Na mesma raia, que propõe questões políticas e a “luta” contra os bits acelerados, corre o slow cinema, que ganha mostra instigante em Belo Horizonte, a partir de terça-feira. A Fluxus Slow Cinema exibe no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia três filmes de grandes expoentes do cinema atual: o chinês Zhengfan Yang, que estreou o longa em exibição, Distante (88min), no Festival de Locarno do ano passado; o malaio Tsai Ming-Liang, vencedor de Leão de Ouro em Veneza e do Urso de Prata em Berlim, de quem será apresentado Jornada ao Oeste (56min); e o húngaro Benedek Fliegauf, vencedor em Locarno e em Berlim, que chega aqui com seu terceiro longa, Via Láctea. A mostra é realizada pela produtora mineira Zeta Filmes até 9 de novembro e a entrada é franca.
Diretora da Zeta Filmes e curadora da exposição ao lado de Daniela Azzi, Francesca Azzi explica que “slow cinema não é um gênero, não define um grupo nem um movimento. Às vezes, os filmes têm personagens, noutras, não. Os planos são sempre longos”. Por isso mesmo, ela diz que o espaço expositivo é o local ideal, pois o espectador pode ter seu próprio tempo. “É um cinema mais para o universo das artes visuais, quase uma proposta estética, artística. E não existe a expectativa de quem vai assistir ao longa de ver algo em linguagem tradicional; assim, o artista poderá se expressar como quiser”. O slow cinema ou cinema de contemplação reúne filmes com ações narrativas subordinadas ao tempo, feitos com silêncios, planos longos e movimentos lentos.
Performático
Jornada ao Oeste, do cultuado diretor malaio Tsai Ming-Liang, integra a série do diretor intitulada walker (andarilho). Em cena, “um monge (interpretado pelo ator taiwanês Lee Kang-sheng) de roupa vermelha anda lentamente pela cidade, como se estivesse em câmera lenta”. Francesca conta que o monge se coloca em situações performáticas em Marselha (França), cidade cosmopolita, um porto que tem gente de diversas raças, falando línguas diferentes. Não há diálogos, apenas o som ambiente e é até possível contar os planos.
Já Distante, do chinês Zhengfan Yang, e Via Láctea, do húngaro Benedek Fliegauf, têm propostas bem semelhantes, “de um plano apenas, sem cortes, com vários episódios mostrados de ângulos diferenciados. O primeiro é mais irônico, o segundo, mais soturno, com um elemento fantástico”, revela a curadora. No filme chinês, como o próprio título entrega, os personagens vão ficando cada vez mais distantes, até o ponto de o espectador tentar entender o que se passa na cena. “Em Via Láctea, Fliegauf cria uma dramaticidade e a fotografia é mais trabalhada. Cada elemento visual e sonoro é meticulosamente selecionado para criar os diversos ambientes e para emergir o espectador numa experiência sensorial íntima”, conta Francesca. A curadora não entende como as pessoas não se entregam a obras do tipo, “muitas nem sequer experimentam”. Mas quem assiste, se rende e respira devagar.
FLUXUS SLOW CINEMA
Mostra de filmes. Abertura dia 7. Visitação de 8 deste mês a 9 de novembro. Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, Av Afonso Pena, 737, Centro, Praça Sete. De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h. Entrada franca.
DISTANTE, DE ZHENGFAN YANG
(Yuan Fang, 2013, China, 88 min)
Filmado em um único plano, tem 13 partes. Em cada uma, um pequeno relato. A proposta é mostrar momentos sutis e cotidianos nos quais as pessoas são, subitamente, confrontadas com a modernidade. Na escuridão, um farol pisca no mar. No ponto de ônibus, a espera. Em um parque, um telefone toca sem parar (desilusão?). Uma menina acha que a piscina é o lugar ideal para seu peixe, enquanto um homem brinca com o cachorro na beira da praia. Se um velho cai, alguém ajuda? O curioso é que tudo é observado a certa distância (que aumenta e aumenta...), não há diálogos e as cenas mesclam drama, realismo e mistério. Em cena, a sociedade contemporânea, a alienação, o abandono e a solidão. O diretor chinês Zhengfan Yang nasceu em 1985 e começou a fazer filmes aos 22 anos, quando se formou em direito. Mudou-se para Hong Kong para um programa de mestrado em produção de cinema e, em 2010, cofundou a produtora Burn The Film Production House. Distante (2013) é sua estreia em longas e teve sua première no Festival de Locarno do ano passado.
JORNADA AO OESTE, DE TSAI MING-LIANG
(Xi You, 2014, França/Taiwan, 56 min)
Enquanto um homem exausto respira agitado à beira-mar, outro, um monge budista trajando vestes vermelhas caminha a um ritmo imperceptível pelas ruas de Marseille, na França. O caminhar lento do monge chama a atenção dos pedestres das ruas movimentadas, e a câmera descobre pequenos e belos fragmentos da influência que esse caminhante tem nos habitantes da cidade, até o momento em que o monge ganha, enfim, um discípulo. O diretor Tsai Ming–Liang nasceu em Kuching, na Malásia, em 1957. Mudou-se para Taiwan aos 20 anos, para estudar cinema e teatro na Chinese Culture University. Começou a carreira como diretor e produtor na TV Taiwanesa e ganhou destaque ao vencer o Leão de Ouro no Mostra de Veneza, em 1994, com o filme Vive l'amour. Em 1997, O Rio ganhou o Urso de Prata do Festival de Berlim. Em 2013, Cães errantes recebeu o Prêmio Especial do Júri na Mostra de Veneza. Por essas e outras, ele é considerado um dos diretores mais importantes em atividade no cinema mundial.
VIA LÁCTEA, DE BENEDEK FLIEGAUF
(Tejút, 2007, Itália/Reino Unido/Israel, 82 min)
Tem 12 cenas em sequência filmadas em lugares diferentes – uma pradaria à noite; à beira de uma estrada; um pátio fechado por edifícios; um banheiro público –, todos locais habitados por seres humanos que agem de forma bizarra. As imagens vão formando uma espécie de pintura viva, mostram as sublimes arquiteturas da natureza e da cidade. Com a música, os sons – respirações, água, motores, cantos de pássaros – e a fotografia, criam uma experiência sensorial que transcende o uso das palavras. Representante da nova geração do cinema húngaro, Benedek Fliegauf nasceu em 1974, em Budapeste. Ele nunca frequentou escolas de cinema, mas foi assistente de direção na TV e trabalhou com direção, roteiro, cenografia e engenharia de som. Via Láctea, terceiro longa do diretor, ganhou em 2007 o Leopardo de Ouro no Festival de Locarno. O quinto (e mais recente) longa de Fliegauf, Apenas o vento (2012), recebeu o Grande Prêmio do Júri, Urso de Prata no Festival de Berlim 2012. O filme marcou também a volta dele à Hungria, já que seu filme anterior, Womb (2010), foi realizado em língua inglesa e foi considerado, pela revista Screen International, “um dos filmes mais espetacularmente belos do ano”.