Cinema

Livro destaca a importância de diretores de arte para o cinema nacional

Vera Hamburger descreve trabalhos de Pierino Massenzi, Clóvis Bueno, Marcos Flaksman e Adrian Cooper

Carolina Braga

Vera Hamburger criou a cenografia e Clovis Bueno assinou a direção de arte de Carandiru, filme de Hector Babenco, com Lázaro Ramos

Quem um dia pensou que trabalhar com direção de arte no cinema brasileiro seria uma aventura não estava de todo errado. Por mais avanços que a área tenha alcançado, formação acadêmica e bibliografia eram escassas por aqui. O cenário não mudou da água para o vinho, mas o lançamento de A arte em cena: direção de arte no cinema brasileiro, de Vera Hamburger, é um aceno para novos tempos.


Publicado pela Editora Senac, o bem cuidado livro de 420 páginas consegue se equilibrar entre a necessidade de uma discussão teórica e exemplos práticos do ofício. Mérito de quem, ao longo de décadas, aprendeu a fazer colocando a mão na massa, além de ter se descoberto na docência. A obra é fruto de pesquisa desenvolvida por Vera há pelo menos 10 anos.

“A gente foi se virando no cinema, no teatro e na cenografia de exposições. É uma área robusta: tem consistência, história e tradição, mas não há um curso de direção de arte. Algumas cadeiras são oferecidas nas faculdades de cinema, teatro e arquitetura. Essa matéria é multidisciplinar”, observa a autora.
A obra é dividida em duas partes. Na primeira, Vera Hamburger aborda o papel da direção de arte no cinema, detalha o conceito da atividade, a alquimia com a telona e os diálogos com a direção, a fotografia e a produção. Uma contribuição prática importante são os exemplos práticos listados pela autora, alguns filmes com os quais ela contribuiu e dicas de modelos para desenvolver mapas de arte e pesquisas para projetos cinematográficos. Cenário, figurino, maquiagem e efeitos especiais são também abordados.

A segunda parte do livro é mais empírica. Vera Hamburger reúne entrevistas com quatro profissionais da área: Pierino Massenzi, Clóvis Bueno, Marcos Flaksman e Adrian Cooper. “Três deles são representantes da primeira geração da direção de arte, tiveram atuação forte no sentido de encontrar parâmetros para a profissão”, explica Vera.

O compartilhamento de experiências se dá em textos e imagens. De Pierino Massenzi, cenógrafo de pelo menos 47 filmes produzidos pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, há a reprodução de esboços do circo de Tico-tico no fubá, dirigido por Adolfo Celi, com Tônia Carrero. “As paredes das construções da cidade cenográfica eram de areia e cimento. O cimento era prensado em formas de madeira. Inventamos uma máquina para fabricar fiapos de madeira, colocávamos essas lascas na forma, espalhávamos bem e misturávamos bem com cimento e areia. Deixávamos secar e pronto: tínhamos um painel”, descreve.

O leitor observa o desenho e entende a proposta. “Há coisas na imagem que as palavras não dizem. Você consegue perceber lógicas de ação e dinâmicas”, explica Vera. Falar sobre o passado é sempre caminho para repensar o presente. Para a autora, os avanços na direção de arte brasileira são nítidos, mas a área ainda é carente de atenção. “Não lhe dão a importância devida. Não tem dinheiro, estrutura nem a avaliação de que o espaço visual é tão importante quanto qualquer outra área envolvida”, diz. Mesmo assim, o momento é fértil. “Mais gente está se profissionalizando. Esse processo vem desde os anos 1980”, afirma ela.

Além do trabalho de Pierino e dos tempos da Vera Cruz, o livro detalha várias criações, como as de Clóvis Bueno para o longa Pixote, a lei do mais fraco (1981), de Hector Babenco, assim como o projeto do moinho de Kenoma (1998), de Eliane Caffé.

 

TRECHO
“A experiência de elaboração audiovisual é complexa. O que conduz naturalmente o espectador a diferentes sensações ou emoções é objeto de rigorosa construção, fruto de trabalho coletivo, em que o diretor de arte tem papel relevante ao conferir identidade visual à obra, contribuir com a formação de atmosferas visuais distintas em cada cena ou passagem, imprimir características plásticas marcantes a cada personagem e cenário.”

. Vera Hamburger, em Arte em cena...

SAIBA MAIS - Vera Hamburger
Em 1989, Vera Hamburger se formou em arquitetura e urbanismo. A estreia no cenário artístico ocorreu em 1985, como colaboradora nas áreas de cenografia e figurinos de leituras dramáticas de Roda viva e O homem e o cavalo, de José Celso Martinez Corrêa. A primeira direção de arte de cinema assinada por ela foi em O beijo 2348/72 (1987), dirigido por Walter Luís Rogério. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão Menino maluquinho, o filme (1994), Castelo Rá-tim-bum, o filme (1989), Carandiru (2003) e Salve geral (2009). Vera trabalhou em diversas óperas e montagens teatrais, entre elas o monólogo Uma noite na lua (1998), com Marco Nanini, que lhe rendeu o Prêmio Mambembe.

ARTE EM CENA
>> A direção de arte no cinema brasileiro
>> De Vera Hamburger
>> Edições Sesc/Senac, 420 páginas, R$ 218