Cinema

Diretor de 'Getúlio' fala sobre a legislação brasileira e a produção do filme

Cineasta revela que teve dificuldades em rodar o longa devido a entraves burocráticos

Carolina Braga

João Jardim diz que legislação dificulta o olhar sobre a história do Brasil e seus personagens
Recife
– Quando terminou a exibição hors-concours de Getúlio, no Cine PE, o diretor João Jardim se posicionou em um canto escuro do Cine Teatro Guararapes para observar a saída da plateia. Não queria ser reconhecido, apenas observar a expressão dos espectadores. Já sabia que não se tratava de filme para reação calorosa. “Ninguém aplaude a mediocridade política do país”, ressalta.


O cineasta de Lixo extraordinário (2010) e Janela da alma (2001) ficou contente com o que viu. “As pessoas estavam do jeito que a gente queria: refletindo sobre nós.” A questão em aberto é quanto Getúlio, o filme, poderá incomodar quem tem relação com alguns dos personagens retratados pelo longa. A estreia nacional está marcada para quinta-feira.

Quando fala sobre a dificuldade de levar fatos para as telas no Brasil – assim como para as páginas dos livros  – João Jardim se emociona. “Perdi muitas noites de sono”, confessou durante a coletiva de imprensa organizada pelo Festival. “É uma ousadia fazer isso, porque tem uma legislação que dificulta o tempo todo. Do ponto de vista jurídico, é muito grave.”

Com Tony Ramos no papel de Getúlio Vargas, o filme se passa nos 20 dias que antecederam a morte do ex-presidente. Como se tratam de personagens reais e dadas as polêmicas relacionadas às biografias, João Jardim assumiu muitos riscos para contar a história. Deixou explícito o peso que ainda sente por isso. “Foi realmente muito difícil. A Ancine exigiu a autorização de todos os herdeiros”, conta. Apenas parte dessa documentação foi providenciada, especialmente a autorização de duas netas de Vargas, que vivem no Rio de Janeiro. É por isso que João Jardim ressalta que ainda é um risco.

“Tive que tomar cuidado de colocar no filme coisas que as pessoas assumiram publicamente”, afirma. Pelo roteiro, assinado por George Moura, passam pelo menos 20 figuras históricas. Além de Getúlio Vargas e Carlos Lacerda, há familiares do ex-presidente, como a filha Alzira, e diversas figuras políticas, como Afonso Arinos e Tancredo Neves, entre outros. Para João Jardim, desde o início o interesse foi falar da história do país, infelizmente ainda pouco comprometido com a ética.

PÚBLICO Além de Getúlio, exibido fora de competição, também passaram pela tela do Cine PE o documentário de Jorge Furtado, O mercado de notícias, e o português 1960, de Rodrigo Areias, que saiu prejudicado. Já era quase meia-noite quando as primeiras cenas em super-8 foram exibidas. Naturalmente, havia muito pouca gente na sala. A imagem do Cine Teatro Guararapes abarrotado de gente já faz parte da história do Cine PE. Não é mais assim.

Embora dados oficiais deem conta de que foram mais de mil espectadores na noite de domingo, o número é menor do que em outros anos. “O mundo, há 10 anos, era outro, tinha menos oportunidades de entretenimento”, minimiza Alfredo Bertini, diretor do festival. “Qual a diferença de ter 2,3 mil pessoas para 1,8 mil? Que outro festival no Brasil que consegue esse número?”, desafia. “O Cine PE é plural. Não sou mostra, não trabalho com tendência. É o festival da pluralidade”, provoca.

* A repórter viajou a convite do Cine PE.

Ausências

Divulgada como a principal novidade desta edição, a internacionalização do Cine PE continua sem prestígio. Depois da ausência da equipe do longa O Grande Hotel Budapeste, do diretor Wes Anderson, o diretor português Rodrigo Areias, do documentário 1960, foi o segundo a não comparecer. “Ele me falou que estaria no Brasil o mês todo, mas deixou de atender celular, não responde aos nossos contatos”, conta Alfredo Bertini. Para o diretor do Cine PE, a internacionalização também deve ser encarada com mais calma. “É o primeiro passo, estamos começando.”