Cinema

Nova direção do Belas Artes tenta resgatar público do cinema de rua sob tutela de Helvécio Ratton

Nova administração anuncia reforma e modernização do espaço, além da construção de novas salas em imóvel vizinho, sempre com filmes independentes e de arte

Walter Sebastião

Novo responsável pelo Belas Artes, Adhemar Oliveira convidou o cineasta Helvécio Ratton (dir) para assumir a função de captar sentimento do público que gosta de cinema
Há 20 anos, num espaço alugado do Diretório Central dos Estudantes da UFMG, na Rua Gonçalves Dias quase esquina com Rua da Bahia, surgia um cinema diferente: o Belas Artes. Depois de mais de uma década como efervescente ponto cultural, o local passou a enfrentar dificuldades econômicas, o que prejudicou a manutenção da infraestrutura.

 

Situação que se agravou nos últimos anos, fazendo, inclusive, que o fantasma do fim das atividades rondasse o único cinema de rua de Belo Horizonte. A casa agora passa a integrar a rede Espaço, dirigida por Adhemar Oliveira, o mais importante grupo do Brasil (114 salas) dedicado ao cinema independente e de arte.


A conversa sobre a incorporação do Belas Artes à rede Espaço, como conta Adhemar, começou há dois anos, quando ele tomou conhecimento, por intermédio de Pedro Olivotto, da situação difícil que vivia o Belas Artes. A falta de patrocínio somava-se à necessidade de modernização e manutenção, criando conjuntura desafiadora. “Conhecia o local, sabia que era o único ponto comercial do cinema alternativo em Belo Horizonte e me interessei”, recorda.

 

"Distribuindo filmes, vendo onde eles chegam e onde não chegam, fica sempre a vontade de levá-los a lugares onde não estão sendo mostrados”, conta. “Cinema é igreja. A fé é grande, mas se a igreja for próxima a gente vai rezar mais vezes”, brinca.

Como Adhemar Oliveira vinha mantendo contato com Helvécio Ratton (ele vai lançar 'O segredo dos diamantes', novo longa do mineiro), trouxe o cineasta para ser o diretor artístico do Belas Artes. Com a função de "ser a alma" do local, alguém para captar "o sentimento da cidade com acuidade artística, política e cívica", observa.

 

“Topei porque vi que corria o risco de fechar um cinema onde o público sempre encontra filmes de qualidade, que tem localização espetacular: é próximo à Praça da Liberdade, região que está se formando importante conjunto cultural”, observa Ratton. “E, depois, é ação que vem de rede que tem compromisso com o cinema brasileiro”, acrescenta.

A dupla identifica três prioridades. A primeira é a modernização e reforma do local, implantando melhores condições tanto de projeção – que vai ser digitalizada – quanto troca de cadeiras. Em 30 dias, garantem, o público já vai sentir a diferença. “Apesar de todas as limitações, temos público fiel, que vem pouco ao Belas Artes por não encontrar no local a qualidade e conforto que procura. Vamos mudar essa situação”, diz Ratton.

Localizado na Rua Gonçalves Dias, quase esquina com Bahia, o Belas Artes põe filmes de arte e independentes em cartaz há cerca de 20 anos
Outro ponto da agenda de trabalho é a ampliação do local, com criação de duas novas salas em imóvel vizinho ao Belas Artes, já com projeto arquitetônico – de Fernando Maculan e Mariza Machado Coelho – em andamento. O sonho é inaugurar as novas salas até o final do ano, mas antes tem que se buscar patrocínio. O terceiro compromisso é ampliar a integração com a cidade.

“É nossa proposta abrir o Belas Artes ainda mais para a comunidade”, avisa Helvécio Ratton. E, para tanto, serão desenvolvidos projetos voltados para ampliação e formação de público. A programação vai continuar antenada com os independentes, o cinema brasileiro e filmes que, apesar de bom potencial de público, não estão chegando a Belo Horizonte. E define: “cults, clássicos e brincadeiras”. A Espaço comprou direitos de exibição de 'Fome de viver', de Tony Scott, estrelado por David Bowie (e Catherine Deneuve), obras de Hitchcock ('Os pássaros' e 'Um corpo que cai'), filmes de Orson Welles e do Monty Python.

• POR QUE O CINEMA DE RUA FAZ A DIFERENÇA?

 

Adhemar Oliveira: “Há 30 anos brigo pelo cinema de rua. Se é uma sala ativa não há motivo para ela ser jogada fora, mesmo considerando as comodidades que oferecem os shoppings. Esses cinemas prestam um serviço enorme à rua, à cidade, dão vida aos bairros. Rio de Janeiro e São Paulo têm, inclusive, estímulos para eles, como redução do IPTU ou isenção do ISS. A movimentação que promovem nas redondezas, gerando várias outras atividades, tem repercussão inclusive econômica, que é muito maior do que o imposto cobrado. É uma pena que os cinema de rua no Brasil sejam poucos.”

Helvécio Ratton: “Cresci vendo cinema de rua. Sempre gostei de parar, ver os cartazes ou o filme que está sendo exibido. Cinema de rua é parte da paisagem urbana, está integrado à vida da cidade e é local que proporciona uma relação do cidadão com o cinema. Tem charme que nada substitui. Em Belo Horizonte, eles acabaram também pela falta de apoio do poder público. Acho que essa situação deveria ser mudada.”

 

O exibidor e o cineasta

Adhemar Oliveira tem 58 anos, é diretor e criador, com Patrícia Durães, da rede Espaço (Cine Art, Cine Espaço e Espaço Itaú) que coloca o sistema multiplex – várias salas num único local – a serviço do cinema independente e de arte. Além da exibição, é marca do grupo a realização de projetos educativos, como o Clube do professor e Escola no cinema. “A conquista do nosso mercado é a conquista do nosso público. O ideal, no Brasil, é que cada cidade tenha uma sala de cinema”, defende. Adhemar é contra apresentar o cinema comercial e o alternativo como antagônicos: “O fast food não elimina o restaurante”, argumenta.

“Todo filme brasileiro tem direito de ser exposto. Se fica ou não em cartaz, quem decide é o público”, propõe Adhemar, frisando que qualidade não está associada a número de espectadores. O exibidor, na opinião dele, deve ter estratégias diferentes para os distintos tipos de produção, trabalhando para que as várias estéticas encontrem o público. Adhemar anda seduzido pelos documentários brasileiros: “Posso não conseguir mantê-los em quatro salas, mas tenho bons resultados exibindo em uma”.

Helvécio Ratton tem 64 anos, é diretor e produtor nascido em Divinópolis. Depois de exílio no Chile, devido à ditadura militar, voltou ao Brasil e estudou psicologia. Associou-se ao Grupo Novo de Cinema, dirigindo e produzindo filmes. Seu longa de estreia, A dança dos bonecos (1986), foi premiado em Brasília, em Gramado e em festivais na Itália, na Alemanha e em Portugal. São dele filmes como Batismo de sangue (2006), O mineiro e o queijo (2011) e Pequenas histórias (2007). Está finalizando O segredo dos diamantes.

“Aceitei ser diretor artístico do Belas Artes porque considero um cinema importante para Belo Horizonte. Ele é uma ilha de bom cinema num mar de blockbusters”, afirma Ratton. “Depois de ver uma a uma as salas de rua fechando, precisamos reverter o processo. Modernizando, ampliando, atendendo à demanda de público que é enorme. A prova é que, apesar das limitações, o público continua frequentando e interessado no que está sendo mostrado no Belas Artes”, conclui.