Cinema

Prêmio de melhor ator para não-profissional marca encerramento da Berlinale

Festival de Berlim deu os principais troféus à veterana chilena protagonista de 'Gloria' e ao catador de ferro que atua em documentário sobre a própria história

Agência Estado

O trabalhador Nazif Mujic recebeu o Urso de Prata de Melhor Ator por sua participação em 'An episode in the life of an iron picker' ('Um episódio na vida de um catador de ferro')
Houve um consenso da crítica de que este não foi um grande Festival de Berlim. Os bons e até grandes filmes tiveram seu contraponto em alguns ruins e outros tantos medianos - não há nada pior do que uma seleção medíocre, daquelas que dão a impressão de ter medo de errar (e erram). Mas, de maneira geral, o júri presidido por Wong Kar-wai acertou. Pode ter errado ao ignorar o russo Boris Khlebnikov, de 'A long and happy life', ou ao atribuir o importante prêmio de direção a um filme tão insignificante quanto 'Prince Avalanche', de David Gordon Green.


As demais impressões, ou reclamações, com certeza baseiam-se em impressões subjetivas - mas foram compartilhadas pela maioria dos jornalistas, um tanto perplexos, após a cerimônia de premiação no sábado à noite. A maioria esperava o Urso de Ouro para o chileno 'Gloria', de Sebastián Lelio, mas o melhor filme, segundo o júri, foi o romeno 'Child’s pose', de Calin Peter Netzer, também eleito pela crítica. A chilena Paulina Garcia foi a melhor atriz, por 'Gloria', e esse foi um dos prêmios em que o júri atingiu a unanimidade, sem que possa ser acusado de burrice (como diria Nelson Rodrigues).

Paulina não reclamou de ninguém e o próprio Lelio, por mais que esperasse o grande prêmio, fez saber que se sentia recompensado por meio de sua extraordinária atriz. A escolha do melhor ator foi honrosa, mas não deixa de colocar um problema. Nazif Mujic não é um ator profissional e reconstitui diante da câmera, em 'An episode in the life of an iron piker', o que ocorreu com sua mulher e ele na vida real. O júri atribui dois prêmios ao belo filme de Danis Tanovic - além do de melhor ator, justamente seu prêmio especial (o do júri).

Paulina Garcia recebeu o prêmio de Melhor Atriz pela protagonista do chileno 'Gloria'
A questão que permanece em aberto é: até que ponto é lícito premiar um não ator, num docudrama? É muito possível que tenha sido um prêmio conceitual. O júri poderia ter escolhido entre outras atrizes, porque o Festival de Berlim de 2013 teve muitas mulheres fortes, tanto as personagens como suas intérpretes. Já os homens, em sua maioria, foram fracos e isso, de alguma forma, se refletiu na qualidade das interpretações masculinas. Ao escolher um dos raros homens íntegros e fortes da Berlinale - e um que interpretava o próprio papel -, o júri com certeza quis passar um recado.

Danis Tanovic e a produtora de 'Child’s pose' fizeram, de qualquer maneira, os discursos mais belos da noite. O filme de Tanovic é sobre o esforço desse homem, um cigano, para salvar a vida da mulher. Ela abortou e precisa com urgência de uma curetagem para evitar a septicemia, mas Zanif, que vive de catar ferro, não tem dinheiro nem seguro social. Inicia-se uma verdadeira via-crúcis, rigorosamente real, para o casal. A maneira como eles resolvem o problema é engenhosa e deixa aberta outra questão - se o sistema é discriminador e cruel, como cobrar ética das pessoas? Quando o filme chegar ao Brasil, o público nacional poderá descobrir o que Nazif e a mulher fazem para driblar o poder e seus representantes.

Diretor romeno Calin Peter Netzer levou o Urso de Ouro de Melhor Filme por 'Child's pose'