Contando a inusitada história de amor entre uma faxineira muda (Sally Hawkins) e uma criatura anfíbia (Doug Jones), A forma da água concorrerá, neste domingo, a 13 estatuetas na maior festa do cinema – entre elas, a de design de produção. Em fevereiro, o longa de Del Toro levou o troféu na mesma categoria concedido pelo Bafta, o “Oscar britânico”.
Esta noite, as atenções do mundo se voltarão para os envelopes tidos como “mais relevantes” – melhor filme, diretor, roteiro, atriz e ator, por exemplo. Porém, o Oscar tem 24 categorias. “A maioria delas passa batido. Grande parte das pessoas não se preocupa com fotografia, som, mixagem.
Cláudio Costa Val, diretor da Escola Livre de Cinema, atribui o desinteresse à desinformação do público. “Muita gente não tem ideia do que essas categorias significam. Historicamente, os prêmios principais são os mais cobiçados e os técnicos ficam meio à margem, parecem menos nobres. Mas não é verdade. O filme é o conjunto da obra”, reforça.
INTEGRAÇÃO O diretor de som Glaydson Mendes lembra que cinema é um processo colaborativo.
A fotografia, para muitos, é a alma de uma produção cinematográfica. Cláudio Costa Val recomenda ao público reparar nos detalhes. “Em um filme, tirando o som, tudo o que não é físico é fotografia. O diretor de fotografia é responsável pelo modo como as imagens serão vistas na tela. Cabe a ele definir e manter o padrão técnico e artístico do que se vê”, explica.
O processo envolve enquadramento ideal, profundidade de campo, foco, tonalidades e cores, além da escolha de equipamentos – de câmeras e lentes ao equipamento de iluminação.
BLADE RUNNER O especialista elogia a fotografia do longa Blade runner 2049, a favorita para o Oscar deste ano e vencedora do Bafta, no mês passado. “A gente percebe o enquadramento, o movimento de câmeras, as cores, as luzes. É bem interessante”, comenta.
O diretor de fotografia de Blade runner 2049, Roger Deakins, chegou recomendar ao público conferir o filme nas salas 2D: “Minha versão preferida é a widescreen 2D padrão. Um problema que tenho com alguns sistemas de visualização é o uso de telas prateadas. A imagem projetada em uma tela prateada não tem saturação e densidade. Isso pode não ser tão aparente para alguém sentado no centro da sala, mas é um compromisso, em termos de qualidade de imagem, a partir do local onde você estiver sentado.”
Com suas explosões, carros voadores e cidades fictícias, o filme dirigido por Denis Villeneuve está entre os mais cotados para levar o Oscar de efeitos visuais. Essa categoria se baseia na manipulação de imagens fotografadas. Os efeitos podem ser produzidos ou obtidos por meio de impressão ótica ou computação gráfica. “É tudo o que você não consegue fazer com a filmagem propriamente dita, exigindo o auxílio de algum artifício mecânico ou do computador”, explica o montador Guigo Pádua.
A edição é outro item fundamental para o sucesso de uma produção cinematográfica. O processo, aliás, já começa pelo roteiro.
Entenda cada categoria
DESIGN DE PRODUÇÃO
Cuida da locação onde o filme será rodado – externa ou dentro de um estúdio – e da aparência que o local deve ter. Ajuda a criar o clima da história e a compreender em que tipo de lugar os personagens vivem. Abrange também a direção de arte – estudo sobre a disposição de cenários, móveis, objetos e atores.
FOTOGRAFIA
Responsável pela qualidade das imagens, com ângulos e enquadramentos semelhantes aos da fotografia. Abrange a sintonia de detalhes, iluminação, escolha de lentes e câmeras específicas, além do posicionamento dos atores e objetos em cena.
EDIÇÃO
Ordenação das melhores cenas rodadas para que o filme faça sentido. Para isso, editores lançam mão do recorte e da colagem. Especialistas costumam dizer que se um filme tem boa edição, o espectador não vai percebê-la. Porém, se ele questionar se uma cena faz sentido para a história ou o porquê de ela estar ali, provavelmente há problemas de edição. Graças a ela, percebe-se a passagem do tempo em uma história, por exemplo.
EFEITOS VISUAIS
Categoria ligada à área de efeitos especiais. Abrange técnicas envolvendo tanto efeitos criados por computação gráfica quanto aqueles inseridos na pós-produção.
MIXAGEM DE SOM
Última etapa do processo de sonorização. Nela, decide-se quais sons devem ser priorizados. A mixagem é comparada à pontuação na escrita, dando ênfase a cada estado emocional que se transmite. Remete a vírgulas, exclamações, interrogações e pontos finais necessários a um discurso coerente.
EDIÇÃO DE SOM
Compreende a edição de diálogos, dublagem de conversas, dublagem de efeitos sincrônicos ou foley (sons de passos, ruídos e portas se abrindo), pós-produção de efeitos sonoros, produção e registro da trilha sonora. O diretor de som Glaydson Mendes compara a edição de som à literatura: “É o processo de reunir todas as informações – frases, parágrafos e argumentos lógicos – para depois transmiti-las.”
Fontes: Guigo Pádua, Cláudio Costa Val, Glaydson Mendes, site oficial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e Pensar el sonido – Una introducción a la teoría y la práctica del lenguaje sonoro cinematográfico, livro de Samuel Larson Guerra
O mundo à parte do som
A era do cinema falado pôs fim a essa categoria, trazendo consigo a edição de som. Especialista no setor, Glaydson Mendes explica que se trata de algo complexo, “um mundo à parte”. O som direto é registrado ao vivo no momento da filmagem, captando tudo o que se ouve no set ou locação e correspondente a cada plano. Pode conter diálogos, ambientes, sons incidentais, efeitos e até música.
“Entretanto, também pode captar sons indesejados que soaram no entorno, como o alarme de um carro, um trovão, a sirene de uma escola. Por isso, é comum a banda sonora de um filme conter a mistura entre som direto e sons adicionais, gravados antes ou depois das rodagens”, detalha Mendes.
PASSOS Enquanto os diálogos marcam a presença da palavra falada, sons incidentais são aqueles produzidos pela ação dos personagens – passos, abraços, ruídos de roupas e manipulação de objetos, por exemplo. “Eles podem ser registrados como parte do som direto ou reproduzidos posteriormente em estúdio”, esclarece o especialista.
Por sua vez, efeitos são os sons produzidos por veículos, explosões, disparos, aparelhos eletrodomésticos ou industriais. Também há aqueles não realistas, como a sonoridade do espaço sideral, efeitos dramáticos dos filmes de terror, ruídos de criaturas fantásticas ou vindos de elementos da natureza.
A Academia de Hollywood premia duas categorias nessa área: mixagem de som e edição de som. A primeira está mais atrelada à captação e à montagem de sons, enquanto à edição cabe o papel de deixar tudo em seus devidos lugares.
“O som é um sentido de que poucos de nós tomamos consciência, ainda mais nesta época de bombardeio de imagens. O cinema é um contrato audiovisual, feito para os olhos e para os ouvidos. A beleza de um filme é saber jogar com ambos, ora para a visão, ora para a audição, com harmonia, completude, sutileza e elegância”, resume Glaydson Mendes.
Esta noite, os longas Dunkirk, sobre a retirada de tropas britânicas da França na 2ª Guerra Mundial, Star Wars – Os últimos Jedi, oitavo episódio da série lançada por George Lucas em 1977, e Blade runner 2049 estarão na briga pelo Oscar nas categorias mixagem de som e edição de som..