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Revolução dos pássaros

'Angry birds: o filme' se apoia nos efeitos para superar inconsistência narrativa

Primeiro jogo para celular a ganhar as telas, animação faz ironia com a sociedade de consumo

Carolina Braga
Os viciados em jogar Angry birds podem até torcer o nariz.
O filme que chega hoje às telas do mundo inteiro tem inconsistências no roteiro, problemas de ritmo na narrativa, abuso de piadas sem graça, mas o que não lhe falta é fidelidade ao game que serviu de fonte de inspiração. Era esse o desafio e também o risco dos diretores Clay Kaytis e Fergal Reilly. Como lidar no cinema com um jogo tão simples que nem história tem direito?


Lançado em 2009 e badaladíssimo principalmente na plataforma iOS (para iPads e iPhones), o game se resume em usar um estilingue para lançar passarinhos coloridos e sem asa em porcos verdes ladrões de ovos. É daquelas brincadeiras viciantes, aliás, como a grande maioria dos produtos de entretenimento feitos para celulares. Desde o lançamento, acumula mais de 3 bilhões de downloads, de todas as versões e sistemas operacionais.

Mas, se o jogo se resolve de maneira bastante simples, a narrativa cinematográfica tem demandas diferentes. Quem são aquelas figuras? Suas motivações? Era preciso dar consistência a todos os personagens, sem perder o humor e a essência que fizeram do jogo um fenômeno. E mais: justificar por que os pássaros estão tão zangados.

Angry birds – o filme é o primeiro longa baseado em um jogo criado para celular.
O enredo se concentra na história de três personagens. Red (dublado por Marcelo Adnet), o passarinho vermelho de sobrancelha grossa, é excluído da sociedade das aves graças a seu temperamento esquentado. É o comportamento dele que faz valer o nome da franquia. Red tem ataques de raiva e é obrigado a frequentar aulas de meditação para controlar seus impulsos destruidores.

A inadequação social do personagem ocupa o primeiro terço do longa e, curiosamente, depois se transforma no elemento capaz de salvar aquela comunidade. Eis uma das incoerências do roteiro. Os pássaros vivem em uma ilha paradisíaca. Apesar de serem incapazes de voar, vivenciam liberdade e felicidade fora do comum. O modelo de sociedade “perfeita” é a primeira crítica que aparece em Angry birds.

Encaminhado para terapia, Red se encontra com os parceiros de jornada, o esbelto Chuck (dublado por Fábio Porchat), mais acelerado do que o normal, e o literalmente explosivo Bomba. Aqui começam a aparecer outras fragilidades. Os desvios de comportamento dos protagonistas deixam subitamente de ser problemas e passam a ser trunfos com a chegada dos antagonistas, os porcos verdes interessados em dominar a ilha.

Com a chegada de Leonard, o rei dos porcos, e seus súditos a narrativa de Angry birds ganha força. Isso porque se instaura a única ação que existe no jogo, ou seja, a disputa entre os pássaros antropomórficos e os suínos verdes. Com os antagonistas, o filme adquire camadas de ironia que fazem valer as piadas. Até aqui, havia um esforço para transformar em graça tudo o que Red, Chuck e Bomba falavam.
Não havia consistência.

As diferenças entre protagonistas e antagonistas refletem a força do capital em uma civilização desapegada do consumo. Leonard precisa conquistar os pássaros. Para isso, seduz. Oferece pão e circo. É curiosa a crítica feita ao modo de vida capitalista, com consumo desenfreado, marcas, diferenças de classes. Red, mais uma vez, é voz dissonante. Os porcos começam a irritá-lo. E, curiosamente, usará a raiva para unir os pássaros, ao descobrir o que realmente trouxe os seres verdes à ilha.

ANIMAÇÃO


Angry birds chega aos cinemas também em versão 3D. No aspecto técnico, a produção também se diferencia do game. Sai a simplicidade e entram desenhos elaborados, coloridos, que remetem à fonte inspiradora sem necessariamente ser muito reverente.
Apenas para criar Red, a diretora de arte Francesca Natale fez 100 versões.

No filme, os pássaros ganharam braços pequenos e pernas. Para as penas foi desenvolvido um sistema especial para que, no fim das contas, parecessem criaturas bem fofas. Os porcos ganharam corpos. Ao todo, são mais de 130 aves distintas e 100 porcos participando da ação dividida em 90 locações diferentes.

Se comparada a outras animações de sucesso, Angry birds tem estilo mais parecido com Shrek, sem a simpatia do protagonista e nem de longe se aproximar da qualidade narrativa. Há aposta em referências de outras obras. A história do Ogro brinca com clássicos da literatura, a aventura dos passarinhos diverte com citações de outros filmes, músicas e até peças de teatro. Hamlet tem sua vez, assim como a cena mais clichê do suspense O iluminado.

Angry birds e Shrek também têm em comum as cores fortes no desenho e a aposta em uma trilha sonora retrô repaginada. Demi Lovato é quem encara nova versão para I will survive. Longe de ser viciante como o jogo ou consistente como animações recentes (Divertida mente subiu bastante o padrão do gênero), Angry birds é um filme para a família inteira. Os mais críticos perceberão as ironias. Os que buscam entretenimento terão um produto formatado para divertir.


JOGOS QUE VIRARAM FILMES


Angry birds é o primeiro jogo criado para celular que vai para o cinema, mas a história dos games na telona é antiga e cheia de exemplos de sucesso. Os encanadores do Brooklyn, protagonistas do Super Mário Bros., foram um dos primeiros, em 1993. Não foi um caso bem-sucedido. Os que tiveram mais retorno do público foram as imbatíveis séries de luta como Street fighter (1994) e Mortal kombat (1995)

Super Mario Bros (1993)

Os encanadores do Brooklyn entraram em uma outra dimensão para se encontrar com dinossauros e outras criaturas estranhas. Foi um roteiro bizarro que não decolou nas telonas. Estreou uma semana antes de Jurassic Park (1993) e faturou só US$ 20 milhões.

Street fighter (1994)

A superprodução protagonizada por Jean-Claude Van Damme (Guile) e Raul Julia (o vilão M. Bison) divide os fãs. Há quem ame e quem odeie. Os críticos reclamam, principalmente, do distanciamento do roteiro em relação ao jogo. De toda forma, não decepcionou na bilheteria. Teve lucro de mais de US$ 99 milhões.

Mortal Kombat (1995)

É considerado um dos melhores filmes baseados em games por mérito do roteiro, bastante fiel ao jogo. Da história aos personagens, tudo era igual. Mortal kombat ainda teve a sequência Mortal kombat: aniquilação, em 1997.

Tomb raider (2001)
Angelina Jolie marcou sua carreira como Lara Croft. Assim como no jogo, no roteiro do filme a personagem viaja pelo mundo em busca de relíquias. Jon Voight, pai de Angelina na vida real, interpretou o pai dela na ficção também. O filme teve uma continuação em 2003, Tomb raider: the cradle of life.

Resident evil (2002)
Em 2002, a série de games do gênero horror de sobrevivência foi lançada para o primeiro PlayStation (1996). As atrizes Milla Jovovich e Michelle Rodriguez foram protagonistas. O roteiro segue mais ou menos o do jogo, com exceção da personagem de Milla, Alice, inédita no jogo.

Príncipe da Pérsia (2010)

Com Jake Gyllenhaal como protagonista, o filme gerou muita expectativa, mas decepcionou. O uso dos efeitos especiais foi abusivo. A trama, no entanto, é bem semelhante à história do príncipe que tem a missão de deter seu irmão mais velho para impedir a ruína do Império Persa..