Longas brasileiros que competem no Festival de Sundance tratam de jovens em situações desafiadoras

Diretores falam sobre seus filmes e a participação na mostra

por Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Ricardo Daehn 20/01/2018 10:00
FOTOS: GLOBO FILMES/DIVULGAÇÃO
Adriana Esteves e Karine Teles em cena de Benzinho, de Gustavo Pizzi, um dos dois longas brasileiros que competem no festival americano (foto: FOTOS: GLOBO FILMES/DIVULGAÇÃO)

O diretor Aly Muritiba recebeu, há quatro anos, o aval do Festival de Sundance para desenvolver o roteiro de seu longa-metragem Para minha amada morta. Hoje (20) ele retorna à mostra norte-americana como competidor com seu novo filme, Ferrugem, cuja trama enfoca a história de adolescentes, a partir do vazamento de fotos íntimas de uma garota cujo namorado lida em casa com o processo de separação dos pais.

“A chancela anterior de Sundance acabou ajudando o filme (Para minha amada morta) a circular mais. O evento aparece como o grande festival norte-americano, muito voltado para o cinema independente. Ali foram revelados diretores como Quentin Tarantino, Robert Eggers (A bruxa), Damien Chazelle (La la land – Cantando estações). Então, estar ali significa estar em foco num dos maiores mercados de cinema do mundo”, afirma.

A participação brasileira em Sundance conta ainda com Benzinho, cuja protagonista, Karine Teles, é conhecida do festival pelo premiado Que horas ela volta?. “Prêmio depende de júri, de contexto, de sorte. Fizemos Benzinho e estamos muito felizes e orgulhosos com o resultado. Ser selecionado para a competição internacional não é pouca coisa. São 12 filmes selecionados dentre milhares”, comenta o diretor Gustavo Pizzi. O filme é uma coprodução entre Brasil e Uruguai e tem ainda no elenco o grego (de nascimento) Konstantinos Sarris, na pele de um jovem que busca profissionalização no exterior.

PARTIDA Alternando graça e peso, sem ser exatamente drama ou comédia, Benzinho traz para o foco aspectos da adolescência de Fernando (Sarris). “Ele partirá de casa, mas, além disso, a história é contada a partir do ponto de vista da mãe (Teles, ex-mulher de Pizzi na vida real), que tem que aprender como lidar com a partida prematura do filho mais velho para um outro país, distante da realidade dela, no meio de uma avalanche de outros acontecimentos que alteram sua vida pessoal”, explica o diretor. Tratando de dificuldades, Benzinho promete ser esperançoso. “Tudo se passa em Petrópolis, uma cidade serrana do Estado do Rio. Nela temos uma família de classe média baixa que luta para seguir com seus objetivos com dignidade”, diz.

O longa de Gustavo Pizzi passa ao largo da capital do Rio de Janeiro. “Acho que ele retrata a vida da maior parte dos brasileiros: não é exatamente pobre nem rica. Vive não exatamente no centro onde tudo acontece, mas muito próximo disso. A presença da ‘capital’, do centro cultural e econômico na vida de quem não faz parte dele é sempre muito influenciadora”, comenta Pizzi. Impactante também é a representação do Brasil, em cinema, pelo que opina. “A partir dos filmes inseridos no mercado internacional, a maneira com que o Brasil tem sido visto lá fora tem mudado. Temos conseguido uma presença massiva nos principais festivais de cinema do mundo e entrada importante nos circuitos comerciais mais fortes do planeta.”

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Uma crise familiar está instalada na casa do namorado de garota que tem fotos íntimas vazadas em Ferrugem

Embora não demonstre otimismo em relação ao resultado da competição em Sundance, Pizzi aposta  estar cercado de filmes fantásticos, inclusive Ferrugem, de Aly Muritiba. “Admiro muito o trabalho dele. Estaremos na competição com um filme grego que tem roteiro do Efthimis Filippou (corroteirista de The lobster) e ainda com estreias na direção como a de Idris Elba (Yardie) e Cathy Yan (Dead pigs). Esse longa tem produção do Jia Zhang-ke, um dos mais importantes cineastas em atividade hoje no mundo.”.

Nos bastidores, um trabalho em família, literalmente, respaldou Benzinho: Pizzi filmou com os próprios filhos (gêmeos) e com a ex-mulher. “Foi uma experiência e tanto ter os meninos com a gente e num modo tão ativo. Ao mesmo tempo, é sempre um desafio dirigir crianças em filmes e ainda mais os seus próprios filhos! Mesmo complicada, foi a melhor decisão que tomamos. Nós trabalhamos muito com as crianças do filme de um jeito muito lúdico, com um entendimento geral sobre o filme, o universo, mas nunca dando texto para eles decorarem”, explica.

Se nos improvisos e nas nuances impensadas as crianças surpreenderam, Karine Teles voltou a provar seu talento de atriz. “Nós nos separamos, mas criamos nossos filhos numa parceria muito grande. Somos muito amigos. É um privilégio poder trabalhar com atores como a Karine, inteligente e criativa”, diz.

Quatro perguntas para...

ALY MURITIBA,
cineasta

Como você faz para atrair jovens espectadores?
Acredito que sejam ávidos por boas histórias. Então, se o filme tiver uma boa história, capaz de engajá-los, virão ao cinema. No entanto, há fatores nessa equação, como o poder do marketing e a comodidade, que é o que muitas vezes faz a balança pender para as séries ou games (que podem, eventualmente, contar boas histórias). Mas o cinema tem uma coisa ritualística que se aproxima muito das experiências transcendentes e religiosas, ou mesmo tribais, que nenhuma forma audiovisual atingiu.

Quão prudente você foi ao debater, em Ferrugem, a questão da exposição na internet? O ser humano ficou mais humano nadando em tecnologia?
Ao me preparar para realizar esse filme, tomei o cuidado de escutar aqueles para quem o mundo virtual nunca esteve dissociado do real, ou seja, jovens que nasceram no mundo pós-internet. E, ao fazê-lo, tentei não julgar. Acredito muito na importância da escuta. Ao exercer essa faculdade junto aos jovens com quem conversei no processo de escrita do roteiro de Ferrugem, me dei conta de que o mundo virtual, notadamente as redes sociais, nada mais é do que o reflexo maximizado de uma necessidade muito primal: a necessidade de estar junto, de ser aceito no grupo, de se expressar. Nesse sentido, o mundo virtual nos torna, em alguma medida, mais humanos, com tudo de bom e de ruim que isso implica. A pergunta que fica é: os jovens estão sendo preparados para lidar com todas as implicações que essa hiper-humanização das redes sociais oferece?

Em sua opinião, que impacto a representação da violência nas telas tem nos espectadores?

Acho que qualquer representação na tela é poderosa. A imagem em movimento já provou ser forte o suficiente para difundir ou sustentar regimes políticos, além de moldar mentalidades e expandir/impôr modelos culturais. Leni Riefenstahl, Sergei Eisenstein ou Hollywood estão aí para comprovar. Então, mostrar a violência pode ser tanto espetáculo quanto pedagogia. Isso vai depender muito da forma e a que serve a imagem violenta. Não faço filmes para passar mensagens, mas obviamente espero que Ferrugem suscite debates.

Como encara o fato de representar o Brasil lá fora em um período tão tumultuado?

Para todos os efeitos, esse é um filme brasileiro e me orgulho muito de representar meu país nos festivais por onde passo. Mas se a pergunta fosse acerca desse governo ilegítimo que aí está, a resposta seria, não, Ferrugem não tem nada a ver com ele.

Redford vê "ponto de  inflexão" em Hollywood


Criador e presidente do Festival de Sundance, o ator e diretor americano Robert Redford afirmou que os movimentos #MeToo e Time’s Up, criados para chamar atenção para o tema do abuso sexual e combatê-lo, são um “ponto de inflexão” para uma mudança em Hollywood a favor da igualdade das mulheres e da intolerância a uma conduta sexual imprópria.

“Do meu ponto de vista, mudar é inevitável, e a mudança está a caminho. Estou muito motivado neste momento”, disse Redford, de 81 anos, no lançamento da edição 2018 do Festival de Sundance, que começou na quinta passada e segue até o dia 28.

“O que está provocando é que haja mais oportunidades para as mulheres no cinema para fazer ouvir suas próprias vozes e ter seus próprios projetos. Estou muito entusiasmado com isso”, disse. Duas vezes vencedor do Oscar, Redford observou que as mulheres estão se opondo ao assédio e reivindicando pagamentos iguais, obrigando o poder tradicional masculino da indústria do cinema a mudar.

“É uma espécie de ponto de inflexão, porque está mudando a ordem das coisas, assim as mulheres estão fortalecendo sua voz. O papel dos homens agora seria escutar e deixar que as vozes das mulheres sejam ouvidas e pensar sobre isso, para talvez discutir entre eles mesmos”, acrescentou o ator.

TIZIANA FABI/AFP
Criador do Festival de Sundance, ator afirmou na abertura do evento que "a ordem das coisas está mudando" na indústria do cinema a partir das campanhas contra o assédio (foto: TIZIANA FABI/AFP)

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