui isso?
Temporada é feito com signos que pertencem a um lugar, mas estão todos dentro de uma poética. A arte tem essa capacidade. Por meio de uma criação poética, é possível falar além de onde viemos. O filme é, sobretudo, uma obra de arte, que relaciona tais elementos, mas não fala só para eles. Fala a quem quer ouvir.
Assista ao trailer de Temporada: