Herói brasileiro, Betinho ganha retrato íntimo no documentário 'A esperança equilibrista'

Filme de Victor Lopes mostra como o sociólogo Herbert de Souza driblou a morte para enfrentar a ditadura e lutar por um país mais justo

por Mariana Peixoto 29/10/2015 09:00

 

São Paulo – O sociólogo Herbert de Souza comemoraria 80 anos na terça-feira, 3 de novembro. Morto em 9 de agosto de 1997 em decorrência da Aids, Betinho fez da vida um grande milagre. Não era para ter ido tão longe, já que duelou com a morte desde o nascimento, em 1935, na cidade mineira de Bocaiuva.

Hemofílico, contraiu tuberculose na adolescência, o que fez com que vivesse trancado em casa dos 15 aos 18 anos. Durante a ditadura militar, foi clandestino em seu próprio país por longos sete anos. Passou oito no exílio. Símbolo da anistia, o irmão do Henfil contraiu o vírus do HIV. No espaço de um mês, viu dois de seus irmãos – Henfil e Chico Mário – sucumbirem à Aids. Sobreviveu nove anos a eles e, apesar da fragilidade física, encampou projetos de resistência à doença, de ética na política e, o mais conhecido deles, contra a fome, a miséria e pela vida.

Marco Terranova/Divulgação
Símbolo da anistia, o sociólogo mineiro Betinho liderou a maior campanha brasileira contra a fome (foto: Marco Terranova/Divulgação)
De posse de tantos elementos, o documentarista Victor Lopes poderia apelar para vários lados para dar a sua visão sobre a história de Betinho. Pois ele preferiu se concentrar no homem. Depois de exibido no Festival do Rio (levou o prêmio de melhor filme pelo voto popular) e na Mostra de São Paulo, Betinho – A esperança equilibrista estreia no circuito comercial nesta quinta-feira, 29. E é o próprio o narrador da história.

 

Veja salas e horários de exibição para Betinho - A esperança equilibrista

 

A narrativa tem início ao som de O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc) cantada por Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonardo Boff e Frei Betto, além de amigos e familiares no velório de Betinho. “Quando comecei o projeto, já sabia que partiria da morte, pois ele sempre manteve uma relação firme com ela. Quis evitar a pieguice e o melodrama, pois a própria vida dele me encantou”, afirma Lopes.

Se o cineasta demorou 11 anos para concluir seu documentário mais recente, Serra Pelada, a lenda da montanha de ouro (2013), A esperança equilibrista... levou apenas um ano. Realizado em parceria com a GloboFilmes e a GloboNews (que vai exibi-lo em data ainda não definida), o projeto partiu de vasto material da própria Globo. Mas a cereja do bolo veio de fora.

 

Em 1995, Betinho concedeu a Alfredo Alves uma longa entrevista para o projeto Caminhos da Democracia, ligado ao Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que ele havia fundado. Sempre com uma cerveja ao lado, o sociólogo fala da luta político-social, da vida na clandestinidade e no exílio e também das relações pessoais.

EM
(foto: EM)
Chico Buarque
Entremeando os depoimentos, há entrevistas com pessoas muito próximas a ele: a primeira mulher, Irles Carvalho, mãe de seu primogênito Daniel (que também está no filme); a segunda, companheira de toda a vida, Maria Nakano (bem como o filho que teve com ela, Henrique); os companheiros de luta Átila Roque (atual diretor da Anistia Internacional), Cândido Grzybowski e Carlos Afonso (ambos do Ibase); além de figuras notórias muito próximas a ele, como o compositor Chico Buarque e o senador José Serra.

“Esses depoimentos não são monocórdios, que o deixem na primeira pessoa. Não queria uma biografia narrada no passado, nem criar compaixão e vitimizar o Betinho”, acrescenta Lopes. Para ele, o longa só ficou pronto quando Maria Nakano, que tem um papel primordial em todo o documentário, assistiu ao filme pela primeira vez. “Evito colocar datas no filme, mas a Maria me disse que deveria colocar, pois a sensação que ela tinha (no filme) era de que o Betinho estava vivo.”

Há imagens históricas, como a chegada de Betinho do exílio, com a emoção de ter sido recebido por dezenas de amigos. Victor Lopes tem se surpreendido com as reações ao documentário, já que muitos jovens admitem não saber tanto quem foi Betinho. “Ele tem todos os arquétipos de um herói. E boa parte dos heróis nacionais são atletas ou artistas. O Betinho é um personagem central, para mim no nível de Gandhi ou Mandela, pois realizou coisas concretas, como o combate à Aids e o programa de erradicação de fome.”

. A repórter viajou a convite da 39ª Mostra de São Paulo

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