Cinema

Mostra de cinema em BH destaca obras de realizadoras mineiras

Atrizes e diretoras enfrentam preconceito na indústria cinematográfica, mas a situação está mudando

Carolina Braga

Cena de 'Morada',filme da mineira Joana de Oliveira que será exibido amanhã, 27, no Cine Humberto Mauro
No guichê da alfândega, Joana Oliveira responde ao funcionário: “Venho para um festival de cinema”. O policial estende a conversa, diz ter lido notícias sobre o evento. “Então, ele perguntou se eu era atriz. Quando respondi que sou diretora, comentou: ‘Ah, mas você é muito bonita’. Ou seja, você já toma cantada do agente alfandegário”, revela Joana, incomodada.
 

A mineira não se lembra se essa conversa ocorreu em Portugal ou na Colômbia. Não faz tanta diferença – diretoras sempre causam certo estranhamento. Para Joana, ainda é cedo falar em mudança, mas já se percebe certa tomada de consciência sobre o papel de destaque da mulher no cinema.


Até 5 de novembro, o Cine Humberto Mauro vai exibir mostra dedicada às realizadoras mineiras, com 38  curtas e longas-metragens de 23 diretoras. Não há obra inédita, mas todas são significativas. A programação inclui os três longas de Marília Rocha – Aboio (2005), Acácio (2008) e A falta que me faz (2009) – e dois trabalhos pioneiros de Rosa Maria Antuña: Rosa Rosae (1968) e Solo (1969).


“A mostra dá visibilidade para filmes recentes e resgata a memória dos primeiros curtas dirigidos por uma mulher em Belo Horizonte. É a oportunidade de promover a reflexão sobre eles, além do compartilhamento de experiências”, diz Paula Santos. A pesquisadora e realizadora audiovisual vai mediar o debate “A direção feminina no cinema mineiro”, quarta-feira, no Cine Humberto Mauro.


“O que falta é igualdade”, defende a cineasta carioca Anita Rocha da Silveira. Vencedora do prêmio de melhor direção do Festival do Rio com Mate-me por favor, ela conta que insistiu muito para conquistar espaço na profissão. “Mulheres sempre estão afastadas da posição de liderança”, diz.


Nos tempos da faculdade, Anita era uma das poucas a se interessar por dirigir. Não foi nada fácil concretizar os projetos que idealizou. No set, pouco a pouco, ela foi observando as diferenças, inclusive no tratamento. “Quando um homem está na posição de comando, é visto como líder. A mulher, quando tenta se afirmar, é vista como a mandona, a chata”, lamenta Anita.


Joana Oliveira estudou na Escola Livre de Cinema de Cuba. A turma reunia 32 homens e oito mulheres. “A gente era muito mais exigida. Eu era a única diretora de ficção e tinha que ser a melhor – não no sentido artístico, mas acadêmico”, revela.


AVÓ

 

A mostra no Cine Humberto Mauro exibirá dois curtas que Joana dirigiu em parceria com Cristina Maure: Rio de mulheres (2009) e Diário do não ver (2012). No documentário Morada (2010), ela conta a história da avó, cuja casa foi desapropriada para a ampliação da Avenida Antônio Carlos, em Belo Horizonte. A cineasta diz que seus filmes abordam questões femininas, mas isso nunca foi intencional.


No campo da estética, Joana Oliveira prefere não diferenciar olhares. Para ela, há temas que partem de um universo mais feminino e outros do masculino, independentemente de quem comande o set. “Cada um tem a sua sensibilidade. É tudo misturado. A forma como você vê o mundo é uma questão de escolha”, conclui.

 

MOSTRA MULHERES NO CINEMA

 

HOJE, 26 de outubro
17h e 19h – Curtas de Maria de Fátima Augusto
21h – Acácio (2008), de Marília Rocha

AMANHÃ, 27 de outubro
17h – Roda (2011), de Carla Maia e Raquel Junqueira
19h – O bagre africano de Ataleia (2014), de Aline X e Gustavo Jardim
21h – Morada (2010), de Joana Oliveira

Cine Humberto Mauro. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca. Programação completa: www.palaciodasartes.com.br.

 

Anna abre o debate

Em setembro, Anna Muylaert, diretora de Que horas ela volta?, foi alvo da postura machista dos colegas Cláudio Assis e Lírio Ferreira, durante debate no Recife. Bêbados, eles a interromperam várias vezes. Internautas criticaram duramente a dupla, que se desculpou. Anna afirmou que mais importante do que discutir o imbróglio é abrir o debate sobre o aprendizado da sociedade em aceitar situações de protagonismo das mulheres e coadjuvância dos homens. Seu longa disputa uma das cinco vagas ao Oscar de filme em língua estrangeira. Entre as 81 produções encaminhadas a Hollywood, apenas 12 são dirigidas ou codirigidas por mulheres.