Naomi Nero estreia no cinema em 'Mãe só há uma' e diz que não sentiu nenhum desconforto

Sem experiência como ator, jovem disse que personagem o ajudou a se impor

por Mariana Peixoto 04/08/2016 09:48
RODRIGO ZORZI/DIVULGAÇÃO
(foto: RODRIGO ZORZI/DIVULGAÇÃO)

São Paulo – Naomi é um nome pouco usual no Brasil. Quanto mais para um homem. “Sou o único que conheço. Já procurei mesmo, nem no Facebook achei. Aliás, encontrei um ou dois, mas no Oriente Médio.” Naomi Nero tem hoje 19 anos. Nas pesquisas sobre o próprio nome, descobriu que ele tem origem hebraica (“Aí pode ser unissex”) e também uma raiz japonesa (“Só no feminino”).

De família de artistas – a mãe, Ana Nero, bem como o tio famoso, Alexandre Nero, são atores; o pai, Marcelo Presotto, vem da publicidade e vai estrear em breve como diretor de cinema – não consegue pensar num parente que não esteja envolvido com arte. Estudando teatro desde criança, tem paixão por cinema.

Já havia feito alguns testes – nenhum bem-sucedido – quando uma amiga da mãe lhe sugeriu o papel de Pierre, o garoto de 17 anos que descobre que foi roubado, ainda bebê, na maternidade. A cineasta Anna Muylaert já havia feito alguns testes, até se encontrar com Naomi. Não demorou para que ele, sem nenhuma experiência profissional, conseguisse emplacar como protagonista de Mãe só há uma, novo filme da diretora de Que horas ela volta? (2015).

Caso Pedrinho

Em cartaz nos cines Belas Artes e 104, o longa-metragem trata de identidade a partir do célebre caso do menino Pedrinho. Em 1986, ele foi levado de uma maternidade em Brasília. Foi localizado 16 anos depois, em Goiânia, vivendo com outra família e com outro nome. No caso do filme, essa questão é somada a outra: Pierre (que quando é entregue aos pais biológicos passa a ser chamado de Felipe) está descobrindo sua sexualidade. Gosta de meninos e meninas, de rock e de usar vestidos.

Para Naomi, o grande desafio ao interpretar Pierre/Felipe foi encontrar o lado implosivo do personagem. “Pois eu sou completamente o oposto, superexplosivo. Numa situação como a que ele vive, sairia atirando para todos os lados. Houve uma preparação longa do filme, um processo de introspecção grande.” A cena mais difícil foi a final, quase sem palavras, em que há um encontro definitivo do personagem com seu irmão biológico.

O restante, de acordo com ele, foi bastante tranquilo. “Não saí muito da minha zona de conforto. Eu tinha a mesma idade do personagem (na época em que a história foi filmada) e passava pelo mesmo período de descobertas sexuais. Não me senti desconfortável em nenhuma cena.”

Na ficção, Pierre/Felipe entra em um embate com os pais biológicos. “Tá difícil entender como te amar”, afirma Matheus Nachtergaele, que interpreta o pai do personagem. “Eu cresci num meio muito preconceituoso, com as crianças reproduzindo a LGBTfobia que aprendem em casa. Só agora a minha geração começou a se revelar. E não é fácil se revelar numa sociedade que espera que você seja de outra maneira. Mas quando entrei na adolescência, já sabia que sentia atração por meninos e meninas. Com 17 anos e fazendo o filme, comecei a me impor. Ele me ajudou a ter mais segurança, minha masculinidade deixou de ser tão frágil”, comenta Naomi.

Mãe só há uma serviu também para lhe dar um norte profissional. “Tive uma criação sensível e artística, então minha família teve confiança com o filme. Acho que eu estava mais inseguro do que eles.” Começou o ano acompanhando o longa no Festival de Berlim, o primeiro evento de cinema de que participou em sua vida. O longa saiu da Berlinale com o prêmio Teddy concedido pela revista alemã Männer (considerada a premiação oficial do público LGBT do evento).

“Desde que fui para Berlim, tenho recebido muito calor e entusiasmo do público. Em praticamente todas as sessões a que assisti, houve palmas no meio do filme.” A recepção – e o que vem descobrindo do cinema – o tem motivado a entrar de cabeça na carreira. Está pensando seriamente em estudar cinema. E quer, acima de tudo, fazer outros filmes. Novela, como tio Alexandre, não está em seus planos. “Não tenho pretensão. Talvez séries televisivas dramáticas, que são como um cinema estendido.”

Naomi terminou o ensino médio no final de 2015. Chegou a 2016 decidido a tirar férias. Não tem pressa. Enquanto as coisas não ocorrem, vai levando a vida que escolheu. E que lhe colocou no caminho uma namorada. De nome Naomi.

MAIS SOBRE CINEMA