Lázaro Ramos 'inventa' passados gloriosos para desconhecidos em novo filme

Longa é baseado em romance da literatura angolana. Diretor Lula Buarque lança diz que também procurou inspiração na produção argentina, "que tem entrosamento com a sociedade"

por Mariana Peixoto 21/05/2015 08:51

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Guilherme Maia/Divulgação
O ator Lázaro Ramos, em cena de 'O vendedor de passados', que estreia hoje (foto: Guilherme Maia/Divulgação)
Na Angola pós-guerra civil, Felix Ventura, um negro albino, se dedica a uma profissão nada ortodoxa: inventar passados gloriosos para pessoas que têm o que esconder (geralmente políticos, militares e empresários que estiveram envolvidos com os conflitos).

Felix é um personagem criado pelo escritor angolano José Eduardo Agualusa para o romance 'O vendedor de passados' (2004), uma sátira política do passado recente de seu país. A narrativa chega hoje aos cinemas, com o mesmo título, mas uma história bem diferente da original.

Segundo longa-metragem de ficção de Lula Buarque, 'O vendedor de passados' traz como protagonista Vicente Garrido (Lázaro Ramos). Dedicando-se a criar uma vivência anterior para pessoas que necessitam dela para seguir em frente (como um homem com mais de 30, virgem, que quer ter sido casado para finalmente encontrar um par), ele se depara com uma cliente que faz com que questione sua própria história.

Sem nome, ela (Alinne Moraes) chega à casa de Vicente e pede que ele invente um passado. Não dá qualquer informação a ele, mas pede que, na narrativa inventada, tenha cometido um crime. Desta maneira, nasce “Clara”, uma mulher que tem sua infância ligada à ditadura argentina. Vicente acaba envolvido pela mulher que inventou.

Com um filme que questiona identidade, memória e a ditadura da imagem, Lula Buarque afirma que 'O vendedor de passados' busca inspiração no cinema argentino. “É o cinema mais perto da gente que conseguiu falar com as pessoas apresentando questões muito parecidas com as nossas. Um filme como 'Um conto chinês' (2011, de Sebastián Borensztein) fez um público de 2 milhões de pessoas. A produção argentina tem entrosamento com a sociedade, coisa que o Brasil ainda está tateando.”

Buarque é um dos fundadores da Conspiração Filmes. Para o cinema, realizou dois documentários (um sobre Pierre Verger e outro sobre a Portela) e uma comédia com os humoristas do Casseta e Planeta – 'A taça do mundo é nossa', de 2003).

“Quando nos reunimos para fazer a Conspiração (no início da década de 1990), não havia uma tradição de cinema no Brasil, ela havia parado no Cinema Novo. (Na época) A gente preferiu não entrar na TV e utilizar a publicidade como meio de subsistência. Dessa maneira, senti-me  muito livre para experimentar diferentes formas”, diz ele, que no período atuou na direção de documentários musicais (para Marisa Monte, Gilberto Gil e Milton Nascimento).

Ele acredita que o roteiro ainda é o grande empecilho para que o cinema nacional decole. “Estamos amadurecendo, mas ainda não chegamos lá”, afirma o diretor, que, em seu próximo projeto, vai novamente filmar um roteiro adaptado. Será 'Leite derramado', inspirado no romance do tio Chico Buarque.
 
Assista ao trailer de 'O vendedor de passados':
 
 
 
Três perguntas para...
Lázaro Ramos, ator


O mote do livro do Agualusa é político. Na adaptação para o cinema, a história se tornou mais comportamental. Mas é a questão identitária que acaba norteando toda a narrativa, não?
Aqui, a história é mais multitema, o que não é tão simples. Se o (diretor) Lula (Buarque) quisesse, poderia ter feito um filme somente sobre a ditadura ou sobre adoção. A pergunta central o filme é: ‘Onde mora a verdade?’. É um filme que traz perguntas, fala da relação com a nossa identidade, memória, passgem do tempo.

Ainda que de maneira totalmente diferente, a imagem está na base de dois novos filmes que você estrela: tanto O vendedor de passados quanto Sorria, você está sendo filmado (comédia de Daniel Filho).
Esses filmes são absolutamente ligados, pois tratam tanto de como você é visto quanto de como você se vê. Em 2012, filmei 'O vendedor de passados' e 'Orquestra de Heliópolis' (de Sérgio Machado, que será lançado no fim deste ano). Foi um ano em que decidi que iria participar de projetos que tivessem temas atuais, que falassem do homem comum contemporâneo. 'Sorria, você está sendo filmado' foi rodado há pouco tempo, mas também fala sobre o hoje. A questão da imagem e a maneira como se lida com ela são inquietações artísticas grandes. Eu era uma pessoa muito afastada da internet, me interessei mais. Fico acompanhando a participação política, os haters, o que acho uma loucura completa. Acho que todos esses filmes acabam falando sobre isso, o que é difícil. É mais fácil filmar uma história que tenha uma ligação com o passado ou que prospecta sobre o futuro do que falar sobre o hoje.

Você é produtor associado de 'O vendedor...' e de 'Sorria...', e dirige o programa 'Espelho' para o Canal Brasil há 10 anos. Está se preparando para fazer seu próprio filme?
Estou. Só posso dizer que vai ser um filme urbano e que devo filmar no fim do ano que vem. No Brasil, para dirigir, você tem que ser um pouco de tudo. Desde 'Ó paí, ó' (2007, de Monique Gardenberg) sou produtor associado de cada filme de que participo. Estagiei em vários filmes de que participei, desde 'Cidade baixa' (2005, de Sérgio Machado), em que fiquei a maior parte na edição. Tenho um curta na internet, 'Como as nuvens são' (2011), e lembro-me de que, na hora em que estava filmando, via na minha frente o Sérgio Machado, o Jorge Furtado, o Karim Aïnouz (todos cineastas que o dirigiram).

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