Mostra de Cinema de Ouro Preto homenageia a atriz Maria Gladys

Um dos destaques do cinemas Novo e marginal, a atriz Maria Gladys recebe homenagem na 13ª CineOP, que exibirá cerca de 130 filmes a partir de quarta-feira

por Ana Clara Brant 10/06/2018 07:23
Leo Lara/Universo Produção
Maria Gladys deixou o Rio de Janeiro para se refugiar em Santa Rita do Jacutinga, na Zona da Mata mineira (foto: Leo Lara/Universo Produção)

Em abril, a atriz Maria Gladys recebeu um telefonema e levou um susto. Era Raquel Hallak, produtora e coordenadora de três festivais de cinema, convidando-a para ser a homenageada da 13ª edição da Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), que começa na quarta-feira (13) e terá a noite de abertura na quinta (14). “Achei que ela estava me ligando para oferecer algum trabalho, sei lá. Mas quando ela disse o que era, nem acreditei. Fiquei muito feliz, ainda mais sendo homenagem de um festival em Minas. Minha vida inteira fui cercada pelos mineiros”, festeja Gladys.

Aos 78 anos, ela conta que Minas sempre esteve presente em seus mais de 50 anos de carreira. “Quando fui morar em Londres, na época da ditadura, convivia muito com a turma dos baianos Caetano e Gil, e com a mineirada também, o Neville d’Almeida e o Geraldo Velloso (cineastas), o saudoso Lincoln Continentino (fotógrafo). Era uma festa.”

Carioca, há cinco anos ela escolheu como refúgio a zona rural da bucólica Santa Rita do Jacutinga, na Zona da Mata. Glayson, seu primogênito, mudou-se para lá por causa da namorada. Mesmo com o término do relacionamento, ele acabou ficando. Está há 17 anos na cidadezinha. “Ele fica na cidade e eu moro em um vale com os meus cinco cachorros. É um paraíso, mas é bem diferente da vida em Copacabana, no asfalto selvagem onde eu vivia. A gente escuta até o silêncio. Vivo cercada pelas montanhas de Minas, uma experiência única, como o Neville costuma dizer”, ressalta, referindo-se ao cineasta belo-horizontino e parceiro em Rio Babilônia (1982) e Matou a família e foi ao cinema (1991).

Neville, inclusive, vai participar ao de Gladys de uma roda de conversa durante a CineOP. “Tenho um orgulho grande da minha carreira. Trabalhei com os principais nomes do cinema brasileiro.” Além de Neville, ela participou de filmes de Júlio Bressane, O anjo nasceu (1979) e Cuidado madame (1970); de Rogério Sganzerla, Sem essa, aranha (1970) – “o filme que mais me marcou” –; de Paulo César Saraceni, Anchieta, José do Brasil (1977); e de Ruy Guerra, Os fuzis (1964). Esse último, marco do Cinema Novo e premiado em Berlim.

“É muita gente. E ainda participei da dublagem de Deus e o Diabo na terra do sol, do meu querido Glauber Rocha. O Tárik de Souza (jornalista e crítico) escreveu que fui ícone do Cinema Novo e do cinema marginal. Isso é muito gratificante”, comemora.

No dia da abertura, os convidados que forem ao Cine Vila Rica terão a oportunidade de conferir uma preciosidade: o documentário Maria Gladys, uma atriz brasileira (1980), dirigido e roteirizado por Norma Bengell. A coordenadora da mostra Raquel Hallak destaca a importância da exibição do curta de 10 minutos. “Foi feito em 35mm e só tinha uma cópia em acervo. Digitalizamos especialmente para a mostra. Isso vem ao encontro a toda a luta da CineOP, que nesses anos todos trata o cinema como patrimônio e tem a preocupação de preservar acervos e a nossa história”, pontua.

Mesmo formalmente aposentada, Maria Gladys não pensa em parar. “Este ano, fiquei mais parada, mas nos projetos anteriores, como o Pé na cova, na Globo, que fiz com o Miguel (Falabella), meu grande amigo, pegava o ônibus e em duas horas estava no Rio”, conta. Logo depois do festival em Ouro Preto, vai gravar uma série de comédia para o Now (serviço de vídeo on demand).

A atriz se recorda de um momento marcante na televisão, a novela Vale tudo, que será reprisada a partir de 18 deste mês, na qual interpreta a doméstica Lucimar. “Ela foi inesquecível. Um presente que o Aguinaldo Silva me deu. Apesar de a novela ser dele e do Gilberto Braga, a Lucimar era escrita pelo Aguinaldo”, comenta.

Ela começa a falar de seu “último trabalho”. Mas logo se corrige. “O trabalho mais recente’’, diz. ‘‘Aprendi isso com o saudoso João Ubaldo Ribeiro, pois último trabalho fica parecendo que não vamos fazer mais nada”. O filme em questão é Quebranto (2017), longa-metragem do diretor mineiro José Sette, que terá pré-estreia na CineOP. “Se puder, vou trabalhar até morrer. A coisa que mais gosto no mundo é ser atriz. Minha filha, Maria Thereza, atua e minha neta, Mia Goth, foi pelo mesmo caminho. Ela é modelo, atriz e fez filme do Lars von Trier, Ninfomaníaca: Volume 2. É muito bom saber que a gente fez a escolha certa.”


• Destaques da CineOP

» 13/6
18h – Centro de Convenções
• Exposição sobre preservação, história e educação em imagens

» 14/6
20h30 – Cine Vila Rica
• Abertura: Homenagem a Maria Gladys e exibição dos filmes Maria Gladys, uma atriz brasileira e Sem essa, aranha.

» 15/6
20h – Cine Vila Rica
Exibição do documentário Tempo congelado, de Bill Morrison

» 16/6
16h – Centro de Convenções
• Roda de conversa com Tom Zé
22h – Sesc Cine-Lounge Show
• Show Noite Tropicália 3, com Tom Zé e banda e DJ Braz Micthell

» 17/6
19h – Cine-Praça
• Exibição de Fevereiros, filme de Márcio Debellian

Shows e debates completam a programação


Há 13 edições a CineOP é um evento especial no calendário de festivais e mostras de cinema no Brasil. Mais uma vez, reafirma o propósito de discutir a produção audiovisual do país, com ênfase nas relações históricas dessa linguagem e, especialmente, a preservação. “É uma iniciativa pioneira, pois agrega valor de patrimônio à sétima arte”, afirma a coordenadora Raquel Hallak.

Com programação gratuita, o festival se concentra em três focos: preservação, história e educação. Serão exibidos 134 filmes. O Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e o Encontro da Educação, promovem debates entre profissionais dessas áreas. Raquel ressalta que, entre os convidados, está o artista norte-americano Bill Morrison, que vai exibir o longa Dawson City – Tempo congelado (2016). O documentário apresenta a bizarra história de uma coleção de 533 filmes dos anos 1910 e 1920 que ficaram perdidos por 50 anos. Foram descobertos enterrados em uma piscina.

A temática histórica tem o tema “Vanguarda tropical: cinema e outras artes”, com foco no diálogo entre as diferentes linguagens artísticas na época em que a efervescência da Tropicália era ofuscada pelo endurecimento do regime militar com o Ato Institucional N° 5 (AI-5), em 1968.

A programação artística terá show e roda de conversa com Tom Zé, apresentação do grupo mineiro Cabezas Flutuantes com participação da cantora pernambucana Karina Buhr, e show do músico paraense Felipe Cordeiro.

CINEOP – MOSTRA DE CINEMA DE OURO PRETO

De 13 a 18 de junho, em Ouro Preto. Programação gratuita. Informações: cineop.com.br.

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