Cinema

Festival do Filme Documentário e Etnográfico começa nesta quinta em BH

Retrospectivas homenageiam a obra dos cineastas Aloysio Raulino e Jonas Mekas

Mariana Peixoto

'Riocorrente', do cineasta Paulo Sacramento, com fotografia de Aloysio Raulino, é uma das estreias programadas do Forumdoc
Duas retrospectivas de veteranos do cinema documental e uma mostra com um recorte bastante atual são os destaques da 17ª edição do Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte (Forumdoc.BH), que começa nesta quinta-feira, no Cine Humberto Mauro. O evento, realizado pela associação Filmes de Quintal e o Departamento de Antropologia da UFMG, estende sua programação até 1º de dezembro. As exibições, mesas-redondas e oficinas também vão ocorrer no Cine 104 e no câmpus da UFMG.


A sessão de abertura vai apresentar quatro curtas de Aloysio Raulino, em exibição que será comentada pelo crítico Jean-Claude Bernardet. Mais conhecido como diretor de fotografia (assinou uma centena de filmes, entre curtas e longas, como os recentes 'Prisioneiro da grade de ferro', de Paulo Sacramento, e 'Serras da desordem', de Andrea Tonacci), foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Documentaristas. “Como diretor, ele foi muito pouco visto e comentado”, afirma Júnia Torres, uma das organizadoras do Forumdoc.

 

Desde 2005, Raulino participava do evento mineiro e, já no fim da edição de 2012, ficou agendada uma retrospectiva de sua obra. Em abril, ele morreu subitamente, aos 66 anos. “Como tínhamos acertado tudo, o levantamento dos títulos que seriam exibidos foi feito por ele”, continua Júnia. Da sessão inaugural, em que serão apresentados os curtas 'Lacrimosa', 'Teremos infância', 'Arrasta a bandeira colorida'e 'O tigre e a gazela', produzidos entre 1970 e 1976, participará o filho de Aloysio, Gustavo Raulino.

'O mestre e o divino', de Tiago Campos Torres, integra a programação do festival
"Costuma-se dizer que o Raulino inovou na forma e na linguagem do documentário dos anos 1970. Seus filmes são mais ensaísticos, autorais, e a fotografia é muito importante. Há ainda uma vinculação política forte nos filmes”, acrescenta Júnia. A retrospectiva ainda vai contar com uma sessão de 'Noites paraguaias' (1982), seu único longa, em primeira exibição depois de restauração feita pela Cinemateca Brasileira.


Outro cineasta, também de extensa produção, que ganha mostra é o lituano radicado nos Estados Unidos Jonas Mekas. Em dezembro, ele completa 92 anos e continua em franca produção. Em sua primeira retrospectiva realizada em Minas, serão apresentados 10 filmes, dos mais de 40 que dirigiu. “Ele tem um papel importante na criação do cinema de vanguarda nos EUA, bem como na preservação do cinema”, afirma a curadora Carla Italiano. A partir da década de 1960, tornou-se próximo de Andy Warhol, Allen Ginsberg, John Lennon, Yoko Ono e Salvador Dali.

'Reminiscências de uma viagem à Lituânia', de Jonas Mekas
Mekas teve pouca entrada no Brasil. Para a mostra, o recorte definido foi o da ideia do filme-diário. “Jonas Mekas filma muito a própria vida. Ainda que alguns não se encaixem neste panorama, são os filmes-diário que tiveram mais destaque”, continua ela, lembrando ainda que os trabalhos de Mekas costumam ser de longa duração, com três horas em média. Na mostra, será apresentado seu mais recente longa, 'Out-takes from the life of a happy man' (Trechos da vida de um homem feliz, em tradução livre), de 2012, que traz a participação do escritor William S. Burroughs e do fotógrafo Robert Frank.

 

Realidade sem retoques

 

Depois das mostras 'O animal e a câmera' e 'A mulher e a câmera', realizadas nos anos anteriores, o Forumdoc encerra sua trilogia de filmes que destacam alteridade e sua relação com a imagem com 'O inimigo e a câmera'. “Quando houve a eclosão das manifestações de junho, ficou claro, sobretudo na hora em que a internet foi inundada por imagens das mais diferentes maneiras, como esse tipo de transmissão era importante. O midialivrismo, em relação à imprensa convencional, tem uma relação direta, pula etapas, quase que deixa a bola para o espectador, que se torna um agente muito importante, pois é ele quem vai fazer a síntese”, afirma Paulo Maia, que assina a curadoria da mostra.


A partir de uma série de discussões dentro do programa de extensão Forumdoc UFMG, foi montada a mostra, que é pautada por três vertentes. A primeira delas vem com a exibição de filmes estrangeiros. “Filmar ‘o inimigo’, pessoas que cometeram crimes, que pertencem à extrema-direita, têm estratégias diferentes de filmar pessoas por quem se tem simpatia”, diz ele. Entre os longas selecionados está 'Duch, o mestre das forjas do inferno' (2011), de Rithy Panh, que traz uma longa entrevista com integrantes do Khmer Vermelho, que foi responsável pela morte de 12 mil pessoas no Camboja.


Da filmografia brasileira foram selecionados filmes de Sérgio Bianchi ('Mato eles?', curta de 1982 sobre um grupo de fazendeiros que invadem terras indígenas) e Eduardo Coutinho ('Teodorico', o imperador do sertão, de 1978, sobre um coronel do Nordeste). A terceira vertente da mostra foi selecionada após edital, a partir de um universo de 100 produções. “Convocamos pessoas que fizeram filmagens das manifestações a mandar os filmes. Há alguns filmes montados, outros que são planos-sequência. Foram todos realizados de forma bem ágil, para ser colocados na rede. A partir das imagens, vimos que o conjunto de filmes (serão exibidos duas dezenas) podem tanto reforçar os estereótipos dos participantes quanto desconstruí-los”, continua Maia.

'A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?', de Rafael Urban e Terence Keller
Debates
O Forumdoc conta com uma série de debates. A mostra 'O inimigo e a câmera' vai reunir em BH os professores e teóricos Ivana Bentes (UFRJ) e César Guimarães (UFMG); o realizador Vincent Carelli; a cineasta indígena Kamikia Ksedje; integrantes do Mídia Ninja (Júlia Mariano, Felipe Altenfelder e Raissa Galvão); e coletivos que estiveram presentes nas manifestações deste ano, como Projetação, Mariachi RJ e Maria Objetiva.


Estreias
O festival também vai exibir, em primeira mão, documentários dos seguintes realizadores: Andrea Tonacci ('Já visto, jamais visto'); Paulo Sacramento ('Riocorrente'); e André Brasil ('Sobre o abismo'). As sessões vão contar com a presença dos diretores.

 

FORUMDOC.BH 2013
Abertura quinta-feira, às 19h, no Cine Humberto Mauro. O festival vai até 1º de dezembro, com exibições, mesas-redondas e oficinas também no Cine 104 e no câmpus da UFMG. As sessões têm entrada franca. Veja a programação completa no site do Forumdoc.