Cineasta portuguesa Teresa Villaverde aborda tensão familiar em novo longa

'Colo', que estreou nesta semana no Brasil, captura a história de uma família que enfrenta o desemprego e a falta de perspectivas durante a crise

Silvana Arantes

Os atores João Pedro Vaz e Beatriz Batarda interpretam um casal de classe média que precisa lidar com a realidade do desemprego e da falta de dinheiro para despesas básicas. - Foto: Alce Filmes/Divulgação

“Para o bem de todos nós, a angústia e a depressão deviam vir com sinais externos de S.O.S., mas não vêm, são silêncios, quase silêncios em expansão. Foi um pouco isso que eu quis filmar”, afirma a portuguesa Teresa Villaverde, diretora de Colo, que estreou nesta quinta-feira, 23, no Brasil e está em cartaz em duas salas em Belo Horizonte – Belas Artes e Cine 104.

 

 

Na história, a angústia e a depressão atingem ora um, ora outro de todos os membros de uma família (um casal e sua filha adolescente), afetada pelo desemprego e pelo cerco crescente da falta de meios para manter seu padrão de consumo. No começo do mês, falta dinheiro para pagar o transporte; no fim, a conta de luz.

Com um olhar generoso para seus personagens em plena crise e uma direção firme no propósito de dar espessura ao silêncio, Teresa inclui em seu longa outras questões tão complexas como atuais, entre elas o “paradoxo” de os cidadãos contemporâneos não se identificarem com o próprio trabalho e, no entanto, terem a sensação de perda de identidade ao se verem sem emprego e o fato de a família já não ser uma “resposta” para os indivíduos em momentos de turbulência. São esses os temas da entrevista a seguir, que a diretora concedeu ao Estado de Minas.


Tendo como pano de fundo a crise econômica em Portugal, Colo coloca a lupa sobre os efeitos da debacle na vida de uma só família. No entanto, a câmera mantém uma distância respeitosa dos personagens, escolha que parece indicar sua decisão de não invadir a privacidade de quem atravessa um momento de desestabilização. Poderia comentar esses dois aspectos?

Concordo com uma certa ideia de distância, mas não a confundo com frieza, por exemplo. É mais fácil estarmos perto, no sentido físico da presença da câmera, quando o que estamos a filmar é a ação, a reação a alguma coisa. No caso desses personagens, o essencial está a passar-se dentro deles, não se vê nas suas ações e seus gestos.

No filme, seguimos sobretudo o pai e as alterações na sua vida – a falta de trabalho, o sentir-se um estorvo e, nele, tudo isso provoca angústia e o início de uma depressão paralisante. Para o bem de todos nós, a angústia e a depressão deviam vir com sinais externos de S.O.S., mas não vêm, são silêncios, quase silêncios em expansão. Foi um pouco isso que eu quis filmar.

O roteiro se concentra nos desdobramentos da crise, sem referência às suas causas ou ao manejo da situação por instâncias de governo. A ideia por trás dessa escolha é que esses elementos se fizessem fortes no filme pela sua própria ausência?

A crise econômica, ou melhor dizendo, a crise financeira como objeto geral não me interessou. Penso que sendo eu cineasta, e não economista, por exemplo, isso fez com que, mesmo sem pensar, me focasse numa família só, e nos efeitos do que essa coisa mais geral teve nessa família. Por exemplo, agora, a economia vai melhor, os números do desemprego estão a descer, e as pessoas já olham para o seu futuro com menos medo, mas acontece que muita gente ficou para trás e, como os números são positivos, essas pessoas ainda vão ficar mais isoladas, sentindo-se ainda mais inúteis e incapazes. E os números já nem sequer falam delas. Num país com tantos problemas sociais como é o Brasil, talvez, à primeira vista, possa até parecer duvidoso como foi possível tanta dor e angústia nesses anos mais complicados que atacaram sobretudo o Sul da Europa, mas a verdade é que foi mesmo assim, e ainda o é, só que agora mais escondido. Muita gente não aguentou essa pressão, essa angústia. É horrível, mas o suicídio foi para algumas pessoas a saída encontrada. As pessoas que já tinham crescido em liberdade, depois da revolução de 1974, pensaram que a vida ia sempre só melhorar. Não estavam preparadas para mudanças inesperadas.

Num momento em que Lisboa vem firmando a fama de ser uma capital europeia fervilhante e redesenhada por uma arquitetura moderna, você filma seus personagens em deambulações por amplos espaços vazios, privilegia os interiores e as construções antigas e frágeis, como a cabana do pescador. Esse é um comentário sobre o “progresso” do país?

A casa onde mora a família é, para Lisboa, um bairro residencial de classe média normalíssima.
A cabana do pescador é para mim outra coisa. Acaba por ser um casulo onde a filha se vai recolher até saber o que fazer, até tempos melhores, como se ela tivesse quase um desejo de hibernar. Penso que é importante que ela escolha um lugar que pertence a um pescador. Um homem que tem uma atividade absolutamente necessária a todos. Todos precisamos dos pescadores e talvez haja um número gigantesco de profissões que podíamos dispensar. A maior parte das pessoas trabalha em coisas com as quais não sonhou e das quais não vê muitas vezes a finalidade, nem o fim nem o princípio, trabalham algures no meio de uma engrenagem. E contudo, se perderem esse trabalho com o qual não se identificam, perdem a identidade. É um dos nossos paradoxos contemporâneos.

O estado de tensão/ansiedade é dominante nos três protagonistas. Você pediu a cada um dos atores que lidasse de modo diferente com essas emoções?

Cada um guarda em si um sentimento diferente. À mãe pedia-se uma certa frieza, a frieza de quem já só tem tempo de lidar com as coisas práticas, uma frieza que também vem do cansaço.
A filha é a que tem ainda revolta, uma energia mais positiva. Penso que o trabalho do João Pedro Vaz, que é sobretudo um ator de teatro, foi talvez o mais difícil, porque o mais sutil; ele era o que tinha menos ação. E os atores sabem bem que, às vezes, a imobilidade é o mais difícil de representar. Fiquei muito feliz com o trabalho dele.

Como você e o diretor de fotografia Acácio de Almeida chegaram à decisão sobre os tons que o filme teria e o uso do claro/escuro?

O filme tem muito mais interiores do que exteriores e uma parte importante do que é exterior é noite. Foi importante restringir o espaço, não deixar que a ação se dispersasse, e a luz ajuda muito isso. Embora de uma forma natural, a luz está sempre controlada, a casa é quente, mas quase vazia. Era importante sentir que os personagens estavam um pouco perdidos nos espaços, mesmo em casa, mas se não delimitássemos esses espaços não iríamos entender isso. Eles iriam desaparecer da nossa vista. Foi o que pensamos.

Embora a história de Colo seja a de uma derrocada, quando confrontados com seus limites os protagonistas encontram um modo de seguir em frente sem ultrapassá-los. E esse modo inclui a conformação de novos formatos de família. É essa a sua perspectiva para os nossos tempos?

É verdade que, no fim, a família se desintegra, mas sinto que aquilo é temporário, não é uma solução. Nenhum deles pode ficar para sempre nesse lugar para onde foi, e aqueles equívocos que surgem no final não se podem manter para sempre. Mas, sim, hoje, nas nossas sociedades, a família já não é a resposta, já não é um lugar para onde se volta. As pessoas foram-se dispersando pelas cidades. Não há o lugar parado no tempo para onde se podia voltar se alguma coisa corresse mal. As pessoas estão muito mais sozinhas e nem sempre sabem lidar com isso.

Colo será exibido no Brasil com legendas. Trata-se de um reconhecimento de que as diferenças entre os modos de falar o português em Portugal e no Brasil constituem uma “barreira linguística”?

Para nós, deste lado do mar, isso é sempre triste porque aqui em Portugal um filme brasileiro nunca passaria com legendas. Nós conhecemos a vossa maneira de falar diferente, até, muitas vezes, o vocabulário diferente. São diferenças que a nós parecem mínimas, e a vocês ainda não. Nós conhecemos os vossos grandes escritores, os vossos grandes músicos, os vossos grandes cineastas. Nós seguimos com muita preocupação as notícias que nos vão chegando do Brasil. Mas eu sinto que estamos cada vez mais próximos e o fato de Colo estrear aí já é um reflexo disso.

Em Berlim, você teve a chance de assistir a Joaquim, o longa brasileiro de Marcelo Gomes que também competiu pelo Urso de Ouro? O que achou do filme?

Uma coisa muita chata desses grandes festivais é que você não tem tempo de ir ver filme algum. Em Berlim, não vi nada. Tenho a certeza de que me voltarei a cruzar com o Joaquim e que o verei com enorme gosto.

 

Abaixo, confira o trailer de Colo

 

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