Conheça as categorias técnicas que disputam o Oscar e são ignoradas pelo público

Design de produção, mixagem de som, fotografia e edição são fundamentais para um bom filme, afirmam especialistas

por Ana Clara Brant 04/03/2018 11:00
Sony Pictures/divulgação
'Blade runner '2049 pode ganhar o Oscar nas categorias efeitos visuais e fotografia (foto: Sony Pictures/divulgação)
Quem assistiu ao filme 'A forma da água', dirigido pelo mexicano Guillermo del Toro, certamente se impressionou com o esmero dos cenários de encher os olhos, os detalhes da decoração e os objetos de cena. Para cuidar dessa estética que provoca arrebatamento visual, há um departamento específico, encarregado do design de produção.

“O designer cuida de tudo relacionado à execução do filme. De cronograma, cenários e figurinos à decoração dos sets, pois o setor engloba direção de arte, reconstituição de época e a complexidade da produção. Isso fica evidente mesmo para um leigo”, explica o professor Guigo Pádua, montador de cinema.

Contando a inusitada história de amor entre uma faxineira muda (Sally Hawkins) e uma criatura anfíbia (Doug Jones), A forma da água concorrerá, neste domingo, a 13 estatuetas na maior festa do cinema – entre elas, a de design de produção. Em fevereiro, o longa de Del Toro levou o troféu na mesma categoria concedido pelo Bafta, o “Oscar britânico”.

Esta noite, as atenções do mundo se voltarão para os envelopes tidos como “mais relevantes” – melhor filme, diretor, roteiro, atriz e ator, por exemplo. Porém, o Oscar tem 24 categorias. “A maioria delas passa batido. Grande parte das pessoas não se preocupa com fotografia, som, mixagem. Acho que quanto mais elas ficarem ‘invisíveis’ melhor, sobretudo as modalidades técnicas. Isso significa que aí, sim, houve imersão total do espectador naquele filme”, defende Guigo Pádua. Porém, ele destaca: todas são fundamentais para uma boa obra.

Cláudio Costa Val, diretor da Escola Livre de Cinema, atribui o desinteresse à desinformação do público. “Muita gente não tem ideia do que essas categorias significam. Historicamente, os prêmios principais são os mais cobiçados e os técnicos ficam meio à margem, parecem menos nobres. Mas não é verdade. O filme é o conjunto da obra”, reforça.

INTEGRAÇÃO O diretor de som Glaydson Mendes lembra que cinema é um processo colaborativo. “Um filme é a integração de todas as áreas. O motorista da van, o cozinheiro, o faxineiro, o assistente de produção, o microfonista, o foquista, o maquiador, o editor, os diretores, enfim, todos estão ali para somar. São igualmente necessários para a realização daquele projeto. É importante haver hierarquia, em termos de tomada de decisão, mas não acho coerente classificar um setor como mais importante do que o outro”, reforça.

A fotografia, para muitos, é a alma de uma produção cinematográfica. Cláudio Costa Val recomenda ao público reparar nos detalhes. “Em um filme, tirando o som, tudo o que não é físico é fotografia. O diretor de fotografia é responsável pelo modo como as imagens serão vistas na tela. Cabe a ele definir e manter o padrão técnico e artístico do que se vê”, explica.

O processo envolve enquadramento ideal, profundidade de campo, foco, tonalidades e cores, além da escolha de equipamentos – de câmeras e lentes ao equipamento de iluminação. “O diretor de fotografia trabalha diretamente com o diretor-geral, o diretor de arte e o roteirista”, lembra Costa Val.

BLADE RUNNER O especialista elogia a fotografia do longa Blade runner 2049, a favorita para o Oscar deste ano e vencedora do Bafta, no mês passado. “A gente percebe o enquadramento, o movimento de câmeras, as cores, as luzes. É bem interessante”, comenta.

O diretor de fotografia de Blade runner 2049, Roger Deakins, chegou recomendar ao público conferir o filme nas salas 2D: “Minha versão preferida é a widescreen 2D padrão. Um problema que tenho com alguns sistemas de visualização é o uso de telas prateadas. A imagem projetada em uma tela prateada não tem saturação e densidade. Isso pode não ser tão aparente para alguém sentado no centro da sala, mas é um compromisso, em termos de qualidade de imagem, a partir do local onde você estiver sentado.”

Com suas explosões, carros voadores e cidades fictícias, o filme dirigido por Denis Villeneuve está entre os mais cotados para levar o Oscar de efeitos visuais. Essa categoria se baseia na manipulação de imagens fotografadas. Os efeitos podem ser produzidos ou obtidos por meio de impressão ótica ou computação gráfica. “É tudo o que você não consegue fazer com a filmagem propriamente dita, exigindo o auxílio de algum artifício mecânico ou do computador”, explica o montador Guigo Pádua.

A edição é outro item fundamental para o sucesso de uma produção cinematográfica. O processo, aliás, já começa pelo roteiro. “Dependendo do roteiro, que pode ser linear ou não, a gente já sabe como o filme vai ser montado e editado. A edição define a estrutura e o ritmo da obra”, lembra Pádua.

Entenda cada categoria 


    DESIGN DE PRODUÇÃO

Cuida da locação onde o filme será rodado – externa ou dentro de um estúdio – e da aparência que o local deve ter. Ajuda a criar o clima da história e a compreender em que tipo de lugar os personagens vivem. Abrange também a direção de arte – estudo sobre a disposição de cenários, móveis, objetos e atores.

    FOTOGRAFIA

Responsável pela qualidade das imagens, com ângulos e enquadramentos semelhantes aos da fotografia. Abrange a sintonia de detalhes, iluminação, escolha de lentes e câmeras específicas, além do posicionamento dos atores e objetos em cena.

    EDIÇÃO

Ordenação das melhores cenas rodadas para que o filme faça sentido. Para isso, editores lançam mão do recorte e da colagem. Especialistas costumam dizer que se um filme tem boa edição, o espectador não vai percebê-la. Porém, se ele questionar se uma cena faz sentido para a história ou o porquê de ela estar ali, provavelmente há problemas de edição. Graças a ela, percebe-se a passagem do tempo em uma história, por exemplo.

    EFEITOS VISUAIS

Categoria ligada à área de efeitos especiais. Abrange técnicas envolvendo tanto efeitos criados por computação gráfica quanto aqueles inseridos na pós-produção. Também engloba recursos óticos, capazes de criar ilusão para o espectador embora as imagens não sejam reais.

    MIXAGEM DE SOM

Última etapa do processo de sonorização. Nela, decide-se quais sons devem ser priorizados. A mixagem é comparada à pontuação na escrita, dando ênfase a cada estado emocional que se transmite. Remete a vírgulas, exclamações, interrogações e pontos finais necessários a um discurso coerente.

    EDIÇÃO DE SOM

Compreende a edição de diálogos, dublagem de conversas, dublagem de efeitos sincrônicos ou foley (sons de passos, ruídos e portas se abrindo), pós-produção de efeitos sonoros, produção e registro da trilha sonora. O diretor de som Glaydson Mendes compara a edição de som à literatura: “É o processo de reunir todas as informações – frases, parágrafos e argumentos lógicos – para depois transmiti-las.”


Fontes: Guigo Pádua, Cláudio Costa Val, Glaydson Mendes, site oficial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e Pensar el sonido – Una introducción a la teoría y la práctica del lenguaje sonoro cinematográfico, livro de Samuel Larson Guerra

O mundo à parte do som


Warner/divulgação
'Os sons da guerra' deram o Bafta a Dunkirk, que hoje briga pelo Oscar (foto: Warner/divulgação)
As categorias técnicas estão presentes nas premiações do Oscar desde a primeira cerimônia, em maio de 1929. Na época, uma estatueta era destinada à melhor entretitulagem. Ou seja, entretítulos, diálogos e textos que surgiam na tela para facilitar a compreensão das cenas de filmes mudos.

A era do cinema falado pôs fim a essa categoria, trazendo consigo a edição de som. Especialista no setor, Glaydson Mendes explica que se trata de algo complexo, “um mundo à parte”. O som direto é registrado ao vivo no momento da filmagem, captando tudo o que se ouve no set ou locação e correspondente a cada plano. Pode conter diálogos, ambientes, sons incidentais, efeitos e até música.

“Entretanto, também pode captar sons indesejados que soaram no entorno, como o alarme de um carro, um trovão, a sirene de uma escola. Por isso, é comum a banda sonora de um filme conter a mistura entre som direto e sons adicionais, gravados antes ou depois das rodagens”, detalha Mendes.

PASSOS Enquanto os diálogos marcam a presença da palavra falada, sons incidentais são aqueles produzidos pela ação dos personagens – passos, abraços, ruídos de roupas e manipulação de objetos, por exemplo. “Eles podem ser registrados como parte do som direto ou reproduzidos posteriormente em estúdio”, esclarece o especialista.

Por sua vez, efeitos são os sons produzidos por veículos, explosões, disparos, aparelhos eletrodomésticos ou industriais. Também há aqueles não realistas, como a sonoridade do espaço sideral, efeitos dramáticos dos filmes de terror, ruídos de criaturas fantásticas ou vindos de elementos da natureza.

A Academia de Hollywood premia duas categorias nessa área: mixagem de som e edição de som. A primeira está mais atrelada à captação e à montagem de sons, enquanto à edição cabe o papel de deixar tudo em seus devidos lugares.

Disney/divulgação
Parceria entre som e imagem se destaca em Star Wars - Os últimos Jedi (foto: Disney/divulgação)


“O som é um sentido de que poucos de nós tomamos consciência, ainda mais nesta época de bombardeio de imagens. O cinema é um contrato audiovisual, feito para os olhos e para os ouvidos. A beleza de um filme é saber jogar com ambos, ora para a visão, ora para a audição, com harmonia, completude, sutileza e elegância”, resume Glaydson Mendes.

Esta noite, os longas Dunkirk, sobre a retirada de tropas britânicas da França na 2ª Guerra Mundial, Star Wars – Os últimos Jedi, oitavo episódio da série lançada por George Lucas em 1977, e Blade runner 2049 estarão na briga pelo Oscar nas categorias mixagem de som e edição de som.

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