Transtornos mentais: um tema mais abordado em cinema do que se imagina

De Birdman a Gabinete do Dr. Caligari, a representação de doenças psicossociais é um filão sempre abordado por diretores

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Peregrine Productions/Reprodução
Cena do filme 'O Iluminado' (foto: Peregrine Productions/Reprodução)
As artes sempre foram um campo frutífero para a representação da loucura. Desde a bela e suicida Ofélia, de Shakespeare, passando pelo universo sinuoso de Van Gogh, até o desespero do isolamento traduzido pelo grito surdo de Edvard Munch. No século 20, o cinema tornou-se o suporte perfeito para dar forma aos transtornos psiquiátricos que afligem a sociedade. Se, em 1920, 'O gabinete do Dr. Caligari' usava um expressionismo sombrio para retratar o universo distorcido do protagonista, em 'Birdman' — grande vencedor do Oscar 2015 —, Alejandro González Iñárritu pinta com efeitos especiais e uma câmera inquieta, a confusão mental de Riggan (Michael Keaton), atormentado pela persona que o tornou famoso no cinema.

Filmes como 'Sniper americano' (Clint Eastwood, 2014), 'Melancolia' (2011)  —  ao lado de 'Ninfomaníaca' e 'Anticristo', compõe a trilogia da depressão de Lars von Trier —  e 'O lado bom da vida' (David O. Russell, 2012) trazem para as telas a forma patológica dos males da vida moderna. O cinema de terror também busca inspiração na psicopatia, tendo produzido clássicos como 'Psicose' (Alfred Hitchcock, 1960) e 'O iluminado' (Stanley Kubrick, 1980).

Além da representação estética, o cinema usa a narrativa para contextualizar os transtornos mentais, tornando o tema mais acessível ao espectador. “Esses distúrbios são vividos por seus portadores, suas famílias e por quem os cercam também como um drama”, analisa o psicólogo Alexandre Costa Neto, mestre em psicologia clínica e cultura. “O valor de um filme que tem como tema a saúde mental não precisa ser medido necessariamente por sua fidedignidade em retratar sinais e sintomas de determinado transtorno psiquiátrico”, completa.

Segundo Alexandre, nosso cotidiano está permeado por esses personagens. “A sociedade tende a ser hipócrita ao tratar a loucura como algo alheio a ela”, pondera. As patologias estão em todos os lugares, tanto dentro das família, como na cadeira do diretor — é o caso do polêmico Lars von Trier, que já afirmou sofrer de depressão. “Essas doenças estão presentes em uma parcela considerável da população, em quase todas as famílias e instituições”, afirma Alexandre, ou seja, também na vida real.

A professora do Departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB) Tânia Montoro destaca que a estreita relação entre o cinema e o inconsciente humano vem desde sua origem, que coincide com o nascimento da psicanálise, no fim do século 19. “A psicanálise também trabalha com a narração e utiliza os processos cinematográficos de identificação e projeção, intimamente ligados a transtornos psicológicos.”

De acordo com Tânia, que é pesquisadora de narrativas audiovisuais e processos sociais, o cinema abriu um novo caminho para explorar o subconsciente humano. “A entrada pelo universo onírico que o cinema proporcionou deu passagem para a camada de subjetividade da mente humana.”

A pesquisadora destaca que o cinema brasileiro tem contribuído com o tema através do ponto de vista da sexualidade e dos transtornos ligados à sua formação, como é o caso de 'Amarelo manga' (Cláudio Assis, 2003) e 'A concepção' (José Eduardo Belmonte, 2005). Entre os longas-metragens nacionais, Tânia cita 'Bicho de sete cabeças' (Laís Bodanzky, 2001) como referência na representação de ambientes psiquiátricos. “As instituição estruturantes — como manicômios, prisões, igrejas — também fazem desenvolver psicopatias. O filme de Laís chama muita atenção para isso, porque a família e a sociedade são opressoras”, analisa.

Terapia
O assunto aparece abordado de maneira mais leve em comédias como 'A mulher invisível' (2009), de Claudio Torres. No filme, o personagem de Selton Mello entra em depressão após ser abandonado pela mulher. Sua desconexão com o mundo agrava-se na medida em que ele passa a interagir com uma namorada imaginária. Torres, que concebeu o filme após separar-se da sua mulher, acredita que o humor pode funcionar como um tipo de terapia. “A vida é tragicômica, e a melhor maneira de sair da tristeza é rir dela. Ou exorcizá-la fazendo um filme sobre ela. É o que o personagem do Selton faz ao escrever um livro.”

A psicóloga Patrícia Simone de Araújo Santos enxerga os filmes como um quadro extremo das enfermidades. “Claro que uma pessoa não vai ter todos os sintomas de uma doença, mas esse exagero é necessário para que o público se identifique”, explica. “Uma pessoa com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) que assiste ao filme Melhor impossível não só se identifica, mas tende a se sentir aliviada por isso”, avalia.


“Essas doenças estão presentes em uma parcela considerável da população, em quase todas as famílias e instituições”
Alexandre Costa Neto, mestre em psicologia clínica e cultura

Qual o diagnóstico?

O Iluminado (1980)
Na adaptação da obra de Stephen King, Jack Torrance (Jack Nicholson) e sua família vão passar uma temporada em um hotel isolado, enquanto ele escreve um livro. Durante a estadia, coisas estranhas começam a acontecer. Jack se torna cada vez mais agressivo. Além dele, a esposa e o filho convivem com visões, o que pode caracterizar um transtorno psicótico.



Melhor Impossível (1997)
A comédia mostra a relação entre um escritor renomado cheio de manias, uma garçonete e um artista homossexual que vai à falência . Quando o vizinho pede ajuda para ir visitar os pais, os três embarcam em uma viagem. Melvin, vivido por Jack Nicholson, apresenta alguns sintomas de TOC, como não pisar em linhas ou só usar talheres descartáveis.



Birdman (2014)
Riggan Thomson é um ator famoso por ter interpretado o papel de um super-herói no passado. Para recuperar o prestígio, Riggan resolve se aventurar pela Broadway, mas o conflito entre o personagem que ele interpretou e sua nova ambição o leva a um quadro de esquizofrenia.



O lado bom da vida (2012)
Bradley Cooper é Pat, um homem bipolar que, após flagrar a traição da mulher, agride o amante e é internado em um sanatório. Após o tratamento, Pat está decidido a retomar sua vida e seu casamento, mas tudo muda quando ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence). A personagem desenvolve uma compulsão sexual, após a morte de seu marido. O pai de Pat apresenta sintomas de TOC, além de vício em apostas.



Um Estranho no Ninho (1975)
Randle Patrick McMurphy (Jack Nicholson) é um criminoso que se finge de louco para não ir pela sexta vez para a prisão. Ele é encaminhado para uma instituição psiquiátrica, onde tem dificuldades para se adaptar. No filme, o personagem apresenta traços de personalidade antissocial, ou sociopatia, como a ausência de remorso, a incapacidade de aprender com os erros e a manipulação das pessoas do seu convívio.



Uma Mente Brilhante (2001)
O filme é uma biografia de John Nash, matemático que ganhou o Nobel de economia. O protagonista formula um complexo teorema aos 21 anos e é convidado a trabalhar em um projeto secreto. Nash ouvia vozes, não tinha respostas afetivas, era introvertido e isolado, quadros que indicam esquizofrenia.



O Aviador (2004)
A cinebiografia retrata a história de Howard Hughes, um magnata com transtorno obsessivo-compulsivo centrado na busca pelo perfeccionismo a todo custo e na mania de limpeza.



Sniper Americano (2014)
O filme de Clint Eastwood conta a história real do atirador de elite Chris Kyle, responsável por pelo menos 160 mortes no Iraque. No longa, o soldado volta da guerra e apresenta dificuldades em se reinserir na sociedade devido a uma crise de choque pós-traumático.



Psicose (1960)
Em Psicose, Marion Crane (Janet Leigh) se dapara com Norman Bates (Anthony Perkins), o proprietário de um motel na beira da estrada. O jovem, aparentemente tímido e calmo, na verdade, esconde um transtorno de personalidade múltipla, onde é completamente dominado por suas distintas identidades.



Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)
O longa mostra a vida de um Alvy Singer (Woody Allen), um comediante pessimista que se apaixona pela complicada Annie Hall (Diane Keaton). O protagonista, obcecado pela morte, tem um quadro de distimia, similar a uma depressão suave, mas de longa duração.



Cisne Negro (2010)
Nina (Natalie Portman), uma jovem bailarina, é escalada para protagonizar a peça Lago dos Cisnes. Ao encarnar o papel, a dançarina confronta duas personalidades distintas, uma inocente e graciosa e outra maliciosa e sensual. Quem assiste ao filme, vê a sanidade de Nina sucumbir a esse confronto.







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