Temática da velhice é cada vez mais atual e atrai público de todas as idades ao cinema

Interesse despertado por filmes como Amor e E se vivêssemos todos juntos? mostra que tendência

por Ana Clara Brant 27/01/2013 13:54

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IMOVISION/DIVULGACAO
Jean-Louis Trintignant, um rosto histórico (foto: IMOVISION/DIVULGACAO)

“Parece que nos descobriram”, constata a aposentada Alda Braga, de 72 anos, depois da sessão do filme Amor, um dos candidatos ao Oscar, que retrata os desafios de um casal octogenário para lidar com a idade, a família e o relacionamento a dois. O longa-metragem do diretor austríaco Michael Haneke, que arrebatou prêmios como o Globo de Ouro e a Palma de Ouro em Cannes, é apenas uma das produções recentes que focam a terceira idade.

E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin, que conta a história de seis amigos na faixa etária dos 70 que decidem montar uma espécie de república, é outro que está em cartaz e vem conquistando as plateias. “Acho que é uma tendência do cinema mundial. No Brasil isso ainda está engatinhando e começamos a ter vários curtas com essa temática. Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. O mundo está envelhecendo e acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas. É um sintoma das sociedades modernas”, acredita o professor de cinema e crítico Ataídes Braga.

As sessões lotadas dos dois filmes e a repercussão que estão provocando demonstram como as pessoas começam a se interessar pelo assunto. “Todo mundo passou ou vai passar por isso. Um dia chega a hora. Acho que o mundo acordou, percebeu que está envelhecendo, e por isso o tema é bem atual e deve ser levado para a telona”, frisa Alda. Cinéfila assumida, Selma de Carvalho Azevedo Alcici, de 84 anos, assistiu tanto a Amor quanto a E se vivêssemos todos juntos? e acha extremamente válido que as produções abordem a terceira idade. “Apesar de não ter gostado de Amor, nem tê-lo entendido, até porque imaginava outra coisa, considero muito importante falar sobre isso. E tanto é que tem atraído gente de todas as gerações. Mas há filmes e filmes, e preferi E se vivêssemos todos juntos?”, opina.

A verdade nua e crua e a fragilidade do ser humano presentes na obra de Michael Haneke têm despertado os comentários mais diversos. Há quem ame e quem odeie, mas não se pode negar que o longa, que teve cinco indicações da Academia, reflete a realidade de muitos idosos. “Ele revela o amor sem véus, um sofrimento que é real. Como é a vida de quem passa a lidar com aquilo, suas angústias, mas ao mesmo tempo tem muita sensibilidade. Porém, isso não significa que é a realidade de todas as pessoas mais velhas. Vários idosos conseguem envelhecer de uma maneira satisfatória e digna. Não é algo homogêneo, eu mesmo tenho pacientes com 90, 95 anos, que moram sozinhos, vão ao teatro, fazem cursos e não ficam esperando a morte chegar”, lembra o psicogeriatra e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Rodrigo Nicolato.

Interpretação

Já Ataídes Braga considera Amor um dos filmes mais densos dos últimos tempos, o que nos leva obrigatoriamente a uma reflexão sobre várias coisas importantes. O crítico ressalta também a atuação dos protagonistas, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, esta a atriz mais velha a concorrer a um Oscar, com 86 anos. “Enquanto E se vivêssemos todos juntos? é mais festivo, mais atual, e tem essa coisa do coletivo, o Amor não faz concessões e é mais frio e cerebral. Para mim, ele é o grande filme do ano. Um dos pontos altos dessas produções é ter no elenco atores mais velhos e de um talento fora de série. Pena que não valorizamos esse pessoal tão bom de serviço. O próprio Walmor Chagas, que morreu recentemente, reclamava muito disso. Ele estava muito insatisfeito e deprimido por não ser mais chamado para atuar”, lamenta Ataídes. O crítico está finalizando dois trabalhos com foco no tema: o documentário Resíduos da memória, que traz cineastas na faixa dos 70 e 80 anos; e o roteiro de um filme sobre amigos idosos que não se veem há anos.

Com mais de cinco décadas de carreira e prestes a completar 82 anos, a atriz mineira Wilma Henriques acha importante que produções do teatro, cinema e televisão abordem a questão do idoso. No entanto, acredita que deve haver uma política efetiva com relação aos mais velhos. “Eu, particularmente, não posso me queixar porque nunca faltou trabalho e não diminuíram os convites. Mas é natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim”, diz.

Mesmo quem ainda não ingressou na chamada terceira idade faz questão de conhecer os filmes, como é o caso da cantora Lígia Jacques, de 52 anos. Para ela, o grande mérito das produções é que, independentemente da cultura ou do país, o assunto é universal e, gostando ou não, o público se identifica. “Amor é ao mesmo tempo um filme delicado e difícil de digerir. É um tema espinhoso. E se vivêssemos todos juntos? tem mais fantasia, é mais leve. De qualquer modo, vale a pena ver os dois”, aconselha.

Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. Acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas” - Ataídes Braga, professor de cinema

É natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim” - Wilma Henriques, atriz

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