Cinema

Nancy Meyers volta a acertar com 'Um senhor estagiário'

Na trama, o veterano Ben (Robert De Niro) se torna trainee na empresa da ultraconectada Jules (Anne Hathaway)

Carolina Braga

Anne Hathaway em cena do filme 'Um senhor estagiário'
Anne Hathaway em cena do filme 'Um senhor estagiário'
A diretora norte-americana Nancy Meyers é craque nas comédias românticas. Os filmes dela, porém, se distinguem de outros tantos açucarados e com finais previsíveis, vide os exemplos de 'Alguém tem que ceder' (2003) e 'Simplesmente complicado' (2009). 'Um senhor estagiário', novo longa escrito e dirigido por Nancy Meyers, protagonizado por Anne Hathaway e Robert De Niro, chega para reafirmar esse seu talento de observar com humor o comportamento da sociedade de hoje.


Nancy sabe contar uma boa história, com ritmo, graça e leveza, sem abrir mão de fazer certas críticas. Temas familiares ao universo da diretora, como maturidade e feminismo, estão de volta. Em Um senhor estagiário, De Niro é Ben, viúvo aposentado que se cansou de ter tempo livre. Hathaway é Jules, uma jovem – e atarefada – empresária da internet. Em 18 meses, o hobby dela de comentar roupas na rede se transformou numa megaloja de e-commerce.

 

 

 

Como dita o manual da empresa contemporânea politicamente correta, pega bem participar de projetos sociais. É aí que entra o programa de estágio sênior dedicado a maiores de 65 anos. Ben, um cavalheiro à moda antiga, de 70 anos, se candidata. É escalado para trabalhar com a big boss.

Meyers apresenta seus personagens sem pressa e, assim, cria sensação de intimidade do público com eles. Quando conhecemos Ben, sabemos o quanto é resolvido em relação à própria condição. Está mesmo disposto a aprender mais que ensinar. Não tem a menor mágoa ou saudosismo em relação ao passado. Os primeiros minutos com Jules nos dão a dimensão dos opostos. Ela anda de bicicleta dentro do escritório, trabalha com dois celulares e um tablet ao mesmo tempo. É tão acelerada e controladora quanto sensível.

Robert De Niro parece muito à vontade como Ben. Que elegância! O mesmo vale para Anne Hathaway, que, depois de contracenar com Meryl Streep em O diabo veste Prada, demonstra maturidade e a medida certa de química no bate-bola com um veterano do porte de De Niro.

O roteiro tem o mérito de mostrar o quanto falar de diferença de geração hoje é também abordar dois mundos com funcionamentos muito distintos. Eles não necessariamente se chocam. Há um meio-termo possível. Se os jovens funcionários de Jules tocam sino a cada nova curtida no Instagram, Ben sequer tem uma conta no Facebook. Um senhor estagiário marca essas fronteiras sem tomar partido.

Como a aproximação de Ben e Jules é previsível, o roteiro de Nancy tem fôlego ao adicionar outros temas. É quando assuntos ligados à causa feminista ganham mais relevo. Um senhor estagiário fala de família e, principalmente, sobre a inversão de papéis. Jules também é a mulher bem-sucedida que sai de casa para trabalhar enquanto o marido (Anders Holm) abdica da própria carreira para cuidar da casa e da filha.

Se Um senhor estagiário é mais “brincalhão” com as diferenças geracionais, é um pouco mais denso nos conflitos da jovem mãe dividida entre o mundo dos negócios e a família. Mais uma vez, Nancy Meyers não toma partido. Desperta, sim, a curiosidade em acompanhar mais e mais a vida daqueles personagens. Jules e Ben são tão diferentes quanto complementares.

Cotação: Ótimo

Três perguntas para...
Anne Hathaway
Atriz

O que você pensou quando a diretora Nancy Meyers lhe propôs o papel?
Que era uma grande história, que eu ia trabalhar com um de meus atores favoritos (Robert De Niro). Mas o que pensei, de verdade, foi: ‘calma, Anne, não vá estragar tudo’.

Sua personagem tem ecos da Meryl Streep de O diabo veste Prada, só que menos despótica. Concorda?
Tirando o fato de ambas lidarem com moda, nunca pensei no que unia as duas, mas percebo, pelas entrevistas, que isso está na cabeça das pessoas. Minha personagem é bem escrita, verdadeira. Cria alguma coisa, batalha para ser, ao mesmo tempo, profissional, mãe e esposa. E ela é do bem. Não quer passar como um trator sobre os outros. Acho que Nancy (Meyers) fez um ótimo trabalho, com o qual mulheres de todas as idades poderão se identificar.

Só as mulheres?
Nãaaoooo. É raro alguém escrever tão bem sobre personagens diversos em situações diversas. A jovem empresária, a garotada do escritório, o estagiário sênior. É verdade que Bob (De Niro) traz sua persona para o papel, mas o que ele diz e faz não é irrelevante. Espero que as pessoas se deem conta do que há de sério e verdadeiro sob a superfície leve e divertida do filme. (Luiz Carlos Merten, Estadão Conteúdo)