Ator e diretor francês faz rir ao contar sua própria experiência

Em 'Amor, Paris, cinema', Arnaud Viard faz graça com a tentativa de um diretor filmar um longa tendo que superar o rótulo de ator de TV, uma crise amorosa e o receio de brochar

por Silvana Arantes 28/09/2017 07:45

FÊNIX FILMES/DIVULGAÇÃO
(foto: FÊNIX FILMES/DIVULGAÇÃO)
Amor, Paris, cinema, que estreia nesta quinta (28) em duas salas de Belo Horizonte (Ponteio e Belas Artes), traz de volta às telas um tipo bastante específico (e relativamente raro) de filme: a adorável comédia francesa. Ou seja, é divertimento leve, mas não necessariamente descerebrado, como se tem, por exemplo, nos títulos de Agnès Jaoui (O gosto dos outros). Desta vez, é Arnaud Viard quem modula com grande habilidade as doses de humor e drama  numa história baseada em sua própria experiência como ator e diretor. Arnaud faz seu segundo filme é o título original do longa.


O Arnaud que se vê na tela não está exatamente num bom momento. A relação com a namorada que não consegue engravidar termina antes do amor, sua mãe está gravemente doente, sua vida profissional está empacada, suas dívidas se acumulam e seus alunos de teatro fazem troça do fato de ele ter atuado numa desprezível (mas popular) série de TV.

Mas Arnaud Viard, o diretor, lança para Arnaud Viard, seu personagem-protagonista, um olhar afetuoso e inteligente o bastante para evitar o excesso de vaidade ou de culpa, de ressentimento ou resignação. Com isso, ele desenha o retrato de um homem que se torna atraente precisamente por ser comum em suas qualidades e defeitos com os quais tenta superar os problemas do dia a dia e dar à vida um curso e um sentido.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, o diretor conta o que o atrai na autoficção, fala sobre o desejo de reconhecimento que move atores e diretores e critica um certo tipo de intelectuais que resolveram ironizar em seu filme.

Tenho a impressão de que fazer um filme sobre o seu próprio desejo de realizar um filme continha uma armadilha – o risco de cair no autoelogio ou na autocomiseração. O senhor escolheu o humor como antídoto para essa armadilha?
Sim, acho que o humor é essencial nessa empreitada da autoficção. E acredito que o humor vem da distância e do fato de, na verdade, realizar ao mesmo tempo o seu autoelogio e a sua autocomiseração – ou autodestruição. Isso tudo sem impedir a sinceridade do personagem. Tive muito prazer em escrever e interpretar esse personagem que sou eu e não sou eu; que é um personagem de ficção, embora tenha o meu próprio nome.

No filme, Arnaud diz que decidiu trabalhar numa série de TV porque precisava de dinheiro e enquanto aguardava seu próximo filme. Porém, desde então, nunca mais conseguiu ser selecionado para elencos de filmes. Quanto de verdade em relação à sua experiência pessoal há nesta crítica implícita à engrenagem do preconceito no mundo das artes?
A verdade é que, depois de ter atuado nessa série da TF1, que é o grande canal popular francês, passei cinco anos sem fazer testes de elenco. Isso porque essa emissora tinha uma imagem (que está mudando um pouco agora) muito ruim: popular, direitista, estúpida, ultrapassada etc. Ao mesmo tempo, nessa época eu era sempre reconhecido na rua, o que é sempre agradável no ofício de um ator ou diretor. Para mim, o reconhecimento é muito importante. Acho que é também por isso que escolhemos esta profissão – para ser conhecido e, sobretudo, reconhecido. O problema, para mim, era ser reconhecido na rua por essa série e não pelos filmes que fiz.

É bonita a cena em que o diretor de teatro diz que “é preciso encontrar uma alternativa à dureza do mundo”. Era esse seu objetivo com esse filme? Já há bastante miséria sendo tratada pelo cinema, em sua opinião?
Para ser franco, quando esse diretor teatral diz isso no filme, minha intenção era principalmente ironizar um certo tipo de intelectuais que existem no cinema, que têm um “pequeno” talento, mas uma “grande” rede de relacionamentos. São pessoas que falam muito bem. Eu diria que o grande talento que têm é saber falar muito bem com jornalistas, o que é certamente uma parte do talento dos diretores, ao menos em estrito senso.

O senhor conseguiu reunir um ótimo elenco, embora seu filme seja de baixo orçamento. Como isso foi possível?
Esse filme foi feito muito rapidamente, o que é bastante raro. Escrevi o roteiro em três meses (junho, julho e agosto), preparei o filme em setembro e outubro e filmei em novembro e dezembro, com um orçamento de 600 mil euros. Isso quer dizer que os técnicos receberam 50% a menos do que a tabela-padrão, e os atores receberam o mínimo estabelecido pela tabela sindical – 350 euros por dia, o que efetivamente não tem nada a ver com os salários das estrelas. Às vezes, os atores são insuportáveis, mas eles podem ser magníficos quando se envolvem em projetos que lhes agradam, mesmo que sejam mal pagos. Eles se envolvem por causa do diretor ou do papel que lhes é oferecido.

Amor, Paris, cinema faz uma homenagem a François Truffaut e uma citação a O último metrô. A Nouvelle Vague e seus cineastas são seus preferidos no cinema francês?
Sim, definitivamente, adorei a Nouvelle Vague. Os cineastas franceses que me inspiraram e que amo profundamente são François Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques Demy e Claude Sautet, ainda que ele não pertença à Nouvelle Vague.

O personagem de Arnaud diz sobre um de seus relacionamentos no filme: “Somos puro clichê”. Há muitas cenas e diálogos na trama com potencial para reforçar o clichê de que os franceses têm um comportamento bastante aberto e descomplicado em relação ao sexo. Sua intenção era tratar esse aspecto do filme como drama ou comédia?
Acho que a comédia é a outra face do drama e que isso depende do modo como se olha. No caso desse filme, diria que o drama que esse personagem pode enfrentar (não ter mais ereção) é amenizado por aquele cartaz exibido sobre fundo negro dizendo: “Apenas os medíocres estão sempre em seu máximo”. Com a idade, podemos tratar disso com humor. Para falar a verdade, acho que em todas as idades o homem se angustia em relação a ter uma boa ereção. Mesmo que ele saiba que pode ocorrer de ele não ter uma ereção sublime e que, no fim das contas, isso não é um problemão. Para mim, é a comédia.

Comente, por favor, a escolha da música Lança-perfume, interpretada por Rita Lee, para o momento dos créditos do filme. O senhor é um fã da música brasileira?
É claro que gosto muito da música brasileira e, como todas as pessoas que descobrem a música, tive meu período “música brasileira” com a descoberta adolescente de Stan Getz e João Gilberto, Gilberto Gil, Baden Powell, Vinicius de Moraes e Rita Lee, particularmente com essa música que proporciona tanta alegria e felicidade que é Lança-perfume. Acho também que, de certa maneira, o samba corresponde à minha personalidade: romântico, poético e melancólico.

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