São Paulo – Naomi é um nome pouco usual no Brasil. Quanto mais para um homem. “Sou o único que conheço. Já procurei mesmo, nem no Facebook achei. Aliás, encontrei um ou dois, mas no Oriente Médio.” Naomi Nero tem hoje 19 anos. Nas pesquisas sobre o próprio nome, descobriu que ele tem origem hebraica (“Aí pode ser unissex”) e também uma raiz japonesa (“Só no feminino”).
De família de artistas – a mãe, Ana Nero, bem como o tio famoso, Alexandre Nero, são atores; o pai, Marcelo Presotto, vem da publicidade e vai estrear em breve como diretor de cinema – não consegue pensar num parente que não esteja envolvido com arte. Estudando teatro desde criança, tem paixão por cinema.
Já havia feito alguns testes – nenhum bem-sucedido – quando uma amiga da mãe lhe sugeriu o papel de Pierre, o garoto de 17 anos que descobre que foi roubado, ainda bebê, na maternidade. A cineasta Anna Muylaert já havia feito alguns testes, até se encontrar com Naomi.
Caso Pedrinho
Em cartaz nos cines Belas Artes e 104, o longa-metragem trata de identidade a partir do célebre caso do menino Pedrinho. Em 1986, ele foi levado de uma maternidade em Brasília. Foi localizado 16 anos depois, em Goiânia, vivendo com outra família e com outro nome. No caso do filme, essa questão é somada a outra: Pierre (que quando é entregue aos pais biológicos passa a ser chamado de Felipe) está descobrindo sua sexualidade. Gosta de meninos e meninas, de rock e de usar vestidos.
Para Naomi, o grande desafio ao interpretar Pierre/Felipe foi encontrar o lado implosivo do personagem. “Pois eu sou completamente o oposto, superexplosivo. Numa situação como a que ele vive, sairia atirando para todos os lados. Houve uma preparação longa do filme, um processo de introspecção grande.” A cena mais difícil foi a final, quase sem palavras, em que há um encontro definitivo do personagem com seu irmão biológico.
O restante, de acordo com ele, foi bastante tranquilo. “Não saí muito da minha zona de conforto. Eu tinha a mesma idade do personagem (na época em que a história foi filmada) e passava pelo mesmo período de descobertas sexuais. Não me senti desconfortável em nenhuma cena.”
Na ficção, Pierre/Felipe entra em um embate com os pais biológicos. “Tá difícil entender como te amar”, afirma Matheus Nachtergaele, que interpreta o pai do personagem. “Eu cresci num meio muito preconceituoso, com as crianças reproduzindo a LGBTfobia que aprendem em casa.
Mãe só há uma serviu também para lhe dar um norte profissional. “Tive uma criação sensível e artística, então minha família teve confiança com o filme. Acho que eu estava mais inseguro do que eles.” Começou o ano acompanhando o longa no Festival de Berlim, o primeiro evento de cinema de que participou em sua vida. O longa saiu da Berlinale com o prêmio Teddy concedido pela revista alemã Männer (considerada a premiação oficial do público LGBT do evento).
“Desde que fui para Berlim, tenho recebido muito calor e entusiasmo do público. Em praticamente todas as sessões a que assisti, houve palmas no meio do filme.” A recepção – e o que vem descobrindo do cinema – o tem motivado a entrar de cabeça na carreira. Está pensando seriamente em estudar cinema.
Naomi terminou o ensino médio no final de 2015. Chegou a 2016 decidido a tirar férias. Não tem pressa. Enquanto as coisas não ocorrem, vai levando a vida que escolheu. E que lhe colocou no caminho uma namorada. De nome Naomi..