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Cinema

O Oscar das polêmicas

Racismo, abuso sexual e mudanças climáticas foram alguns dos temas que marcaram a cerimônia e os filmes premiados

Mariana Peixoto Carolina Braga
A vitória de Spotlight – Segredos revelados no Oscar é um duplo reconhecimento – da relevância de um assunto delicado, como abuso sexual, e da necessidade social de um jornalismo investigativo de qualidade.
O longa dirigido por Tom McCarthy não é nada inovador. É necessário. Apenas uma história bem contada sobre um tema importante. Assunto, aliás, que foi o grande vencedor do Oscar 2016.

Mesmo que a polêmica do ‘Oscar branco’ tenha dominado paródias e as intervenções do apresentador Chris Rock, as referências a casos de abuso sexual arrebataram mais. Lady Gaga, cercada de pessoas que foram vítimas desse crime, foi aplaudida de pé na canção Til it happens to you, do filme The hunting ground.
 
Ela foi precedida pelo vice-presidente americano, Joe Biden, que divulgou uma campanha de combate aos crimes sexuais. Gaga causou, mas não levou. Perdeu para a mediana Writing’s on the wall, da trilha de 007 Contra Spectre, interpretada por Sam Smith.

Na 88ª edição do Oscar, as zebras fizeram a festa, mas não rolou o azarão que o Brasil esperava.
A animação Divertida mente confirmou seu favoritismo sobre O menino e o mundo, de Alê Abreu.
 
Mas quem diria que Sylverster Stallone perderia a estatueta de melhor ator coadjuvante para o talentoso – mas pouco cotado – Mark Rylance, de Ponte dos espiões? O ator britânico foi a única vitória de um filme dirigido pelo bambambã Steven Spielberg. Também era difícil imaginar que Ex-Machina, longa que nem sequer chegou aos cinemas brasileiros, tiraria de Star wars – O despertar da força o prêmio de efeitos visuais. Equipe de Spotlight sobe ao palco para receber o Oscar de melhor filme - Foto: MARK RALSTON / AFP

Mad Max – Estrada da fúria, de George Miller, teve sua maior virtude reconhecida: a técnica. Faturou seis estatuetas (edição, figurino, maquiagem e cabelo, edição de som, mixagem e direção de arte) das 10 que disputou. O regresso, a cruzada de vingança na neve, conquistou três estatuetas das 12 que disputava, mas foram as de melhor diretor (Alejandro González Iñarritu), ator (Leonardo DiCaprio) e fotografia (Emmanuel Lubezki).
 
DiCaprio, na verdade, desencantou. Depois de cinco tentativas frustradas, subiu ao palco do Dolby Theatre aliviado e fez um discurso enfático sobre a sustentabilidade do planeta e a necessidade de medidas para conter a mudança climática.
 
As vitórias consecutivas dos mexicanos Iñárritu (duas vezes seguida o melhor diretor no Oscar) e Lubezki (tricampeão) mostram que os estrangeiros andam sambando na cara de Hollywood. Bom sinal em tempos de acalorado debate sobre o papel dos imigrantes no país e de discussão em torno da diversidade na indústria audiovisual.

Iñárritu gastou mais do que o tempo previsto para passar o recado. "Glass (DiCaprio) diz para seu filho (indígena): 'Eles não escutam, apenas veem a cor da sua pele'. Então, que bela oportunidade para nossa geração  realmente se liberar de todos os preconceitos, desse pensamento tribal, e ter certeza de que a cor da pele se torna tão irrelevante quanto o tamanho do seu cabelo".  Os atores Mark Rylance, Brie Larson, Leonardo DiCaprio e Alicia Vikander levaram a estatueta - Foto: ROBYN BECK / AFP
 
PULVERIZAÇÃO
O resultado do Oscar 2016 foi um dos mais pulverizados dos últimos anos. Mad Max: Estrada da fúria, O regresso e Spotlight foram os únicos que acumularam prêmios, respectivamente, seis, três e dois. A grande aposta, O quarto de Jack, A garota dinamarquesa, Ex-Machina e Divertida mente levaram um cada um. A lista de esnobados também foi significativa. Perdido em Marte, Carol e Star Wars: O despertar da força concorriam respectivamente a sete, seis e cinco estatuetas e terminaram a noite sem nada, assim como Steve Jobs e Brooklin.

A cerimônia foi bem menos espetaculosa, mas nem por isso curta. Cadê aquelas performances intermináveis com bailarinos e afins? Muito pouco e ainda assim foram quase quatro horas de duração.
Em resumo: foi pura falação. Curiosamente, duas das canções indicadas não foram apresentadas, Simple song, de Sumi Jo (Youth), e Manta Ray, de J. Ralph e Anohni (Racing extinction), que aderiu ao boicote. Ele é transexual e não admitiu ser substituído por outro intérprete na festa.

Coube a Dave Ghrol, do Foo Fighters, a homenagem póstuma. Ele fez uma delicada versão de Blackbird, dos Beatles. E a Academia esqueceu o centenário diretor português Manoel de Oliveira, que morreu em abril de 2015. Que feio.

A não ser pela respiração ofegante de Alicia Vikander ao receber das mãos de J. K. Simmons a estatueta de melhor atriz coadjuvante e a visível emoção de Ennio Morricone, aos 87 anos, ganhador do primeiro Oscar competitivo da carreira pela trilha de Os oito odiados, os discursos foram mais isentos de emoção. "Não existe uma boa trilha sonora sem um filme para inspirá-la", disse o mestre em italiano.

Brie Larson, vencedora do prêmio de melhor atriz por O quarto de Jack, fez um agradecimento típico das produções independentes.
"Algo de que gosto no cinema é a quantidade de pessoas necessárias para fazê-lo. Gostaria de primeiro agradecer aos festivais de Telluride e Toronto, que nos deram a chance. Foram nossas primeiras plataformas”, afirmou. Mais lindo do que ver Brie Larson ganhar o Oscar foi observar o semblante do pequeno Jacob Tremblay, que interpreta o filho dela no filme. “Meu parceiro de todas as maneiras possíveis”, resumiu a atriz.
O comediante Chris Rock, anfitrião da noite, não deixou de falar sobre o preconceito contra artistas negros - Foto: MARK RALSTON / AFP 
 
 Martin Luther King
"Martin Luther King disse uma vez: 'O real valor de um homem não é onde ele se encontra em momentos de conforto e conveniência, mas onde se encontra em momentos de desafio e controvérsia'.

Ao terminar seu discurso com uma frase do maior militante pelos direitos civis da história dos EUA, a presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Cheryl Boone Isaacs (primeira negra a presidir a instituição), buscou dar uma resposta mais ampla à controvérsia que cercou a 88ª edição do prêmio. E mostrou que a Academia tem consciência de suas falhas.

"Nosso público é global e rico em diversidade", ela disse, antes de completar que a Academia "deveria passar para a ação". Frente à polêmica racial, a mais ambiciosa das mudanças previstas pela Academia é dobrar, até 2020, o número de minorias e mulheres entre os votantes.

A sobriedade com que a dirigente da Academia tratou a questão foi um contrapeso ao modo como o apresentador Chris Rock falou do tema. Escolhido para comandar a cerimônia antes que a polêmica racial fosse instaurada, o comediante foi muito feliz em alguns momentos e absolutamente desnecessário em outros.

Houve piadas inteligentes – o casal Will e Jada Pinkett-Smith deve ter se mordido com as críticas veladas aos milhões recebidos de cachê – e outras agressivas – a brincadeira com crianças asiáticas sendo exploradas para produzir celulares.

Para o bem e para o mal, Rock conseguiu dar graça a uma cerimônia longuíssima. E, não podemos nos esquecer, o Oscar é entretenimento. A festa, que fora uma mudança ou outra segue a mesma ao longo de décadas, vem sofrendo queda de audiência. Medições iniciais apontaram queda de 6% em relação a 2015 – seria a menor em oito anos. Monotemáticas, as piadas de Rock foram perdendo a força à medida que as horas passavam.

Na reta final, o tom subiu com o discurso ambientalista de Leonardo DiCaprio ("Não podemos ignorar o planeta") e o de Michael Sugar, produtor de Spotlight – Segredos revelados, esperando que a questão central do filme (pedofilia na Igreja Católica) "ressoe até o Vaticano".

A Academia entendeu, ainda que à força, como o mundo de hoje é regido pela diversidade. É preciso que essa compreensão chegue aos roteiristas da cerimônia para que a festa tenha a relevância que pretende 
 
 
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