Cinema

'Inside Llewyn Davis', dos irmãos Coen, estreia em BH

Filme foi tratado com desprezo pela Academia, e foi indicado ao Oscar apenas nas categorias de Melhor Fotografia e Mixagem de Som

Agência Estado

'Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum' não será uma enorme atração do Oscar. Indicado para duas categorias - fotografia e mixagem de som -, o novo filme dos irmãos Coen foi tratado com desprezo pela Academia. O que diz mais sobre a Academia e sua concepção de cinema do que sobre o filme em si. Confira você mesmo, já que 'Inside Llewyn Davis' entra nesta sexta-feira em cartaz.


Provavelmente é dark demais para quem prefere tramas edificantes grandes personagens, temas nobres. Mas também é verdade que o cinema dos outsiders está lembrado na premiação deste ano. Os marginais a dominam, de fato. A começar pelo favorito, '12 Anos de Escravidão', que passa a limpo essa página vergonhosa da história americana, porém em tom edificante e mesmo épico.

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Já 'Nebraska' e 'Clube de Compras Dallas' surgem com força na premiação. O primeiro, com seu personagem idoso e iludido pela publicidade. Ele faz uma longa viagem crente de haver ganhado um concurso de um milhão de dólares. Uma frase a ser retida desse filme. Quando uma funcionária pergunta ao filho se seu pai sofre de Alzheimer, ele responde: “Não, ele apenas acredita no que os outros dizem”. Diz muito, senão tudo, sobre o nosso tempo. Já em 'Clube de Compras Dallas', um estroina, diagnosticado com Aids, resolve fazer o possível, mesmo que à margem da lei, para ter acesso aos medicamentos ainda não aprovados nos Estados Unidos. E aproveita para ganhar uma grana, que ninguém é de ferro. Matthew McConaughey, 17 quilos mais magro, parece imbatível para o troféu de ator. Ainda mais quando se sabe que a Academia leva muito em conta esse tipo de esforço físico de interpretação, o cara que engorda muito, ou que emagrece demais para parecer doente, etc. Esse procedimento é uma instituição, a tal ponto que Tom Hanks declarou-se disposto a não jogar mais esse jogo depois de se descobrir diabético.

Bem, nada disso acontece em 'Inside Llewyn Davis'. Interpretado por Oscar Isaac, Llewyn é apenas um perdedor. Mas um perdedor muito particular. Nas primeiras cenas vemos quando toma uma surra. Apenas no final da história, trama de natureza circular, como é comum nos Coen, a sova é explicada. De entremeio, assistimos à saga de Llewyn. Cantor e guitarrista folk, ele é muito bom no que faz. Mas não bom o suficiente num mercado muito concorrido. Toca em bares, mas aspira coisa maior. Há uma passagem, também muito significativa, em 'Inside Llewyn Davis'. Sem mercado ou ambiente em Nova York, ele busca um empresário em Chicago que poderá mudar sua carreira. Estamos no inverno, as temperaturas são polares. E vemos Llewyn Davis andar pelas ruas cheias de neve, insuficientemente agasalhado, com seu violão dentro da capa. Entra no estúdio, onde pelo menos há aquecimento. E consegue a audiência com o empresário. Este lhe pede que toque alguma coisa. Llewyn capricha. A música é linda. A interpretação é contida, correta. Quando termina, olha para o empresário, ansioso. E este lhe diz, simplesmente, sem nenhuma maldade, apenas emitindo um diagnóstico profissional, até mesmo com certa melancolia: “Não vejo muito dinheiro nisso aí”. A Llewyn resta enfiar a viola no saco e voltar para a rua fria. E para sua vida.

Uma vida atrapalhada, bom que se diga. Encrencado com uma ex-mulher (Carey Mulligan, ótima), que espera um filho, talvez seu. Amparado, quando não tem onde dormir, por um casal de amigos, à mercê da fome, do frio, do desalento, Llewyn vai tocando. O tom impresso à história é aquele dos Coen, que muita gente confunde com cinismo: um certo humor nas piores situações, que não esconde o fundo dramático da trajetória do anti-herói.

É verdade que, com algumas exceções, a principal o austero '12 Anos de Escravidão', existe humor nos filmes do Oscar deste ano. Em 'Nebraska' rimos às vezes, ao mesmo tempo em que nos comovemos com o velho teimoso vivido por Bruce Dern. Matthew McConaughey nos faz rir com sua picaretagem. Mesmo o tubarão das finanças vivido por Leonardo DiCaprio em 'O Lobo de Wall Street' tem seus momentos de graça. A solidão fundamental de Joaquin Phoenix em 'Ela' é temperada por um distanciamento irônico. E mesmo a mater dolorosa de Judi Dench em 'Philomena' tem momentos de riso. 'Trapaça' é, apesar do tom crítico bem resolvido, uma comédia completa.

Mas nenhum riso se compara àquele que experimentamos ao ver 'Inside Llewyn Davis'. Em certo sentido, o filme lembra aquelas velhas comédias italianas de Mario Monicelli ou Dino Risi. Fornecem humor no começo e, lentamente, vão mudando de tom, até mostrarem que a vida não é feita apenas de alegrias, muito ao contrário. Llewyn Davis não apresenta uma transformação abrupta de tom em sua narrativa. Funciona como se cada ato do personagem engendrasse o seu contrário. A falta de jeito do protagonista tanto nos exaspera quanto nos faz rir. Cada gesto é sua tese e sua antítese, redundando, não numa síntese, mas numa hesitação paralisante. É sua a tragédia da indeterminação, iluminada quando um verdadeiro talento chega ao palco e revela a Llewy Davis sua dimensão. Tudo somado, 'Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum', é o mais notável filme do Oscar-2014. Não vai ganhar nada, ou no máximo algum prêmio de consolação - exatamente como seu protagonista.

Assista ao trailer do filme: