Obra completa do cineasta americano Howard Hawks pode ser vista a partir desta sexta-feira em BH

Mostra tem entrada franca e vai exibir 47 filmes que fazem parte de acervos de instituições de seis países

por Carolina Braga 12/04/2013 08:09

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Annex/Divulgação
Howard Hawks dirige a atriz Angie Dickinson em 'Onde começa o inferno': desafio era com ele mesmo (foto: Annex/Divulgação)
O cineasta brasileiro Carlos Reichenbach (1945-2012) costumava se contorcer de rir quando contava uma história antiga envolvendo o colega norte-americano Howard Hawks (1896-1977). Ao descobrir que o diretor de 'Scarface' era vizinho de um tio nos Estados Unidos, Carlão resolveu escrever uma carta pedindo justamente uma cópia do filme para que pudesse ser visto por aqui. Hawks respondeu, mas não exatamente o que deixaria o jovem feliz. Disse que além de não deter os direitos do longa, estava pouco se lixando para os cinéfilos brasileiros.

Talvez até a contragosto do próprio Hawks, desse lado do globo o interesse pela obra dele não só existe como se mantém forte. Prova disso é que começa hoje a primeira mostra integral promovida pelo Cine Humberto Mauro este ano. Desta vez serão exibidas as 47 obras produzidas pelo americano ao longo de quatro décadas. Na tela do Humberto Mauro estarão ícones como Katharine Hepburn, Cary Grant, John Wayne, Humphrey Bogart, Lauren Bacall e muitos outros.

A aventura Carlão na cola do americano é hoje lembrada pelo crítico e “hawkiano assumido” Inácio Araújo. Entre 17 e 20 deste mês ele estará em Belo Horizonte para ministrar o curso “Hawks: o gênio à altura do homem”. A atividade é apenas um dos eventos paralelos que recheiam a temporada dedicada ao cinema do diretor, que se estende até 12 de maio.

Fazem parte do pacote desde longas bastante conhecidos, como o próprio 'Scarface – A vergonha de uma nação' (1932), os sucessos 'À beira do abismo' (1946) e 'Onde começa o inferno' (1959), até raridades como 'O último caso de Trent' (1929) e 'Enquanto os maridos se divertem' (1927), ainda da fase muda. “São absolutamente inéditos no Brasil e pouco vistos no mundo. Os dois filmes vêm da Biblioteca do Congresso dos EUA, não existem em DVD nem na pirataria da internet. Só nesse arquivo e foi uma luta para consegui-lo. Esse é um dos diferenciais”, garante Rafael Ciccarini, gerente de cinema da Fundação Clóvis Salgado.

A maior parte dos filmes, 25 títulos, será exibida em película e consegui-la não foi tarefa nada fácil. Além da Biblioteca do Congresso e outras instituições americanas, os empréstimos vieram de mais cinco países: Inglaterra, Espanha, França, Áustria e Austrália. “O melhor filme mudo do Hawks é 'Uma garota em cada porto'. A gente tinha que trazer em 35 milímetros, mas só um museu da Áustria tem. Tivemos que entrar em contato e convencê-los a nos emprestar”, explica Rafael.

Fora o trabalho de localizar as cópias é preciso se certificar quanto aos direitos de exibição. 'Levada da breca', por exemplo, o filme da abertura da mostra que será exibido hoje, veio da Austrália exatamente por causa disso. “Algumas instituições têm o filme no acervo, mas não têm direito de exibi-lo. Encontramos uma cópia nos Estados Unidos que só poderia ser apresentada lá”, conta.

Segundo Rafael, a realização da mostra integral de Hawks só foi possível graças à experiência acumulada com as retrospectivas de Luis Buñuel e de Charle Chaplin. “Vamos construindo uma reputação”, explica. Por exemplo, para conquistar a cópia no museu austríaco foi preciso uma carta de recomendação com o Centre Pompidou, de Paris, um dos parceiros da mostra de Buñuel. A experiência vale ainda para lidar com o complexo esquema de importação. “Não é simplesmente mandar buscar. Tem um processo de mais de um mês”, relata Ciccarini.

Discreto e ambicioso

Howard Hawks pode até não ter alcançado a popularidade de um Charles Chaplin ou de um Orson Welles, já que sua trajetória exige um olhar mais atento. “Tenho a impressão de que Hawks se caracteriza por uma discrição muito grande. À primeira vista, parece que estamos diante de um filme standard. Depois, quando se olha com atenção, percebe-se que não é bem assim. Por fim, quando se conhece um pouco mais, é possível notar que aquilo é um monólito, algo muito sólido”, comenta Inácio Araújo.

Visto com o distanciamento, o caso de Carlão, além de engraçado, explica um pouco a relação que o diretor e produtor estabeleceu com seu público ao longo da carreira. “Tenho a impressão de que a popularidade não o comovia”, analisa o crítico. Ou seja, ao longo de 44 anos, Hawks fez do cinema sua forma de expressão. Detalhe: era megalomaníaco.

“Ele tinha a obsessão de fazer uma obra-prima de cada gênero. Daí também a versatilidade”, diz Inácio. Howard Hawks é conhecido pela variedade de gêneros pelos quais transitou, sem o menor preconceito com a produção comercial de Hollywood. Passou pelo western, o film noir, história de gângster, aventura e até comédia romântica. “Hawks dizia que quando uma situação ia se tornando muito dramática era preciso cortá-la com uma gag. Tenho a impressão de que sua narrativa, a partir de dado momento, foge à linearidade clássica. Também seu tom carrega algo de moderno”, diz o crítico.

Assim como outros representantes do clássico cinema hollywoodiano, com o passar do tempo as tramas de Hawks também vão se mostrando imunes ao envelhecimento. “Parece-me que a visão do que seja ser homem tem um peso nisso: não é uma obra de acasos, de pequenos achados, de ideiazinhas. Parece-me que ali existe uma maneira de ver o mundo muito característica. Existe sempre uma questão lançada e relançada: o que é ser homem? A condição humana, nele, não é dada antecipadamente. É preciso conquistá-la. E preservá-la”, conclui Inácio Araújo.

Rafael Ciccarini indica

. 'Onde começa o inferno'
“Considerado por muitos como a grande obra-prima do western e um dos maiores filmes já realizados na história do cinema.”



. 'À beira do abismo'
“Diretor de todos os gêneros, aqui Hawks realiza um film noir obrigatório e ousado, tanto do ponto de vista de sua trama como da alta sensualidade da relação entre Humphrey Bogart e Lauren Bacall.”



. 'Levada da breca'/'Jejum de amor'
“Filmes centrais da comédia, sintetizam o subgênero screwball comedies e trazem um Hawks em pleno domínio do ritmo, mostrando-se um mestre na direção de atores.”



. 'Hatari'
“Espécie de filme síntese da obra de Hawks, onde mobiliza seus principais temas e apresenta plena maturidade estilística.”



. 'Scarface – A vergonha de uma nação'
“Talvez o mais importante filme de gângster da história e um dos definidores do gênero. O uso expressivo e dramático da fotografia já indica o extremo talento do diretor.”



PROGRAMAÇÃO

. Sexta-feira
20h – 'Levada da breca' (Bringing up baby, EUA, 1938, livre), Grande Teatro do Palácio das Artes. Abertura das portas às 19h. Retirada do ingresso, um par por pessoa, entre 14h e 18h, na bilheteria do teatro (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro).

. Sábado
14h – 'Adão e Eva… '(Fig leaves, EUA, 1926, 70 min, 14 anos, exibição digital)
16h – 'Rio Lobo' (Rio Lobo, EUA, 1970, 114 min, 12 anos, 35mm)
18h – 'O inventor da mocidade' (Monkey business, EUA, 1952, 97 min, livre, 35mm)
20h – 'Suprema conquista' (Twentieth Century, EUA, 1934, 91 min, livre), 16mm)

. Domingo
16h – 'El Dorado' (El Dorado, EUA, 1966, 126 min, 12 anos, 35mm)
18h15 – 'Amigo da onça' (Tiger shark, EUA, 1932, 77 min, 12 anos, exibição digital)
20h – 'Sargento York' (Sergeant York, EUA, 1941, 141 min, livre, 35mm)

. Todas as exibições a partir de sábado serão no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca com retirada de um ingresso por pessoa meia hora antes de cada sessão.

MAIS SOBRE CINEMA