'A lira do delírio' ganha sessão especial nesta sexta em BH

Obra emblemática da carreira de Walter Lima Júnior remete ao sonho e à liberdade em meio às atrocidades da ditadura

por Walter Sebastião 26/03/2015 09:00

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Arquivo EM
Walter Lima Júnior diz que filme não deve ser %u201Cpoema na gaveta%u201D (foto: Arquivo EM)
O tempo trouxe brilho especial para certos filmes e autores brasileiros, conferindo a aura de clássicas a produções celebradas (ou não) em sua época. Esse processo atinge, de forma particularmente feliz, as realizações de um cineasta singular: o fluminense Walter Lima Júnior. Há poucos anos, 'Brasil ano 2000' (1969) foi relançado com todas as honras na Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP). Trata-se de uma obra-prima do tropicalismo, que acrescenta questões pertinentes ao modo como o movimento é entendido. Nesta sexta-feira à noite, o público de BH poderá conferir outra joia do diretor: 'A lira do delírio' (1978), em sessão com a presença de Lima Júnior e do ator Tonico Pereira. O momento será especial, pois Cláudio Marzo, que morreu no domingo, é um dos destaques do elenco.


“'A lira do delírio' é uma experiência de vida documentada”, afirma Walter Lima Júnior, avisando que a obra é muito pessoal, diferente de tudo o que fez. Inicialmente, a ideia era filmar histórias inspiradas em letras de músicas de carnaval. Quando a época chegou, os atores – Tonico Pereira, Anecy Rocha, Cláudio Marzo, Paulo César Pereio e Jamelão – se jogaram, de fato, na folia. “Cada um fez o que deu na cabeça, de acordo com o que realidade oferecia. Filmei a loucura deles”, conta. O olhar documental marca o trabalho. Mulher de Walter, Anecy Rocha, irmã de Glauber Rocha, morreu de forma trágica, antes do lançamento do longa. Ela caiu no poço do elevador de um prédio.

Balanceando realidade e sonho, Walter criou um filme que, com fragmentos, evoca a recriação delirante da vida permitida pelo carnaval. “A lira do delírio traz, às vezes com certo desespero, o nosso sentimento de singularidade, a vontade da gente de não se comprometer com a ditadura militar e a farsa do milagre brasileiro. Viver: este é o verbo conjugado”, afirma o cineasta. “Aquelas pessoas na tela são o que são e o que desejam ser. Não há limite entre o ator e o personagem”, acrescenta. Tudo isso foi fruto da cumplicidade, entrega e amizade da equipe. “Uma solidariedade silenciosa fazia com que nos sentíssemos protegidos em tempos de ditadura”. Rever esse trabalho traz para ele o sentimento de ausência e saudade até o limite do incômodo.

FCS/DIVULGAÇÃO
Anecy Rocha e Cláudio Marzo contracenam em A lira do delírio (foto: FCS/DIVULGAÇÃO)
A fragmentação de 'A lira...' ecoou em 'Joana Angélica' (1978), piloto para uma série televisão que mostraria “gestos históricos” de vários ângulos, abertos a especulações fictícias. Mas essa opção acabou recusada posteriormente, como comprovou outro filme dele, Inocência, de 1983. “Se seguisse o caminho de 'Lira...', teria parado de fazer cinema. Sou um contador de histórias, gosto da narrativa e não gosto de filmes fragmentados. Não é o meu jeito de fazer cinema. Aquilo foi uma surpresa”, garante. A linguagem clássica, observa, permite conversar com o espectador. “Meu primeiro longa, 'Menino do engenho', teve fila na porta. Foi lindo”, lembra.

Walter Lima Júnior avisa: filme “não é poema na gaveta com cheiro de camomila”, mas um produto que se oferece ao público. “Cinema nasceu do circo, e isso é muito bonito. Fazer o espectador chorar, rir e se envolver com uma história é uma experiência rica”, garante. O diretor relativiza a afinidade da estética de Lira... com o cinema independente contemporâneo. “Todo filme brasileiro, de alguma forma, é independente do mainstream internacional. Pelo baixo custo, pela diferença nos padrões de exibição e éticos, ele não representa produção de perfil industrial. Fazer filme no Brasil é empreitada”, explica. Essa perspectiva, aliás, remete ao Cinema Novo.

“O Brasil, o que vemos, o que vivemos, quem somos, nossos sentimentos, as relações de nossa cultura com o mundo são motivos de todos os meus trabalhos. Não sou patriota, sou brasileiro e não me furto a reconhecer isso. É algo que nenhum japonês, italiano ou francês tem ou vem nos ensinar”, conclui.

 

CURTA CIRCUITO


Exibição do filme 'A lira do delírio'. Bate-papo com o diretor Walter Lima Júnior e o ator Tonico Pereira. Nesta sexta-feira, às 19h. Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Entrada franca. Ingressos serão distribuídos a partir das 18h. Capacidade: 129 lugares

 

 

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