Os amigos do cineasta paulistano André D’Elia dizem que ele é tão sortudo que dá raiva. Ano passado, quando a bomba da crise hídrica estourou na imprensa, ele já estava com o documentário A lei da água – novo Código Florestal pronto. O filme traz entrevistas com ambientalistas, cientistas, ruralistas e agricultores que acompanharam a tramitação do polêmico conjunto de leis no Congresso, mas não há como negar: o assunto está completamente relacionado à falta de água. Segunda-feira que vem, o documentário terá exibição seguida de debate no Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, graças ao financiamento coletivo pela internet.
O novo Código Florestal Brasileiro causou polêmica ao alterar pontos importantes estabelecidos pela legislação anterior. Reduziram-se as faixas mínimas protegidas das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e das áreas de Reserva Legal (RL). Parlamentares da bancada ruralista são favoráveis às mudanças, claro, e conseguiram despertar ainda mais ódio de ambientalistas e da comunidade científica (que pouco teve voz no processo) ao propor a anistia de multas e a recomposição de áreas desmatadas com espécies exóticas como o eucalipto.
Com 75 minutos e produção executiva assinada por D’Elia e pelo cineasta Fernando Meirelles, A lei da água... mostra como tudo isso está ligado à grave crise hídrica que o país enfrenta. O código tem impacto direto sobre a floresta e, consequentemente, a fertilidade do solo, a produção de alimentos, a qualidade do ar e a oferta de água. Foram 16 meses de produção e nada menos que 37 entrevistas com nomes dos dois lados do debate, incluindo tanto tristes casos de degradação quanto ideias sustentáveis vindas de gente que conseguiu encontrar o caminho do meio, equilibrando produtividade e preservação.
Foram ouvidos, por exemplo, o senador e ex-governador Blairo Maggi (PR-MT), os deputados federais Ivan Valente (Psol-SP) e Ricardo Trípoli (PSDB-SP), a subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, o ambientalista Mário Mantovani e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O documentário é fruto da parceria com entidades relacionadas à proteção do meio ambiente, entre elas, o Instituto Socioambiental, cujo presidente, Raul Silva Telles do Valle, participou como consultor de conteúdo.
Apesar de apresentar o confronto de ideias ao espectador, ele pende claramente para o lado dos ambientalistas. “Tentamos fazer um filme equilibrado, que dialogue com todos os lados. Evidentemente, não existe verdade absoluta, mas uma oferta de informação absurda, com pessoas desconfiadas em relação a tudo que ocorre. Os parlamentares ruralistas falaram o que realmente queriam. Buscamos um ponto de vista de acordo com o que acredito – o corte final é meu e, evidentemente, tem a minha verdade. Que vença a melhor ideia”, resume André D’Elia, que dirigiu também o documentário Belo Monte: anúncio de uma guerra.
Desde a pré-estreia, em agosto do ano passado, o filme foi exibido cerca de 40 vezes, todas elas em formato de cinedebate. André conversou com espectadores que, para seu espanto, mostraram-se contrários à restauração das reservas legais. “Com toda a certeza, essa restauração contribui decisivamente para aumentar a oferta de água. O documentário não é panfletário, mas informativo. Sem linguagem, não há como a gente se defender. O ‘cinema pedrada na cabeça’ tem este objetivo: armar as pessoas para que elas possam lutar pelo que consideram justo. Afinal, água é importante pra todo mundo”, conclui.
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