'A parte dos anjos' mostra gente que vive à margem da sociedade e sem perspectivas

Com o mundo em crise, filme se passa na Escócia, onde pessoas cultuam o luxo

por Walter Sebastião 08/03/2013 07:40

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Imovision/Divulgação
Filme de Ken Loach condena personagens por atos disseminados por toda a sociedade (foto: Imovision/Divulgação )
'A parte dos anjos', de Ken Loach, coloca na tela grupo de jovens desajustados que, depois de julgados por suas infrações, tem como pena a reforma de um centro comunitário. O filme detém-se sobre a amizade que surge entre eles e, em especial, sobre Robbie (Paul Brannigan), rapaz do subúrbio de Glasgow (Escócia), perseguido pelo seu passado de delinquência, prestes a ver o nascimento do filho. Robbie encontra no coordenador do centro comunitário, Henry (John Henshaw), um pai. E com ele descobre talento para degustar uísque. O cenário não é a Escócia chique, movida a arte, dinheiro, civilização e muito dinheiro, mas as cidades interioranas, nas quais ignorância, crise social e violência se mesclam com facilidade.

O filme é direto desde o início, quase seco e praticamente minimalista. Com imagens que buscam empatia, mas também algum distanciamento, notável atuação dos atores, constrói-se observação expressiva de personagens e contexto. Os primeiros são criaturas perdidas, sem crenças ou valores, vagando à margem da sociedade, sem perspectiva de vida. São mostrados sob luz fria, com boa fotografia, que, assim como a montagem discreta e eficiente, coloca os personagens bem perto do espectador. O contexto é de mundo em crise, que tem, no extremo oposto da miséria, culto esnobe do bom gosto e do luxo, com gente disposta a pagar 1 milhão de euros por um barril de uísque.

A parte dos anjos evita análises sociológicas explícitas (mas elas existem de forma implícita). À primeira vista, é filme sobre dar uma chance aos excluídos e o amadurecimento pessoal. Tem uma face altruísta, de pendor humanista, que vem junto com outra, menos cândida. O desenrolar dos fatos evidencia que os atos pelos quais os personagens foram condenados estão disseminados por toda a parte. O filme traz visão da sociedade escocesa contemporânea, que condena a alienação coletiva. E que, mesmo dando solução positiva aos conflitos, não consegue entrever horizontes de transformações. Dos quatro personagens, apenas um (o mais violento) “salva-se” e vai para outra cidade (com recursos obtidos por meio da deliquência).

A pieguice, a banalidade (a trama parece vários daqueles filmes com golpes de “mestres”) e mesmo um certo maniqueísmo são riscos assumidos conscientemente por Ken Loach. Mas deixam rastro de dubiedade. Incomoda, no plano artístico, vê-lo não encontrar outra solução dramatúrgica que não seja subscrever, com simpatia difusa, a falta de rumo dos personagens. Está no filme consideração praticamente colonialista, quando, com nariz empinado, zomba-se da ex-colônia (Estados Unidos) por falta de “gosto”. O filme, por si, mostra quão tosca pode ser a metrópole. O nome 'A parte dos anjos' remete à parte da bebida que, durante a destilação, evapora-se.


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