José Padilha defende que seu 'RoboCop' é um filme político que vai conquistar o público

Remake estreia sexta-feira em 700 salas brasileiras, depois de abertura regular nos EUA

por Mariana Peixoto 19/02/2014 07:00

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Sony Pictures/Divulgação
Dilema entre homem e máquina atravessa a complexa psicologia do personagem desenhado pelo diretor brasileiro (foto: Sony Pictures/Divulgação)
Rio de Janeiro – É ao som de Hocus pocus – o delírio de sete minutos que, com riffs pesados de guitarra e órgão clássico, fez a banda holandesa Focus firmar seu nome na história do rock –, que RoboCop, o personagem, diz a que veio. Rapidamente, destroça três dezenas de robôs. Ali, o policial Alex Murphy já não exibe qualquer traço de humanidade. E é nesse turning point, que marca o fim da primeira metade de RoboCop, o filme, que José Padilha aprofunda a discussão que levou o mais comentado cineasta brasileiro da atualidade a estrear em Hollywood. Nesta sexta-feira, a produção de US$ 130 milhões chega a aproximadamente 700 salas brasileiras.


“No estúdio (MGM), me perguntaram qual era minha ideia para o remake (do longa homônimo de Paul Verhoeven, de 1987). Disse: ‘Acho que consigo fazer um filme sobre a política dos drones. Tentei e fui o mais fiel possível ao conceito básico do personagem. O RoboCop traz dentro dele a ideia filosófica de que quando você automatiza a violência, abre a porta para o fascismo. Se pegar 'Full metal jacket' ('Nascido para matar', de Stanley Kubrick), você vê que o personagem perde a capacidade de pensar. A ideia de tirar o senso crítico, desumanizar as pessoas, também estava em 'Tropa de elite'. Só que, em RoboCop, o personagem é um ser humano. Ele convive com a máquina e luta contra ela”, afirmou Padilha em entrevista na manhã desta terça-feira, ao lado dos atores Michael Keaton e Joel Kinnaman.


O RoboCop de Padilha se sustenta em três eixos. O mais simplista, de tiros, mortes e alta tensão, tripé que leva milhões aos cinemas para ver filmes de ação. Em outra ponta reside a velha questão homem versus máquina, base da genética sci-fi, presente no seminal 'Metrópolis' (1927), no clássico dos clássicos '2001 – Uma odisseia no espaço' (1968), no icônico 'O exterminador do futuro' (1984) e no contemporâneo 'Wall-E' (2008). Por fim, está o aspecto que parece mais caro ao diretor, o da violência na vida contemporânea, presente no policial corrupto, no apresentador de TV reacionário e demagogo, na “banda podre” de uma grande corporação. Isso é 'Tropa de elite'. E isso é também 'RoboCop'.


Em 2028, a cidade de Detroit é consumida pelo crime e pela corrupção. Líder mundial em tecnologia robótica, a OmniCorp fornece para todo o mundo drones que mantêm a ordem em países que, na opinião dos norte-americanos, demandam sua presença de maneira ostensiva – a forte cena de abertura, não por acaso, é em Teerã. Mas em seu próprio país, a OmniCorp é banida. Sem conseguir entrada para seus policiais robôs, o CEO Raymond Sellars (Keaton) forja uma solução para tentar convencer os poderosos de Washington a aceitar a presença das máquinas nas ruas: colocar um homem dentro dela. A seu lado tem a mídia direitista, personificada na figura de Pat Novak (Samuel L. Jackson), apresentador de um programa de TV.

Diferença
Depois de uma explosão que o deixa moribundo, o policial Alex Murphy (Kinnaman) renasce como o homem-máquina, ou melhor, o policial-robô. Só que, ao contrário do personagem que lhe deu origem, ele guarda a memória, os sentimentos e as relações interpessoais de sua “outra vida”. Agora controlado pela corporação e sob a chancela do cientista Dennett Norton (Gary Oldman), vai se desumanizando aos poucos.


“Fazer um filme político de estúdio é muito difícil. Nosso filme tem um modelo bastante diferente. Temos um vilão (Sellars) que não é vilão. O Coringa, por exemplo, quer matar todo mundo. Não me interessa fazer essas vilanias caricaturais. Queria um personagem oposto ao RoboCop, que tivesse um argumento válido. O dele (Sellars) é o mesmo que se usa para defender drones: robô não cansa, com eles não vai mais morrer soldado. E apresento o personagem principal depois de 11 minutos do filme. Qual é o super-herói que se viu depois de 11 minutos de filme? E é ainda um personagem que critica a mídia americana. Ou seja, esse filme é diferente do modelo americano e é político ao mesmo tempo”, acrescentou o diretor.


SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO
(foto: SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO)

Liberdade sob pressão

José Padilha não chegou da noite para o dia a Hollywood. Desde seu longa de estreia, o documentário 'Ônibus 174' (2002), o cineasta carioca tem um agente norte-americano. Há 10 anos, frequentava Nova York por causa da força do documentário. Depois da repercussão dos dois 'Tropa de elite', viu que era hora de se aproximar de Los Angeles. Para convencer os executivos da MGM/Sony a deixá-lo fazer o remake do filme de Paul Verhoeven, foi sincero e disse que só faria sentido na refilmagem se ela não se limitasse ao puro entretenimento. Recebeu o “ok” em dois dias.


“No Brasil, escrevo roteiro, produzo, dirijo e, no 'Tropa 2', até distribuí o filme. Ou seja, tenho um controle formal enorme. Num filme de US$ 130 milhões, evidentemente as pessoas que administram o estúdio vão querer que ele faça dinheiro. Há intermediação de produtores, advogados. Consegui fazer um filme político mesmo, apesar de não ter o controle formal”, disse. E conseguiu levar parte de sua equipe com ele (o montador Daniel Rezende, o diretor de fotografia Lula Carvalho e o compositor Pedro Bromfman).


A versão que se vê nas telas é a que Padilha queria. “Depois que os diretores fazem seu corte, e isso acontece com todos os filmes de Hollywood, há exibições para plateias-teste e grupos de discussão. É nesse momento que o departamento de marketing do estúdio tabula os resultados. O estúdio estava meio receoso, mas depois do grupo, as pessoas responderam que gostaram do filme porque ele é político. Nessa hora, vi que aquele seria realmente o meu filme (e não teriam que ser filmadas cenas extras ou o final seria modificado, como ocorre com várias produções). As pessoas subestimam o público nos EUA, ele está mostrando que é mais inteligente do que parece.”


Mas as bilheterias norte-americanas decepcionaram. RoboCop estreou no último fim de semana em terceiro lugar, perdendo para a animação 'Uma aventura Lego' e para a refilmagem 'About last night'. “Por outro lado, ele abriu incrivelmente no exterior. Está em primeiro lugar em 15 países. Vai dar bastante dinheiro para o estúdio”, diz Padilha.


“RoboCop está remando contra três marés. Grande parte das pessoas não olha para o filme, apenas o compara com o anterior, em vez de discuti-lo. Com isso, ele perde um pouco do poder de atração. A gente ainda estreou no meio da maior nevasca da história recente americana. E ainda por cima, no Valentine’s Day (Dia dos Namorados, 14 de fevereiro). Que cara vai chegar para a namorada e chamar para ver 'RoboCop'? Foi uma data difícil para o filme”, ironizou.


No entanto, Padilha sabe ser paciente. “Estou calejado. O 'Tropa 1' foi atropelado pela pirataria, depois se tornou o filme mais incrível do mundo, e mais tarde virou fascista. Sei que filmes não se definem em dois dias. Estou acostumado a esperar”, concluiu.

*A repórter viajou a convite da Sony Pictures

 

Trabalhar com Padilha

 

“Fui a última peça do quebra-cabeça, o último a entrar no elenco. E nunca vi o RoboCop original completo, somente alguns trechos. Padilha e o elenco foram fatores decisivos para que eu resolvesse participar. E não fiz necessariamente uma criação. O personagem já chegou para mim pronto. Ele é naturalmente complexo. Acho que se o Padilha fizesse 'Debi & Loide' as pessoas sairiam do cinema pensando que a estupidez é até interessante.” Michael Keaton, ator

 

“Quando meus agentes me falaram de um remake de 'RoboCop', eu disse que veria no cinema. Mas quando disseram que o José Padilha...Vi 'Ônibus 174', 'Tropas 1 e 2' na Suécia, e acho o José um dos diretores mais interessantes do mundo. Quando um sul-americano ou europeu vai estrear em Hollywood, falam para começar pequeno. O José fez 'RoboCop' e 98,99% do filme é o corte do diretor. Mas foi um período realmente difícil. Houve um dia em que ele entrou no carro e falou que ia voltar para o Rio se não fosse do jeito dele. Ligaram para ele no meio do caminho e falaram para voltar. Acho que foi aí que aprenderam a respeitá-lo.” Joel Kinnaman, ator

Um robô em meio ao fogo cruzado

GOSTEI
Emoção é a chave

Carolina Braga

Há temas em 'Robocop' que poderão soar muito diferentes da versão dirigida pelo holandês Paul Verhoeven, em 1987. Ainda assim, não serão tão estranhos aos espectadores brasileiros, em especial os fãs de 'Tropa de elite'. Já vimos não um, mas vários filmes que falavam sobre contrabando de armas e a influência da mídia nas decisões políticas, sem deixar de lado as implicações éticas que certas atitudes envolvem. Ainda mais quando há poder e dinheiro no meio.

Desta vez, porém, reencontramos essa costura de temas somada a uma discussão sobre o papel – e os perigos do abuso – da tecnologia no cotidiano das pessoas. Eis o 'Robocop' de José Padilha. O remake tem um quê de 'Tropa de elite', mas com a roupagem hollywoodiana. É uma ficção científica com tudo o que o gênero requer. Se passa em 2029, mas fala muito
mais de presente que de futuro. Robocop é um filme de super-herói. Por isso não há por  que se espantar que ele tenha bastante efeitos especiais, tiros, destruições e afins. O bacana – e de certa forma diferente – na produção dirigida pelo brasileiro é que a pirotecnia comum a esse tipo de filme não exclua questionamentos básicos do homem. Afinal, o que nos faz humanos e nos diferencia de máquinas e dos outros animais? O que Padilha nos lembra é que emoção é chave para decisão em muitas situações. Ontem, hoje e sempre.

 

 

NÃO GOSTEI
Videogame insosso

Helvécio Carlos

A questão é simples: não fosse José Padilha na direção, 'Robocop' não despertaria tanta atenção. O problema com as aventuras do robô travestido de policial está na sua gênese. Desde o original, dirigido por Paul Verhoeven, lançado no final dos anos 1980, o herói não conquistou tantos admiradores. Naquela época, o policial Alex J. Murphy, vivido por Peter Weller, não tinha a menor empatia e, visto hoje, o longa dá uma pontinha de vergonha alheia. Joel Kinnaman, o Robocop de Padilha, oferece um pouquinho mais de simpatia. Mesmo assim, não tem força suficiente para conquistar a plateia.

Em Hollywood, Padilha se refastelou no que a indústria do cinema norte-americana tem de melhor: tecnologia capaz de dar às cenas de ação gás suficiente para deixar todos com os olhos pregados na tela. Mesmo que em alguns momentos não funcione como novidade. As cenas de treinamento de Robocop parecem ter saído de videogames. E, cá para nós, atire a primeira pedra o diretor de ficção científica que nunca recorreu aos joguinhos eletrônicos. Isso sem contar com os tantos clichês dos filmes do gênero. Se o mercado americano convidou o diretor para um grande filme, não foi desta vez que mostrou seu potencial. 

 

 

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