O documentário mostra a atuação dos militares na ditadura para censurar o Estado, primeiro jornal brasileiro a ser alvo do AI-5 de 13 de dezembro de 1968, que retirou direitos da população, fechou o Congresso e calou a imprensa. No mesmo dia, policiais haviam, sem sucesso, tentando impedir a saída da edição do jornal O Estado de S.Paulo do cais da expedição da rua Major Quedinho.
A ira dos militares foi provocada pelo editorial Instituições em Frangalhos, publicado no mesmo dia 13 pelo Estado. O texto criticava o presidente da República, marechal Costa e Silva (1899-1969), por tentar atropelar a lei e processar o deputado Márcio Moreira Alves, que havia feito discurso ofensivo às forças armadas. No dia anterior, a Câmara Federal rejeitou pedido de licença para que o parlamentar fosse processado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo levantamento da historiadora Maria Aparecida de Aquino, entre setembro de 1972 e 3 de janeiro de 1975 foram cortados 1.136 textos, substituídos por trechos de Os Lusíadas, no Estado, e receitas de bolo no Jornal da Tarde.
Dirigido por Camilo Tavares, filho de Flávio Tavares, ex-editorialista do Estado banido pelo regime militar, o documentário mostra em 27 depoimentos como a ditadura se articulou para tentar obstruir a prática do jornalismo pela empresa. O título Estranhos na Noite é em referência à música de Frank Sinatra Strangers in the Night, cantada na redação pelo diagramador Gellulfo Gonçalves para anunciar em código a presença de censores.
O roteiro do filme é do jornalista mineiro José Maria Mayrink, autor do livro Mordaça no Estadão, e o filme começou a ser produzido no segundo semestre de 2014, sendo concluído em dezembro do ano passado. “O documentário é importante porque vai mostrar, principalmente para as gerações atuais e futuras, o que aconteceu naquela época.
Uma das histórias dizia respeito ao jornalista Carlos Garcia, que trabalhava no Recife. “Por pouco não foi morto torturado pelos militares, que queriam saber sobre uma célula comunista no Estado. E isso não existia”, relembra Mayrink.
Para o integrante da Comissão da Verdade em Minas Gerais Robson Sávio, o filme vai contribuir para lançar luz sobre a ditadura. “Temos no Brasil grande déficit em relação à nossa história, principalmente no que se refere ao período de governo dos militares”, afirmou Sávio, que participou da sessão exclusiva do documentário na PUC-MG. “É fundamental também a atualidade, quando jovens repetem absurdos, como achar que um regime militar pode ajudar a superar problemas.” Segundo o estudante de jornalismo Henrique Margalith Henriques, de 19 anos, o filme, por mostrar o que os militares faziam com o jornal, deixa claro que a ditadura não pode ser defendida. “Se alguém acha que foi bom, é por falta de conhecimento”, diz..