'Me chame pelo seu nome' mostra romance homoafetivo em trilogia 'Desejo'

Do diretor Luca Guadagnino, filme estreia hoje mostra adolescente que se apaixona por um aluno de seu pai, que faz residência de verão na mansão da família, no Norte da Itália

por Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Mariana Peixoto 18/01/2018 08:00
SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO
Os atores Armie Hammer e Timothée Chalamet em cena do longa filmado na Itália (foto: SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO)
O desejo é um grande tema na obra do cineasta italiano Luca Guadagnino, tanto é assim que foi trabalhado de diferentes maneiras na trilogia Desire. Em tons trágicos, Um sonho de amor (2009), mostra a passional relação de uma mulher casada – com um industrial e mãe de três filhos – com um jovem chef. Um mergulho no passado (2015) é carregado de tensão sexual, ao mostrar o encontro de quatro pessoas numa praia italiana. Os dois têm como protagonista Tilda Swinton.

Com Me chame pelo seu nome (do original Call me by your name, uma das falas do filme), que chega hoje aos cinemas, Guadagnino encerra a trilogia. É também um filme sobre o desejo. Mais ainda, sobre a descoberta do amor e, principalmente, sobre como nos portamos ao perceber que o desejo e o sentimento não devem ser externados.

Nascido a partir do livro homônimo de André Aciman (leia mais nesta página), o filme conta a história do romance entre um adolescente (Elio, papel de Timothée Chalamet, ator norte-americano de ascendência franco-russa) e um homem mais velho, mas não tanto assim (Oliver, papel de Armie Hammer, de A rede social e O agente da U.N.C.L.E.). O roteiro foi adaptado por James Ivory, veterano diretor conhecido por filmes de época como Uma janela para o amor (1985) e Vestígios do dia (1993).

Já colecionando dezenas de prêmios – além de indicações ao Globo de Ouro e ao Bafta – é também uma das apostas para o Oscar (os indicados serão anunciados terça-feira). Seu produtor é o brasileiro Rodrigo Teixeira, da RT Features.

A Itália que Guadagnino apresenta neste filme é idílica, em mais de um sentido. No verão de 1983, em uma pequena vila na Lombardia, no Norte do país europeu, Elio, de 17 anos, espera a chegada de mais um hóspede de seu pai. Este, professor de história da arte, recebe a cada verão um novo estudante para uma residência temporária.

POLIGLOTAS

Na temporada de calor, a família Perlman (Elio e os pais) passa seus dias vagarosamente. Judeus discretos, que convivem com diferentes religiões e crenças sem qualquer distinção, os três falam italiano, inglês e francês com igual fluência. Leem muito, ouvem música com total dedicação (Elio toca piano clássico e também compõe). Os dias são tão perfeitos que facilmente resvalam no tédio.

A chegada do americano Oliver – atraente para homens e mulheres, jovens e velhos – abala as estruturas. Apenas sete anos separam Oliver de Elio – o que é um abismo para um jovem que começa a conhecer o mundo. A imediata antipatia do homem mais jovem pelo mais velho – que lhe tomou o quarto e as atenções do pequeno grupo que cerca os Perlman – esconde uma admiração que rapidamente vai se transformar em desejo.

Guadagnino não tem pressa. Vai descortinando a relação aos poucos, mostrando um detalhe aqui e outro ali da proximidade do casal. Os corpos masculinos, sempre em destaque, são apresentados em planos longos, num diálogo com as esculturas romanas que tanto atraem Oliver e o professor Perlman.

A relação é iminente, assim como a separação. Elio sabe que a presença de Oliver em sua vida é temporária – um later (até mais), despedida do norte-americano considerada descuidada pelos italianos, vira marca do personagem.

Elio não tem medo de exprimir seu desejo por outro homem, mas sim de não ser correspondido por ele. Quando finalmente os dois se encontram, os não ditos da primeira hora do filme viram as certezas que vão fazer do romance um marco na vida do jovem. Oliver, afinal, a despeito de toda a perfeição aparente, também tem suas próprias dúvidas.

Ator que tem neste filme sua grande chance – está também no elenco de Lady Bird, outra produção bem cotada para a temporada 2018 de prêmios –, Timothée Chalamet interpreta Elio sem pudor. Consegue, com inteligência, mostrar a dimensão do personagem: um jovem que, em meio às descobertas comuns da adolescência, vive sua primeira paixão.

Sem muitas viradas dramáticas, Me chame pelo seu nome tem seu grande momento já na parte final. Michael Stuhlbarg (outro ator recorrente na temporada atual de premiações, está no elenco de The Post – A guerra secreta e A forma da água), intérprete do professor Perlman, tem no diálogo com o personagem de Chalamet um dos momentos mais bonitos (e sinceros e emotivos) da produção recente. “Agora, há tristeza, dor. Não mate com isso a alegria que você sentiu.” Não poderia haver ensinamento maior de um pai para um filho que está descobrindo o mundo.



ATOR RENEGA WOODY ALLEN

Protagonista de Me chame pelo seu nome, o ator Timothée Chalamet está também no elenco de Rainy day in New York, filme inédito de Woody Allen. Depois de diversas atrizes dizerem que se arrependeram de trabalhar com Allen, Chalamet anunciou nesta semana que doará o cachê que recebeu pelo filme ao movimento Time’s Up, iniciativa de combate ao assédio sexual e ao abuso de poder em Hollywood.

Em 1992, quando Allen e Mia Farrow travavam na Justiça uma batalha pela guarda de seus dois filhos adotivos – Dylan e Moses –, o cineasta foi acusado por Mia e Dylan de ter molestado a garota, então com 7 anos de idade. A investigação policial não apontou evidências do crime e levantou a suspeita de Dylan ter sido manipulada pela mãe para fazer a acusação. O caso foi encerrado sem acusação formal ao cineasta.

Em 7 de dezembro do ano passado, Dylan Farrow publicou um artigo no Los Angeles Times, lamentando que seu pai tenha sido poupado por Hollywood, diferentemente do que ocorreu com o produtor Harvey Weinstein e o ator Kevin Spacey, que perderam seu lugar na indústria cinematográfica desde que se tornaram públicas acusações de assédio contra eles.

Ontem, Dylan deu uma entrevista a uma TV americana na qual afirmou ter o direito de sentir “raiva e revolta por todos esses anos sendo ignorada e desacreditada”. Algumas das atrizes que afirmaram ter se arrependido de trabalhar com Allen – Ellen Page, Greta Gerwig, Mira Sorvino, Rebecca Hall – afirmaram ter-se dado conta de que sua colaboração profissional com o diretor contribuiu para reforçar os sentimentos de Dylan de ter sua denúncia ignorada.

“Estou aprendendo que um bom papel não é o único critério para aceitar um trabalho. Tornou-se muito mais claro para mim, nos últimos meses, tendo testemunhado o nascimento de um poderoso movimento que tem como objetivo acabar com a injustiça, a desigualdade e, acima de tudo, o silêncio”, publicou Chalamet em sua conta no Instagram.

O ator disse que tem sido questionado sobre a decisão de trabalhar com Allen. Afirma que não pode responder à questão diretamente, por obrigações contratuais. “Mas o que posso dizer é o seguinte: não quero lucrar com o meu trabalho nesse filme.”

Chalamet concorreu ao Globo de Ouro de melhor ator por seu papel em Me chame pelo seu nome. A produção do filme tem a expectativa de indicações ao Oscar, na próxima terça. Está subentendido em Hollywood que o posicionamento dos atores em relação às denúncias de assédio irá influenciar o resultado da temporada de prêmios.

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