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Em meio a escândalos de assédio, Hollywood tenta 'errar melhor'


Numa noite de muitos discursos, duas imagens foram os momentos mais eloquentes do Oscar 2018, como convém a uma celebração do cinema. Quando Faye Dunaway e Warren Beatty subiram ao palco para anunciar – de novo – o vencedor de melhor filme, a plateia se pôs de pé para aplaudi-los. Era Hollywood demonstrando como lida com seus próprios erros. Nesse caso, com a compaixão e a persistência próprias do conselho atribuído ao dramaturgo Bertolt Brecht: “Da próxima vez, erre melhor”.

Em 2017, Dunaway e Beatty protagonizaram o mais vexaminoso erro imaginável numa cerimônia do Oscar, ao anunciar um vencedor de melhor filme que não o era. Como todos bem se lembram, o equívoco só foi corrigido depois que a equipe de La la land – Cantando estações, já em meio aos agradecimentos públicos, se deu conta de que o verdadeiro vencedor era Moonlight – Sob a luz do luar.

Mas o correr do ano de 2017 demonstrou que havia deslizes bem maiores nos bastidores de Hollywood, assim como práticas criminosas, que se tornaram rotina e permaneceram encobertas por um pacto de silêncio entre as vítimas (aterrorizadas pela perspectiva de perder suas carreiras) e os algozes (certos de sua impunidade), nos casos de assédio sexual.

Aqui, cabe lembrar outra frase, do vencedor do Oscar 2016. Quando, em Spotlight, o jornalista investigativo Mike Rezendes (Mike Ruffalo), autor da série de reportagens do Boston Globe sobre o escândalo de pedofilia na Igreja Católica, se dá conta da extensão dos abusos, ele conclui que, para que a situação chegasse a esse ponto, era preciso que metade da cidade virasse a cara para o outro lado e fingisse não estar vendo nada.

FINGIR 
Desde a eclosão das denúncias contra o produtor Harvey Weinstein, uma boa parte da comunidade cinematográfica de Hollywood decidiu que não queria mais fingir que nada estava acontecendo. Os movimentos #MeToo e #Time’sUp, de combate ao assédio e incentivo à igualdade de gênero, ganharam visibilidade e dominaram premiações como o Globo de Ouro, em que todos os convidados se vestiram de preto, emulando um funeral.

Só que parar de fingir é uma questão complexa numa indústria cujo combustível é a ilusão. Os índices de audiência estão em queda desde que a turbulenta corrida eleitoral americana vencida por Donald Trump ganhou o primeiro plano nas cerimônias antes movidas a glamour e futilidades.
Segundo o Instituto Nielsen, o Oscar 2017 teve a segunda menor audiência nos EUA desde 1974. Dados prévios sobre a festa de domingo passado apontam uma queda de 16% de audiência em relação a 2017.

Portanto, mesmo com o Time’s Up abrindo mão do “código de vestimenta” que determinou o preto nos eventos anteriores, num sinal de que a noite do Oscar poderia suavizar o tom aguerrido, uma grande parcela do público não voltou a se interessar a ver o Oscar de fora. No lado de dentro, a vastidão das denúncias instaurou um clima de medo na comunidade cinematográfica, ao estilo de ‘quem será o próximo’, como apontou o humorista e mestre de cerimônias Jimmy Kimmel em entrevista à Vanity Fair. E o medo não deixa as pessoas propensas a rir, observa ele. Mas convenhamos que uma reunião de pessoas tensas não é exatamente o tipo de diversão que um espectador procura na TV no domingo à noite.

Embora Hollywood pareça disposta a corrigir seus problemas e consertar sua imagem, há o dilema de como promover esse “renascimento” sem necessariamente passar pela etapa da “morte”. A perspectiva de extinção tornou-se bastante concreta para a empresa dos irmãos Weinstein (The Weinstein Company, com 150 empregados diretos), depois que quase uma centena de mulheres relataram ter sido vítimas de assédio e abuso de poder por parte de Harvey Weinstein.

A falência da companhia chegou a ser anunciada, até que um consórcio liderado por Maria Contreras-Sweet fechou acordo para aquisição e reformulação da empresa. Entre as regras do acordo, Harvey Weinstein não poderá lucrar com o negócio, haverá um fundo para compensação de suas vítimas e o novo conselho diretor será formado majoritariamente por mulheres.

Ou seja, ao menos nesse caso específico, uma saída foi encontrada.
No Oscar de domingo, a atriz Frances McDormand, que levou a estatueta por sua interpretação da mulher que busca justiça em Três anúncios para um crime, sugeriu o que pode ser um caminho. Pediu aos homens presentes que não convidassem as mulheres para beber e festejar nas celebrações pós-entrega dos prêmios, mas sim as chamassem aos seus escritórios para ouvir seus projetos.

Antes de dizer isso, Frances promoveu a segunda cena mais eloquente da noite, ao convidar todas as indicadas ao prêmio a ficar de pé no teatro. Sem discurso, a imagem de diversas mulheres se levantando e aplaudindo a iniciativa (Meryl Streep à frente) disse aquilo que o #Time’s Up procura ressaltar: é preciso enxergar e reconhecer o lugar das mulheres..