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Estreia do filme 'Malala' após atentados faz advertência urgente de que islamismo não é terrorismo

Cinebiografia conta a história da garota paquistanesa vencedora do Prêmio Nobel da Paz por lutar pelo direito das mulheres à educação

Luiza Maia

Malala mora em Londres, onde inaugurou a maior biblioteca pública da Europa= - Foto: Fox/Divulgação

Em meio ao choque causado pelos atentados do grupo jihadista Estado Islâmico na França, na sexta-feira passada, chega aos cinemas brasileiros a cinebiografia Malala, do norte-americano Davis Guggenheim (Uma verdade inconveniente). Atualmente aos 18 anos, a paquistanesa vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2014 – dividido com o ativista iraniano Kailash Satyarthi – aderiu à campanha Peace for Paris e publicou a ilustração inspirada no símbolo hippie Paz e Amor, feita pelo designer francês Jean Julien e compartilhada por mais de 59 mil internautas.

Malala Yousafzai e é uma das mais famosas vítimas das históricas disputas políticas, territoriais, ideológicas e religiosas no Oriente Médio e regiões próximas. Filha de Ziauddin Yousafzai, professor e dono de escola apaixonado pela profissão, e Tor Pekai Yousafzai, que trocou os livros por doces e nunca mais voltou à escola, ela foi a primeira garota inserida na árvore genealógica de mais de 300 anos mantida pela família. Ganhou notoriedade internacional após assumir a autoria de um blog anônimo no qual narrava o cotidiano e dificuldades enfrentados pelas garotas do país.

Insurgente da luta pela educação feminina, tornou-se um dos alvos do Talibã, anunciados todas as noites na rádio local - o pai dela, Ziauddin Yousafzai, também estava entre os inimigos da organização terrorista. Em 2012, aos 15 anos, foi alvo de três tiros à queima-roupa por representantes do grupo armado. Malala foi tratada em Birmingham e mora com os pais e dois irmãos na Inglaterra - nação que dominou a região onde nasceu entre 1858 e 1957. Em Londres, está sediado o Instituto Malala, cuja principal missão é defender o direito à edução entre mulheres, e a maior biblioteca pública da Europa, inaugurada por ela.

 

 

 

A estreia do documentário Malala ocorre em meio ao furacão provocado pela maior crise imigratória no continente desde a Segunda Guerra Mundial e pelos ataques terroristas que deixaram 132 mortos e cerca de 350 feridos em Paris. Após a morte de mais de 2,5 mil pessoas durante a travessia entre os países de origem – especialmente a Síria – e o continente europeu, governos e moradores anunciaram apoio aos refugiados. Desde a sexta-feira, entretanto, França, Alemanha, o principal destino dos refugiados, e outros países têm anunciado o aumento da vigilância das fronteiras.

A popularização da história de Malala é uma poderosa arma contra os preconceitos sofridos por muçulmanos, frequentemente hostilizados na Europa. "Diante de um momento de crise, as pessoas tendem a generalizar. Malala deixa o recado de que não devemos colocá-los na mesma categorização. O islamismo é uma religião de paz, de quase um bilhão de pessoas. Quando a gente trata com respeito e tolerância todas as religiões, passa a contribuir de maneira positiva para a inclusão social", analisa o cientista político Thales Castro, assessor internacional da Universidade Católica de Pernambuco.

No filme de Guggenheim, a força da ativista reconhecida internacionalmente se funde à ingenuidade de menina quando fala sobre ícones masculinos, como Brad Pitt e Roger Federer. A produção acompanha viagens, discursos – como as memoráveis falas na cerimônia do Nobel e na Assembleia da Juventude da ONU – e reflexões sobre a importância da educação e da igualdade de gênero defendidas por Malala e se debruça sobre uma guerra internacional a qual não o mundo não esquecer. "Eu conto minha história não porque ela é única, mas porque ela não é única", defende a garota. E os fatos recentes reiteram isso.

ENTREVISTA // MARCELO MEDEIROS*

Qual reflexão um filme sobre Malala pode trazer em meio aos ataques à França?
O que provoca de reflexão é a possível reação que aparentemente já está sendo colocada em prática nos países europeus em respeito à onda de imigração que ocorre com maior intensidade desde o início do ano. Há uma série de cidadãos de estados islâmicos que vem sendo perseguidos em seus países, especialmente minorias, notadamente as mulheres.

Essas linhas radicais do islã têm tido um impacto negativo no que diz respeito à igualdade de gêneros, que vem sendo defendida de forma muito explícita pela civilização ocidental. O Estado Islâmico representa uma dessas vertentes ortodoxas e extremistas que pregam a inferioridade da mulher, têm um posicionamento agressivo conta a cultura ocidental, tem agido para destruir todo marco cultural que possa ir de encontro ao alcorão.

Qual a importância de uma personagem como Malala para a paz entre o mundo ocidental e oriental?
Malala tem um poder simbólico muito forte. Eu acredito que o papel dela é de ponte. Ela representa a luta que está sendo levada a cabo, de uma forma geral, pelos cidadãos que se encontram sob a tutela de governos islâmicos mais ortodoxos e, mais especificamente, no que diz respeito à situação das mulheres e crianças do sexo feminino que praticam o islã de forma radical.

Existe uma confusão entre islamismo e terrorismo. Por que os conceitos não devem ser misturados?
É muito importante fazer essa diferenciação. O islamismo, como religião, tem os atores radicais e os não radicais. Temos visto várias manifestações no mundo e na França condenando os ataques. Líderes de comunidades muçulmanas na França têm se pronunciado.
Não podemos fazer um amálgama. A luta não é contra o islã, mas o terrorismo, que, no momento, tem sido levado a cabo por facções extremistas ortodoxas do islã, que é muito multifacetado. De cara, tem os sunitas e xiitas. Isso tem reflexão no tabuleiro político internacional. Há uma politização da religião que pode trazer consequências importantes. O mundo ocidental deve fazer a diferenciação entre o joio e trigo. Não se pode interpretar o mundo islâmico como monolítico.

* Marcelo Medeiros é livre-docente em ciência política pelo Institut d'Études Politiques de Paris (Sciences Po), professor associado de política internacional da UFPE e pesquisador PQ-1D do CNPq e ex-titular da Cátedra Rio Branco de Relações Internacionais da University of Oxford

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